Falecimento de João Batista Libanio
Lamentamos profundamente em anunciar a morte de pe. João Batista Libânio, de infarto, há poucas horas.
Aguardamos informações sobre o velório e o sepultamento.
Vai em paz, mestre Libânio.
Missão cumprida. Demos graças ao Pai!
Afonso M.L. Soares
J. B. Libanio
Há conversões e vocações que
nascem de grande choque. São Paulo se tornou o paradigma maior. Perseguidor dos
cristãos se viu circundado por luz divina e de dentro dela saiu o apóstolo das
gentes. Que vida de enorme zelo pela jovem fé cristã! Assim alguns entram para
a vida religiosa, para ser jesuíta, depois de forte e estremecida
experiência.
João, o apóstolo, bem jovem ouve
seu mestre, também ele João, o Batista, dizer-lhe que aquele homem que lá
caminhava pelas margens do Lago de Genesaré era o Messias. Na inocência dos
anos juvenis, deixa pai, rede, barco e se põe a seguir a Jesus e morrerá, em
alta idade, na fidelidade do mesmo Mestre. Paradigma de vocações que se
desenvolvem de maneira quase natural, sem sobressaltos, nascidas por algum
encontro casual na linguagem dos fatos e providencial sob o olhar da fé.
Ainda criança, um padre jesuíta
perguntou-me que queria ser. Naqueles idos, facilmente, sem hesitar, era comum
responder diante de um padre que se queria ser padre. Nada de formal nem
decisivo. No entanto, tudo começou aí. Da resposta até ir para o Rio estudar
com os jesuítas já tendo no horizonte tornar-se um dia um deles foi um pulo.
Os longos dos anos de contacto e
formação com os jesuítas me foram forjando numa vocação bem plural como é a
deles. Missão no estrangeiro, colégio, universidade, missões populares, vida
intelectual, numa palavra, um leque amplo se me abriu diante dos olhos. E
embarquei-me para valer nessa nau na qual estou até hoje.
Conjunturas e coincidências
conduziram-me para a teologia. A nova trajetória iniciou com a função de
diretor de estudos do Colégio de seminaristas brasileiros em Roma. Aí me
concentrei na orientação das matérias teológicas que me levaram ao doutorado e
depois à docência da teologia até o dia de hoje. Agradeço imensamente a Deus
por essa jogada, imprevista, de lançar-me na peleja das Letras
Sagradas.
Mais: não estudei teologia para
ficar adscrito a uma Faculdade ou Universidade européia. Corri tal perigo e
quase fiquei no Velho Continente. De novo, o pequeno aleatório me salvou. A
casa de estudos de teologia dos jesuítas do Brasil me tinha solicitado antes e
o povo de Roma respeitou tal pedido. E então voltei para o Brasil depois de
mais de 10 anos na Europa.
Aqui fazer teologia é outra
coisa. Estava nascendo a teologia da libertação. E logo me engajei nela. E faz
parte dela não se dedicar unicamente à academia, ao estudo trancado no gabinete
e sim imergir-se na realidade pastoral para a partir dela pensar a teologia.
Nos primeiros anos de volta da
Europa dediquei-me a circular pelo Brasil, pelo Continente e alguns países
da Europa falando da teologia da libertação, mas também bebendo
experiências, sobretudo nos países da América Latina. Foram anos muito ricos e
me fizeram mergulhar na realidade latino-americana.
Depois aterrissei mais no Brasil.
Circulei por todo ele, do Rio Grande do Sul ao Acre. E finalmente acampei em
Vespasiano. Aí bebo da seiva gostosa da vida paroquial. Tive a felicidade de
encontrar uma paróquia viva e prestar então algum serviço concreto à comunidade
em sintonia e em colaboração com o pároco Pe. Lauro. São já anos que aqui venho
e dou um pouco de mim nas celebrações, cursos, visitas, atendimentos. A
pastoral se alimenta da teologia e me alimenta a teologia. Existe uma
circularidade que enriquece. Sou imensamente grato por tudo o que recebi e
recebo do contacto com a vida paroquial. Como jesuíta, ajudando um padre
diocesano, percebo duas coisas: confluência e complementaridade. Nossas
intenções e propostas pastorais convergem e se pautam pelas decisões colegiadas
das Assembléias. E pelo fato de eu ser jesuíta e teólogo contribuo com algum
toque, por mais simples que seja, que soma ao conjunto da paróquia.
