Cadê as universidades católicas? – Por José Lisboa Moreira de Oliveira

O papa Francisco em sua exortação apostólica Evangelii Gaudium (EG) destacou a importância e o lugar da universidade católica na concretização do anúncio da alegria da Boa-Notícia. 

Em diversos momentos o papa acena para a responsabilidade desta instituição eclesial. Após denunciar a "economia da exclusão” (EG, 53), o livre mercado que globaliza a indiferença (EG, 54), a idolatria do dinheiro que nega a primazia do ser humano e a dimensão social dos bens e das propriedades (EG, 55-56), a desprezo sarcástico da ética (EG, 57-58), a desigualdade social como raiz da violência (EG, 59-60), o papa Francisco afirma a importância das universidades católicas como espaço de busca de solução para essas situações (EG, 65).

Segundo a exortação papal, a universidade católica deve ser capaz de gerar credibilidade e criar predisposições para a acolhida do Evangelho nos ambientes acadêmicos, marcados pelas categorias da razão e das ciências. Ela não deve ser mais uma instituição de ensino superior presente no mercado, mas instrumento de evangelização (EG, 132). 

A escola católica existe para pensar e desenvolver a evangelização de forma interdisciplinar e inclusiva. Existe para integrar a tarefa educacional com o anúncio explícito do Evangelho, buscando caminhos adequados de maneira criativa (EG, 134). Se não perseguir esta finalidade perderá seu sentido.

Isso está em perfeita sintonia com aquilo que a Igreja Católica Romana afirma em seus documentos. Na concepção dos textos oficiais, a universidade católica não existe para estar a serviço das classes dominantes, oferecendo às elites, aos que podem pagar caro, uma escola superior de qualidade, de modo que os filhos e as filhas dos ricos possam ter um diploma para entrar competitivamente no mercado de trabalho, continuando a massacrar os mais pobres, aqueles que não dispondo de recursos ficam excluídos desta oportunidade. De acordo com o ensinamento mais tradicional, a universidade católica deve ser um espaço de evangelização.

E a evangelização é, segundo os Evangelhos, o anúncio de uma boa notícia aos pobres, incluindo ações concretas de libertação e de promoção da dignidade humana (Lc 4,18-19). 

Nos Evangelhos, particularmente em Lucas e em Mateus, o anúncio da Boa-Notícia significa proclamar aos pobres, oprimidos e excluídos que nos tempos messiânicos eles terão plenos direitos e as mesmas oportunidades dos demais. Anunciar a Boa-Notícia significa agir para que não haja mais pessoas ou grupos excluídos, maltratados e marginalizados. 

Significa pensar e desenvolver ações concretas que promovam a inclusão social e despertem a consciência crítica; façam as pessoas enxergar a realidade e se tornarem sujeitos e protagonistas da própria história. 

O cristianismo, desde as suas origens, acredita que na pessoa e nas ações de Jesus os tempos messiânicos se cumpriram. Por isso, quando questionado pelos discípulos de João se ele era realmente o Messias, Jesus apresenta, entre os sinais e provas de sua messianidade, o anúncio da boa notícia da libertação aos pobres (Mt 11,2-6).

Na Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae (1990), sobre a missão das universidades católicas, João Paulo II não deixou nenhuma dúvida. As universidades católicas existem para ser um espaço de evangelização no âmbito das ciências. Mesmo respeitando a autonomia da ciência e da razão, deve-se cuidar para que a universidade católica não perca a sua característica de instância evangelizadora. Para tanto deve se esforçar, entre outras coisas, para tornar o ensino superior acessível a todos, de modo particular aos pobres e às minorias, tradicionalmente privados deste direito (nº 33).

Porém, para cumprir fielmente essa missão, a universidade católica precisa orientar-se de maneira permanente pelos princípios da ética cristã. Isso comporta uma série de cuidados e de ações. 

A seleção criteriosa de professores e funcionários, a presença constante de temas sociais nas suas pesquisas e estudos, a efetiva contribuição para a formação da consciência crítica e cidadã não só dos que integram a comunidade universitária, mas também da sociedade em geral, o posicionamento firme e decidido em favor da vida, da justiça, da dignidade humana e assim por diante. 

Mas, além disso, é indispensável que o ambiente humano da própria universidade católica seja saudável, eticamente limpo e transparente. As relações devem ser humanas, o cuidado com as pessoas deve ocupar o primeiro lugar, de modo que não seja a negação daquilo que se propõe. Professores, funcionários e alunos devem ser tratados dignamente e não apenas como peça de uma engrenagem, que deve funcionar de qualquer jeito custe o que custar.

