Partido político quer “judaizar” Jerusalém - Por Diogo Bercito
Como qualquer estudante de
hebraico, passo os dias olhando para os lados, à procura de qualquer inscrição
que eu possa, ou não, desvendar nas ruas de Jerusalém.
É um bom exercício para
treinar a leitura do sistema de escrita hebraico e também para adquirir
vocabulário. O estudo da língua serve, ainda, para entender melhor o pensamento
social e político de um determinado povo.
Tudo isso para dizer que li
ontem, com surpresa e preocupação, um cartaz em hebraico a caminho de casa.
“Leyahed et Yerushalaim”. É uma estrutura simples. “Leyahed” parece ser um
verbo de tipo intensivo, no infinitivo, significando “tornar judeu”. “Et” é a
partícula que indica o objeto de um verbo. “Yerushalaim” é o nome da cidade. Ou
seja, “judaizar Jerusalém”.
Esse é o lema da lista de
candidatos Jerusalém Unida, pela qual Arieh King irá concorrer ao conselho
municipal nas eleições de 22 de outubro. King é o líder do Fundo para
a Terra de Israel e ativista em defesa das comunidades judaicas que vivem em
áreas de maioria árabe, como Sheikh Jarra.
Não por acaso a lista Jerusalém
Unida é encabeçada pelo rabino Yonatan Yosef, que entrevistei há alguns meses
sobre o mesmo tema. Neto do ícone religioso Ovadia Yosef, ele lidera os colonos
em bairros árabes. O cartaz segue, abaixo do slogan,
com a frase “torne judaico com a construção e torne judaico com a Torá”.
Anteriormente, o grupo político fez campanha em cima da imagem de homens árabes
aterrorizando garotas judias em parques da cidade. A proposta do cartaz para as
eleições municipais, porém, é tão inesperadamente agressiva e sincera, que
mesmo a ala direita tem criticado a lista Jerusalém Unida.
Reuven Rivlin, do
partido governista Likud, pediu que a Promotoria investigue se o slogan (“uma
desgraça”) constitui uma ofensa criminal. A informação está, em hebraico,
no Facebook dele.
Para além de todos os entraves às
negociações de paz, como fronteiras e segurança nacional, a disputa por
Jerusalém é um obstáculo quase intransponível, conforme grupos religiosos, com
a anuência do Estado, continuam a expulsar palestinos de áreas árabes da
cidade. É a história de Sheikh Jarra, mas também de outras regiões
jerosolimitas.
Recentemente, um funcionário do governo admitiu que os projetos
de um parque no monte Scopus tinham por objetivo impedir a expansão de bairros
palestinos em Jerusalém Oriental.
A questão da judaização é
polêmica. Envolve, para os críticos dessa prática, a expulsão de palestinos, a
expansão de bairros judaicos, o estabelecimento de assentamentos na Cisjordânia
e a mudança de nomes de cidades do árabe para o hebraico. O esforço
demográfico parte do pressuposto de que o Estado de Israel é judaico,
antes de ser israelense, que, é claro, desagrada a população árabe.
Os oponentes desse programa
social vão notar, ainda, que o Estado é definido como “judaico” na Declaração
de Independência, mas não “democrático”. Uma proposta de lei introduzida pela
coalizão governista Likud-Beitenu pede que a identidade “judaica” tenha
supremacia sobre a “democrática”, conforme nota uma reportagem do “Haaretz”.
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