Que tem de fascinante uma vida de
jesuíta? Por que ela me reteve tantos anos? E por que espero nela terminar os
meus dias? A ordem jesuíta oferece excelentes oportunidades para boa formação
espiritual e intelectual. E depois de formados, lança-nos no mundo, dando-nos
ampla liberdade de ação apostólica. A missão recebida dos superiores
delimita-nos o campo, mas dentro dele existe enorme o espaço de criatividade e
originalidade. E, sobretudo cria dentro de nós consciência crítica e livre para
“em tudo amar e servir”.
A fonte da vocação
encontra-se no desejo, no entusiasmo e na alegria de servir o povo de Deus.
Nada faz o ser humano ser tão feliz como colaborar no crescimento interior e
espiritual das pessoas. Além desse nível estritamente pessoal, o trabalho
pastoral estende, por diversas maneiras, a influência para campos mais vastos.
No meu caso, lanço as sementes da palavra de Deus por muitos rincões quer por
escrito nos livros e artigos, quer nas pregações e palestras. E o Mestre maior,
o Senhor Jesus, aproveita de nossas pequenas e simples palavras para fazer
avançar o seu Reino. E na fé participar desse empreendimento apostólico
carrega-nos a vida de sentido. Se algum jovem leitor, ele ou ela, sentir
tocado/a pelo desejo de empreender aventura semelhante, que o Senhor lhe dê
força e coragem!
Mais elementos para Biografia de
JB Libanio: Entrevista de JB Libanio ao
Jornal de Opinião
Tema: 70 anos de um Teólogo -
Junho 2002
1. Um teólogo,
aos 70 anos de idade, tem uma visão mais clara da vida?
A clareza e a serenidade não se
medem pelo número de anos, mas pelo trabalho interior. Se este acontece ao
longo de uma vida, então os anos contam. A existência foi generosa comigo e
permitiu-me que pudesse estar sempre à volta com análises, reflexões sobre a
realidade social e eclesial. Vivendo numa ordem religiosa de certa exigência
intelectual e convivendo com pessoas lúcidas, terminamos por adquirir
vivencialmente certa clareza de visão.
2. Fale um
pouco sobre sua família, seus pais eram pessoas religiosas? Como surgiu sua
vocação?
Sou imensamente grato à minha
família. Meu pai conjugava um conjunto de qualidades que me marcou. Com enorme
sensibilidade humana e literária, passou-me desde cedo o gosto pela beleza
cultural. Tinha enorme biblioteca de literatura. No mundo profissional, era
médico e também professor catedrático da Escola de Medicina, como se dizia
então. Combinava a vida de clínico com a docência. Pelo relatos que ouvimos de
seus alunos, era professor responsável e capaz. A religiosidade, que herdara da
família, não se manifestava em nenhuma prática eclesial. Embora irmão de um
bispo, ia conosco à missa somente no dia de seu aniversário. A formação
religiosa fora entregue à minha mãe. Ela foi alguém que espiritualmente me
transmitiu uma religiosidade profunda e discreta. Como meu pai morreu cedo - eu
tinha 11 anos - minha mãe procurou que cada filho recebesse a formação
religiosa nalgum colégio católico. Assim o caçula esteve com os salesianos, o
mais velho com os agostinianos, minha irmã com as filhas de Jesus e eu com os
jesuítas.
Responder pelo nascimento da
vocação é difícil. Funcionou com os olhos da história, como diria J. Monod,
pela lei do “Acaso e necessidade”. Nada programado, sensacional. Nenhuma
descoberta misteriosa. Tudo tão pequeno e imperceptível, como o formar dos
átomos e moléculas até chegar à maravilha do ser humano. P. Moutinho, jesuíta,
conhecia no Rio uns Libanios que ajudavam o novo tipo de seminário menor que
ele fundara. Sabia que o forte da família morava em Belo Horizonte. E procurou
visitá-los. Assim foi à casa de um tio meu. Lá estávamos, nós crianças, a fazer
a maior bagunça. Dado momento, o padre volta-se para mim e pergunta-me: que v.
vai ser quando crescer? Não hesitei: padre. Claro que não sabia de que
realmente se tratava. O padre, segundo a pedagogia da época, não hesitou um
momento. Foi atrás da minha mãe, etc. etc. E vários meses depois, fui terminar
o curso de admissão no Colégio Santo Inácio do Rio. Daí para frente foi seguir
naturalmente um caminho que se desdobrou sem muitos sobressaltos. Do colégio
para o noviciado, do noviciado para as diferentes etapas de uma vida religiosa
extremamente regular nos moldes do antigamente. E aqui estou até hoje.
3. Por que fez a opção pelos
jesuítas?
