Judeus mortos fora dos campos de extermínio não têm recebido atenção de historiadores – Por Alison Smale
Olhando para fora da principal
torre de vigilância que se eleva sobre o sombrio deserto de chaminés e
crematórios em ruínas, alojamentos de prisioneiros destruídos, arames farpados
e valas comuns de Birkenau, é difícil imaginar que tenham existido locais
dentro do reino nazista onde, coletivamente, ocorreram mais mortes do que nos
campos de extermínio nazistas.
Na segunda-feira passada (27/01) foi
comemorado o 69º aniversário do dia em que as forças soviéticas libertaram
Auschwitz, que ficou conhecido como Dia Internacional em Memória das Vítimas do
Holocausto.
No entanto, um terço ou mais dos quase 6 milhões de judeus mortos
durante o holocausto não morreram nos campos de concentração, responsáveis por
assassinatos em escala industrial, mas sim devido a execuções em pontos que os
historiadores chamam de locais da morte: milhares de aldeias, pedreiras,
florestas, poços, ruas e residências espalhados por toda a extensão do Leste
Europeu.
O grande número de mortos
registrados no que alguns apelidaram de "holocausto a bala"
gradativamente tem recebido mais atenção nos últimos anos, enquanto os
historiadores vasculham registros muitas vezes incompletos e imprecisos que
foram disponibilizados após o colapso da União Soviética.
"As pessoas se sentaram e
somaram os números", disse David Silberklang, historiador sênior do
Instituto Internacional de Pesquisa sobre o Holocausto de Yad Vashem, o
memorial oficial do holocausto de Israel.
À medida que o número de
sobreviventes do holocausto declina gradativamente, esses documentos ou relatos
de testemunhas, de Belarus, da Ucrânia, de regiões da Rússia e também dos
países Bálticos, iluminaram e trouxeram à tona uma nova imagem relacionada aos
métodos nazistas de assassinato.
A maior parte desses assassinatos
ocorreu na Europa Oriental, após os nazistas terem invadido a União Soviética,
em junho de 1941, e se misturaram ao crescente caos da guerra, depois de os
alemães terem fracassado em concretizar sua ambição de dominar os soviéticos no
exíguo período de apenas oito a 12 semanas e estarem enfrentando a perspectiva
da derrota.
"Quanto mais para leste a
Wehrmacht (as forças armadas alemãs) se deslocava, maior a matança", disse
Dieter Pohl, professor de história da Universidade de Klagenfurt, na Áustria,
durante uma conferência sobre o tema realizada este mês em Cracóvia, na
Polônia. As execuções e valas comuns sem identificação tornaram-se "um
elemento do domínio alemão na Europa Oriental".
Um homem que vem buscando
testemunhos há 12 anos é o reverendo Patrick Desbois, um padre católico
apostólico romano francês que se envolveu nessa questão após descobrir
Rava-Ruska, localidade ucraniana onde ficava um campo de prisioneiros para
soldados franceses durante a Segunda Guerra Mundial e onde seu avô foi paterno
foi mantido, por acaso.
Desbois, o único de sua família
curioso o suficiente para fazer seu avô discutir suas memórias, atualmente
emprega 23 funcionários em tempo integral em Paris. Essas pessoas cruzam o
antigo território soviético entrevistando testemunhas, 90% das quais nunca
contaram sua história para ninguém, disse ele.
Os assassinatos eram, "em
grande medida, mantidos em segredo dos países ocidentais", disse ele.
"Mas, em um vilarejo, eles eram mais do que públicos". Desbois já trabalhou com o Comitê
Judaico Norte-americano em cinco localidades da Ucrânia e de Belarus para
limpá-las, detectar seus parâmetros e marcá-las.
Uma dificuldade, segundo Deidre
Berger, a chefe do comitê em Berlim, é que a tradição judaica proíbe exumações.
Revelar "uma tragédia de
grandes proporções que tem sido muito pouco estudada", é um trabalho muito
cansativo e meticuloso, disse Berger na conferência de Cracóvia. No entanto,
observou ela, esse trabalho é de grande importância, uma vez que "mais
judeus foram mortos por disparos de armas de fogo na Ucrânia", cerca de
1,5 milhão, "do que assassinados nos crematórios de Auschwitz".
Definir o que constitui um local
de assassinatos, como preservá-lo e para quem preservá-lo são algumas das
muitas questões que a conferência de Cracóvia, convocada pela Aliança
Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, que reúne 31 países, teve
como missão responder.
Berger disse que "o objetivo
é fazer com que os jovens se responsabilizem por sua história".
Acima de tudo, segundo os
participantes da conferência, é necessário agir rapidamente antes que os
sobreviventes morram. A busca por precisão também é fundamental, uma vez que,
durante a era soviética, os vários locais cuja memória foi mantida eram
homenageados apenas para lembrar o espírito da doutrina comunista, com pouca ou
nenhuma referência às vítimas como sendo judeus nem consideração pela exata
localização das execuções.
Muitas vezes, segundo Berger,
"o que nós pensávamos que eram fatos não são fatos de jeito nenhum".
"Nós precisamos antecipar o
amanhã", acrescentou Desbois, fazendo referência ao ainda poderoso
antissemitismo e à negação do holocausto, "quando as pessoas vão começar a
dizer: 'não, não aconteceu nada aqui'".
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