Mestre Didi deixa legado de respeito à ancestralidade – Por Fábio Bittencourt

Os cantos que celebram os ritos de memória das religiões afro-brasileiras marcaram neste domingo, 6, o sepultamento do artista plástico e sacerdote Deoscóredes Maximiliano dos Santos, o Mestre Didi. 

Dono de uma obra vigorosa baseada na religiosidade, Mestre Didi era também escritor, ensaísta e tinha o posto de alapeni, o mais alto nos ritos aos ancestrais, conhecido como Culto aos Eguns.

Ele tinha 95 anos e lutava desde 2011 contra as consequências de um câncer de próstata. Mestre Didi deixa uma vasta obra plástica e também literária sobre a tradição de origem nagô. O termo é usado para definir a herança dos povos vindos de regiões onde atualmente estão a Nigéria e parte do Benim. 

A despedida no Cemitério Jardim da Saudade, em Brotas, em Salvador, reuniu representantes das várias tradições religiosas de matriz africana.

Filho biológico da ialorixá Maria Bibiana do Espírito Santo, conhecida como "Mãe Senhora", terceira a assumir o comando do terreiro Ilê Axé Opó Afonjá, Mestre Didi comandava o Ilê Asipà, localizado na capital baiana e fundado por ele em 1980.

"A história do negro no Brasil se confunde em grande parte com a história da família dele, um dos troncos fundadores da tradição nagô-ketu", diz o professor da Uneb, Gildeci Leite, que é membro da comunidade do Asipà. 

Segundo Leite, Mestre Didi tinha como uma de suas marcas o equilíbrio entre rigidez e flexibilidade. "Era uma figura extremamente carismática, mas que exigia o cumprimento dos rituais exatamente como manda a tradição", completa.

Segundo o doutor em antropologia, Júlio Braga, Mestre Didi era um artista vinculado à essência da cultura religiosa e afro-brasileira. "Talvez mais conhecido em outros países do que no próprio Brasil", acrescentou.

Braga ressalta ainda a discrição e a elegância como traços marcantes de Mestre Didi. "Um exemplo de vida, de cidadão. Autor de mais de uma dezena de livros, era dotado de uma inteligência artística extraordinária. Um homem completo, mas simples, com  uma vida invejável. Sempre atendia a todos. Era um africano instalado no Brasil. Um baluarte", destacou.  

Presidente do grupo Olodum, João Jorge destacou a importância que considera multifacetada de Mestre Didi. "No campo religioso você pode ter a dimensão pela quantidade de pessoas que vieram ao enterro. No político, ele cruzou quase um século lutando pelo reconhecimento do candomblé. Por último, o poder simbólico da Bahia está na figura de gente como ele e Mãe Stella de Oxóssi".

Homenagens

Mestre Didi era casado com a antropóloga Juana Elbein dos Santos, autora do livro "Os nagô e a morte", um estudo que já se tornou clássico sobre o culto aos ancestrais.

De acordo com o historiador, escritor e professor Jaime Sodré, Juana Elbein foi uma grande incentivadora do trabalho de Mestre Didi. "Ela o fez reconhecer seu grande talento e viveram uma relação de companheirismo", acrescenta. Sodré é autor do livro: A influência da Religião Afro-Brasileira na Obra Escultórica de Mestre Didi, resultado da sua dissertação de mestrado em História da Arte pela Ufba.
  
Sodré disse que vai propor à Assembleia Legislativa uma homenagem especial para reverenciar a memória de Mestre Didi. "Essa é a passagem de uma geração, desde Mãe Senhora. Tem uma frase dele que tomo como direcionamento para a minha vida: 'devemos evoluir sem perder a essência'", acrescentou Sodré. 

De acordo com o neto de Mestre Didi, José Félix dos Santos, 48, durante os próximos sete dias, contados a partir desde domingo, a comunidade do Ilê Asipà estará reunida para obrigações litúrgicas.





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