Não fui eu que escolhi ser
jesuíta, como estivesse diante de uma série de congregações religiosas e
optasse por ser jesuíta. Aquele encontro, a que me referi, levou-me a estudar e
a viver num colégio interno vocacional dos jesuítas. E aos poucos fui
conhecendo teórica e praticamente quem eles eram e fui continuando com eles e
depois entrando na Ordem até tornar-me hoje um veterano. Os longos anos de
jesuíta e o amplo contacto que tive com a Ordem, em muitas partes do mundo, com
suas enormes diferenças, sempre me confirmaram na simplicidade e naturalidade
de minha vocação.
4. Quem foram seus grandes
mestres na sua vida de padre e teólogo?
Temos dois tipos de mestres. Os
da vida e os dos livros. Na vida, tive no meu pai, de maneira inconsciente e
primária, o primeiro mestre. Coincidentemente os inícios na língua latina tive
com ele. Quando eu estava ainda no curso primário aconteceu a reforma de ensino
no Brasil e o Latim foi introduzido. Minha irmã devia já começar a estudá-lo e
recebia de meu pai pequeno reforço. Aproveite-me dele e comecei a balbuciar as
primeiras palavras latinas. Parece que eu tinha alguma facilidade e meu pai
numa hora de espanto e gozação - ele era muito gozador, herança comum dos
filhos - disse-me: você será um bom padre. Nada tinha que haver com vocação,
mas com o estereótipo que liga padre e latim. Mas a vida o levou cedo e fiquei
sem este primeiro mestre. Passando toda a minha vida de formação
intelectual como jesuíta foi aí que encontrei os mestres. P. Antônio
Aquino, que morreu faz alguns anos, durante longos e longos anos estabeleceu
comigo uma amizade epistolar e por ela recebi grande influência. Ele tinha
enorme talento metodológico. Meu livro “Introdução à vida intelectual”
encontrou nessa amizade seus primórdios. Do P. Aquino aprendi a
disciplina e a organização intelectual, o rigor do método, a escolha por um
campo humanístico, a importância da leitura, a necessidade de começar a
escrever cedo. Assim já durante os estudos de filosofia, com a vaidade juvenil,
vi artiguetes meus saírem numa revista canadense e depois um artigo mais
substancioso na Revista Verbum da PUC-Rio. Durante meus estudos na Europa, ele
me pedia artigos que eu lhe mandava para um revista dirigida por ele. Se hoje
não tenho inibição em escrever, muito devo a esse mestre que bem cedo me levou
a perder o medo e vencer a preguiça de escreve.Estudando teologia na Alemanha,
conheci um alemão, Franz Lennartz, colega meu mais velho e muito mais
experiente. Tinha estado no Japão como missionário. Hoje reconheço que ele me
foi mais que um amigo, um mestre. Sua marca indelével também está no meu livro
“Introdução à vida intelectual”. Abriu-me os olhos para o universo da
psicologia profunda, da personalidade, do conhecimento humano, da vida como
experiência existencial. Era todo um campo muito novo para um mineiro que ao
deixar o Brasil aos 26 anos apenas conhecia o mundo externo. Uma formação
extremamente fechada e um ano passado na Espanha, ainda mais fechado, cobrira
com o véu uma personalidade curiosa, sedenta da aprender e de abrir-se ao mundo
da verdade, da beleza, de horizontes maiores. A Alemanha, na mão desse meu
amigo, foi o palco da descoberta. Terminada a teologia, fui destinado a
fazer doutorado na Alemanha, onde terminara a licença - correspondente ao
mestrado de hoje -. A obediência jesuítica modifica-me os planos. Devendo
substituir o P. Marcello Azevedo em Roma, assumo a direção de Estudos do
Colégio Pio Brasileiro. Naquela época eram mais de 80 seminaristas brasileiros
que eu deveria orientar nas lides intelectuais. Apenas havia terminado os
estudos, sem ter feito ainda o doutorado. Lá encontrei outra pessoa
extraordinária: P. Oscar Mueller. Falar dele seria um nunca acabar. Numa
palavra, ele aprofundou em mim um traço que trouxera de meu pai, mas que a
formação tradicional daquela época quase apagara: um sentido agudo pela
liberdade pessoal e pelo respeito aos caminhos dos outros, sem escandalizar-me,
sem impor minha posição. Liberdade e respeito. K. Rahner foi meu
maior mestre teológico por meio dos livros. Conheci-o pessoalmente em palestras
em Frankfurt e em Roma durante o Concílio. Lembro-me do prazer intelectual
enorme, ao poder ler um primeiro artigo dele, em alemão, no mês de janeiro de
1960, cinco meses depois que chegara a Alemanha para estudar teologia. Daí em
diante li e ainda leio e releio textos desse pensador maravilhoso. Ensinou-me
sobretudo a integração do humano e do divino, da graça e da natureza, da
história e da escatologia.Por brevidade termino aqui.