Vejo com bastante preocupação essa missão da universidade católica e até chego a duvidar da sua real contribuição para a tarefa da evangelização, como quer o papa Francisco. Infelizmente, no caso do Brasil, a educação se tornou uma mercadoria lucrativa bastante disputada por verdadeiras empresas que agem inescrupulosamente, sem ética e sem responsabilidade. Diante desse quadro, as universidades católicas caem na tentação de seguir a lógica mercantilista. 

Como já denunciava tempos atrás o cientista Régis de Morais no seu livro: Um abominável mundo novo? O ensino superior atual (São Paulo, Paulus, 2011), essas universidades contratam empresas de consultoria que vão lhes ensinar como competir com um mercado sem ética e cruel. E quase sempre as consultorias apontam, como única alternativa, a lógica do mercado e as universidades católicas terminam por seguir à risca as regras mercadológicas. Com isso passam por cima de valores elementares do cristianismo, como a justiça, a fraternidade, a dignidade da pessoa humana. 

Para gastar menos e ter condições de competir com as concorrentes, não têm escrúpulos de tomar medidas pouco evangélicas, como, por exemplo, a diminuição ou congelamento do salário de professores e funcionários, a aumento da carga de trabalho para os mesmos, a precarização dos serviços, a degradação dos espaços e assim por diante.

Fatos recentes de racismo, preconceito e discriminação, anunciados pela mídia e envolvendo professores de universidades católicas, denunciam a falta de uma política séria de seleção. 

Tempos atrás uma universidade confessional católica fez uma pesquisa e concluiu que os que encabeçaram o golpe que em 1964 instaurou a ditadura no Brasil, além de muitos de seus agentes, incluindo torturadores, passaram antes por escolas católicas. 

Palmério Dória no seu livro: O príncipe da privataria (São Paulo, Geração, 2013) revela os nomes e sobrenomes dos cérebros pensantes da privatização e da depredação do patrimônio público durante o governo do PSDB. Eram professores de uma importe universidade católica brasileira, e conhecidos pelo codinome de "os economistas da PUC”.

Tenho conhecimento de que para diminuir gastos e "enxugar” suas instituições, as universidades católicas estão reduzindo não só as pesquisas, mas também as ações sociais, aqueles projetos mais voltados para a promoção da dignidade humana e para a educação da cidadania. 

Em algumas delas a área da extensão, que deveria viabilizar, inclusive financeiramente, tais projetos e ações, passou a existir só no papel e isso porque a constituição federal do Brasil coloca isso como condição para que uma instituição de ensino superior seja reconhecida como universidade. Isso fere os princípios mais elementares da identidade "católica” e "cristã” de tais instituições. Para permanecerem "católicas” e "cristãs”, e realmente servirem à causa da evangelização, as universidades deveriam encontrar maneiras concretas de sair da crise, mas sem destruir o núcleo essencial de sua identidade.

Nota-se, em algumas universidades católicas, certo despreparo dos seus quadros dirigentes, os quais parecem desconhecer por completo as indicações dos documentos da Igreja sobre a missão da universidade. Não se trata de nomear para esses quadros pessoas carolas, "comedoras cotidianas de hóstia”, mas professores e cientistas realmente comprometidos com os valores éticos anunciados pela doutrina social da Igreja. 

E para tanto não precisamos de certos "beatos” e "babões”, bajuladores de autoridades eclesiásticas e políticas, mas pessoas comprometidas com a justiça, o bem-comum e demais valores humanos e cristãos. E muitos professores ateus, irreligiosos, podem fazer isso melhor do que certos católicos e certos frequentadores de templos e de missas.

Um âmbito significativo para ajudar a universidade católica a ser espaço evangelizador seria a pastoral universitária. João Paulo II diz, na constituição apostólica citada anteriormente, que tal pastoral deve não só oferecer serviços litúrgicos, mas também ajudar a comunidade universitária a encarnar a fé na vida cotidiana, de modo particular as pessoas cristãs que dela participam (nº 39). E encarnar a fé significa também, segundo o papa, exortar professores e alunos a serem mais sensíveis aos sofrimentos das pessoas, particularmente os pobres e aqueles que sofrem injustiça no campo econômico, social, cultural e religioso (nº 40).

Existem universidades onde a pastoral universitária está presente e com esse olhar encarnado. Mas, lamentavelmente, em boa parte delas a pastoral se reduz a um precário serviço litúrgico aos católicos. 

É hora das universidades católicas reverem sua missão à luz do que disse o papa Francisco. É hora de usar de criatividade e buscar alternativas para sair do impasse (EG, 134), a fim de que possam continua sendo universidades católicas e não meras empresas que vendem uma mercadoria chamada "educação”.





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