5. Fale de sua amizade com o
padre Vaz, que faleceu recentemente
Como v. tinha feito esta pergunta
especial sobre o P. Vaz não o mencionei na pergunta anterior. O P.
Vaz é o pensador que mais cito em meus escritos. Falar dele seria interminável.
Na década de 50 foi o mestre jovem. Inteligente, extremamente atualizado me
seduziu imediatamente. Dentro das estruturas rígidas de então, ele logo
tornou-se, pela abertura de suas idéias, suspeito diante de
inteligências extremamente conservadoras que ocupavam cargos de formação na
Igreja e Companhia. Mas, ao mesmo tempo, causava-nos uma atração irresistível.
Tenho até hoje um cadernetinha de 1953, onde anotei os livros que ele me
aconselhava a ler. Entramos os dois na biblioteca dos professores, onde estavam
os melhores livros, mas a que não tínhamos acesso. Ele percorreu comigo as
estantes e ia, como mestre, apontando para seu discípulo os livros importantes
com rápido comentário e eu com a avidez jovem os anotava sagradamente. Já tinha
um roteiro para a vida de estudo.Depois de minha volta da Europa, em 1969,
morei sempre na mesma comunidade dele, exceto alguns poucos anos no Rio. A
amizade que nos uniu toda a vida não tirou momentos de tensão no campo da
discussão das idéias. Ele tinha muitas críticas, sérias e profundas à teologia
da libertação, de cujo grupo fazia e faço parte. Ele me respeitava muito, mas a
sua honestidade intelectual interpelava, e sempre com justeza, os fundamentos
do meu pensar. Esse convívio foi extremamente importante para meu
desenvolvimento intelectual. O mundo das idéias enchia nossas conversas. Longas
e múltiplas. Sempre o considerei meu mestre maior no campo da inteligência e
amigo-irmão extremamente querido. Nunca lhe escondi minha enorme admiração. Ele
ficava bravo comigo porque lhe dizia na sinceridade e espontaneidade elogios
que ninguém tinha coragem de dirigir-lhe. Na sua modéstia me achava exagerado.
Mas era a pura verdade. Nunca em minha vida, em país nenhum, encontrei uma
inteligência mais completa que a dele, desde a profundidade até a singeleza e
clareza na exposição.
6. Por que a opção pela Teologia
da Libertação?
Opção pela teologia da libertação
foi um desabrochar de toda uma vida. Sempre tive uma atitude crítica. Não o era
mais por ignorância. Nos primeiros contactos com o P. Vaz aprendi a ter
abertura crítica diante da realidade social e eclesial. Estava na Europa quando
do golpe militar. À distância formei-me logo uma postura crítica fundamental
diante da situação sócio-política. Nunca tive a ilusão de que “Deus salvara o
Brasil do comunismo” nem que o maior perigo da América Latina era a infiltração
comunista. Chegando ao Brasil, pertenci a um grupo de reflexão teológica que
meu primo Frei Betto e os outros dominicanos tinham arquitetado na
prisão e implementaram depois de sua saída. Nele estavam, além dos dominicanos
recém saídos da prisão, Frei Leonardo, Frei Mesters, Pedro R. de Oliveira,
Luiz Alberto, Jether Pereira, J. O. Beozzo e tantos outros. Juntos
construímos um pensar teológico na linha da libertação. Evidentemente também me
nutrimos dos teólogos que já estavam na arena com suas teses da libertação: Gutiérrez,
Assmann, Comblin e outros. Enfim é uma opção que se foi construindo,
aprofundando e ampliando horizontes.
7. O que o leva a ficar tão
antenado com o dia-a-dia da sociedade, a política e a cultura como podemos
observar em sua coluna "O Olhar do Teólogo", no JO?
Pertenço a uma tradição
espiritual que tem uma experiência fundante: discernimento espiritual. Alguns
jesuítas ficam principalmente no campo das moções interiores das pessoas, como
Santo Inácio nos ensina nos Exercícios Espirituais. E o fazem bem. Dentro do
círculo de teólogos da libertação, que freqüentava, pensei esta estrutura para
os acontecimentos sócio-políticos. No livro “Discernimento e Política” estão as
intuições fundamentais que me criaram essa atitude permanente de discernir os
movimentos internos da realidade social e buscar desmascará-los. Buscava
penetrar os jogos ideológicos, conhecer os engodos dos discursos. Trabalho mais
com a dialética do sim e não em vez do sim ou não. Habituei meu olhar para
captar na ambigüidade da realidade as tendências do sim e do não.
8. Qual sua impressão do
povo e dos políticos brasileiros?
Povo é realidade-raiz, mas não
mito. Realidade a que nos remetemos. E nela encontramos um espelho do que somos
nas suas riquezas e limites. Não é mito que se diviniza e se desistoriciza.
Isto significa passear entre os extremos de uma elite que se separa dele e o
despreza, e uma esquerda ingênua que o canoniza e absolutiza. Povo implica
compromisso, opção por suas riquezas e consciência de seus limites. Os
políticos são pessoas que caem sob dois tipos de juízo. Há um nível
estritamente pessoal que só indiretamente interessa ao eleitor. Por ele
respondem diante de sua consciência e de Deus. É somente quando essa vida
pessoal tem influência direta sobre o agir político que nos toca conhecer e
levar em consideração tais aspectos. Certamente vale do político o que sabemos
das pessoas humanas. Há as de todas gamas espirituais, desde pessoas
extremamente virtuosas e dedicadas até salafrários federais. Nem sempre na
mesma proporção. Mais importante é seu agir na política. Aí as
filiações partidárias são significativas. O fato de o político escolher e viver
num partido fisiologista, camaleão do poder, já o desacredita muito diante de
nossos olhos. Há partidos no Brasil, cuja atuação normal, é vergonhosa. Suas
opções diretamente contra os interesses daqueles que sustentam o próprio
partido desacreditam os políticos, além de condutas pessoais e individuais. Era
sabido que durante o regime militar o partido que o apoiava se alimentava
precisamente dos votos das regiões mais pobres e atrasadas do país. Isso
desabona a política e os políticos.
9. Quais os principais desafios
da Igreja Católica nesse início do século XXI?
A Igreja terá os desafios
que a própria humanidade enfrentará. Resumem-se numa palavra: sua sobrevivência
diante da insânia incompreensível de uma razão enlouquecida pela ganância e
pelo poder, além de surtos fanáticos. A ameaça mais grave contra essa
sobrevivência é a violência em todas as suas formas. Ela está a destruir o
cosmos, a convivência entre as pessoas até o seu mais íntimo. Sobressaem entre
todas as guerras e guerrilhas, alimentadas principalmente pela indústria
armamentista e pelo comércio da droga. A cruzada pela paz divisa-se-me como a
maior tarefa da Igreja. Luta incansável para desarmar radicalmente o mundo,
para desmontar toda indústria de armas e encontrar um caminho inteligente para
o problema do comércio e consumo da droga. A violência exerce-se também em
relação à natureza. Estão aí os movimentos ecológicos, despertando-nos a
consciência. Cabe à Igreja assumir, com todas as suas possibilidades, essa
causa.Para não estender-me demais cito mais um desafio maior. O diálogo
inter-religioso e ecumênico. Implica por parte da Igreja uma liberdade que está
longe de ser-lhe possível por estar ainda muito amarrada ao direito romano. Se
João Paulo II reconhecia no ministério petrino um impedimento para o
ecumenismo, é-nos permitido pensar que na raiz desse ministério está uma
concepção jurídico-canônica que engessa a Igreja. Só uma leveza de um Espírito
que sopra onde quer e como quer tem força de fazer deslanchar um processo de
abertura ecumênica e de diálogo inter-religioso de amplitude tal que todas as
religiões comunguem numa única direção da construção da paz, da convivência
humana entre os povos.
10. Como consegue conciliar a
vida de pároco, professor, escritor e palestrante?
Penso na semelhança com um
professor de medicina que exerce sua profissão. Na sala de aula e no
consultório ou no hospital é o mesmo médico que elabora e pratica sua medicina.
Assim com a teologia. O professor comunica seu saber teológico. O conferencista
amplia seu raio de comunicação. O escritor formula para si e para outros nas
letras pensadas seu saber. Na pesquisa penetra o mundo desse saber. Na pastoral
confronta esses conhecimentos com a realidade. Recebe inspiração e corretivos.
Motiva-se e anima-se. O ser humano é essa complexidade que não produz
contradição, antes permite integração. Para conciliarem-se as diferentes
facetas, requer-se, sim, uma dose de disciplina de vida. Os meus alunos estão
cansados de ouvir uma frasezinha que repito: “O que não está no horário, não
existe”. O horário, o plano de vida é o nosso tabuleiro. A questão é dispor aí
as peças segundo as prioridades que vão sendo discernidas ao longo de nossa
vida. Encontrando uma posição de equilíbrio, conseguimos enriquecer-nos de
todas as atividades sem que uma anule a outra.
Fonte: http://www.jblibanio.com.br
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