ONU exige que Vaticano entregue à Justiça suspeitos de abusos sexuais contra crianças – Por Jamil Chade
Numa iniciativa sem precedentes,
a ONU exige que o Vaticano afaste e entregue para a Justiça todos os padres e
funcionários da Santa Sé que sejam suspeitos de terem cometido abusos sexuais
contra crianças.
O alerta faz parte de um duro informe publicado hoje pela ONU,
depois de examinar as políticas do Vaticano sobre a proteção aos menores e que
acusa de forma direta a Santa Sé de violações aos tratados internacionais de
direitos humanos. Segundo a entidade, “dezenas de milhares de crianças” foram
vítimas de abusos sexuais pelo clero.
A ONU não mediu suas palavras na
denúncia e alerta que a Igreja está mais preocupada em proteger sua reputação
que garantir a proteção às crianças. “A Santa Sé tem de forma consistente
colocado a preservação da reputação da Igreja e a proteção dos envolvidos nos
crimes acima dos interesses das crianças”, denunciou.
Há menos de um mês, o Vaticano
foi convocado para uma sabatina na ONU para explicar o que tem feito para
proteger as crianças. O papa Francisco chegou a classificar os problemas de
serem uma “vergonha” para a Igreja. Mas a ONU quer mais que apenas palavras.
Hoje, o informe representa o resultado do exame e, de uma maneira categórica,
condena a Igreja por suas atitudes.
Entre as recomendações, a
entidade pede a “remoção imediata de todos os suspeitos de terem promovido
abusos sexuais de seus postos e que os casos sejam levados às autoridades
policiais competentes para que sejam investigados”.
“Pessoas que cometeram abusos
sexuais contra crianças foram transferidos de paróquias ou para outros países como
forma de encobrir os crimes”, atacou a ONU. Segundo a entidade, essa prática
permite que padres “continuem em contato com crianças e que continuem a abusar
delas”. Para a ONU, isso coloca em risco milhares de menores.
Silêncio
A ONU também acusa o Vaticano de
ter se recusado a informar à entidade a quantidade de casos que conhece de
abusos sexuais. Hoje, a entidade exige da Santa Sé que a “real dimensão” do
problema seja tornado público. “Estamos profundamente preocupados”, alerta a
ONU em seu informe.
Se a entidade cita “dezenas de
milhares de casos” em todo o mundo, o informe soa o “grave alerta” diante da
recusa do Vaticano em “reconhecer a extensão dos crimes cometidos e de não
tomar medidas necessærias para lidar com os abusos”. Para a ONU, esse comportamento
permitiu a “continuação dos abusos e a impunidade entre os autores dos crimes”.
Segundo a ONU, “diante de um
código de silêncio imposto sobre todo o clero, casos de abusos contra crianças
raramente foram informados às autoridades policiais nos países onde esses
crimes ocorreram”.
“Ao contrário, casos de freiras e padres afastados ou
demitidos por não terem respeitado a obrigação do silêncio foram informados à
ONU, assim como o caso de padres que foram felicitados por se recusar a
denunciar criminosos”.
“Em muitos casos, as autoridades
da Igreja, incluindo altas esferas da Santa Sé, mostraram relutância e se
recusaram a cooperar com as autoridades judiciais”, denunciou a ONU.
O Vaticano alertou que não tem jurisdição sobre seus padres, já que eles são cidadãos de outros países e devem responder à Justiça local. Mas a ONU alerta que, justamente pelas leis canônicas, os sacerdotes devem jurar obediência ao papa.
A ONU ainda alerta à Santa Sé que, ao assinar os tratados internacionais,
o Vaticano “se comprometeu em implementar as convenções não apenas no
território da Santa Sé, mas também como o poder supremo da Igreja Católica
sobre indivíduos e instituições sob sua autoridade”.
A entidade pede que os arquivos
de todos os casos conhecidos em Roma sejam compartilhados e que os crimes sejam
publicados.
Leis
Para a ONU, o Vaticano precisa
ainda reformar suas leis canônicas que simplesmente não respeitam os tratados
internacionais de direitos humanos. Nelas, o abuso sexual é apenas um “delito
contra a moral”.
Na avaliação dos peritos da ONU, elas precisam ser
consideradas como crime. A entidade também pede que a Santa Sé reforme a lei
que impõe a obrigação do silêncio sobre as vítimas.
“Os casos de abusos sexuais,
quando lidados, tem sido considerados como graves delitos contra a moral por
meio de processos confidenciais que resultaram em medidas disciplinares que
permitiram à maioria dos criminosos escapar dos processos judiciais nos estados
onde os crimes foram cometidos”, alertou a ONU.
Brasil
Na denúncia feita pelas Nações
Unidas sobre o comportamento do Vaticano em relação às crianças, a entidade
ainda usa como exemplo a decisão da Igreja de excomungar uma garota de nove
anos no Brasil que, em 2009, havia feito um aborto depois que foi estuprada por
seu padrasto. Sua mãe e os médicos que realizaram o aborto autorizado por lei
também foram punidos pela Igreja.
O então arcebispo de Olinda e
Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, declarou que as pessoas envolvidas no aborto
da menina em Pernambuco cometeram uma penalidade eclesiástica e que seriam
punidos com a excomunhão, a penalidade máxima prevista pela Igreja Católica.
O
então presidente da Comissão Pontifícia para a América Latina, cardeal Giovanni
Battista Re, defendeu a excomunhão, mesmo que a interrupção da gravidez tenha
sido um ato legal.
Hoje, a ONU condenou a atitude e
afirmou estar “profundamente preocupada com o caso”. Diante do fato, a ONU
“apela à Santa Sé para que reveja sua posição sobre o aborto que represente
riscos óbvios para a vida e saúde de garotas e que reforme o Canon 1298
relacionado com o abordo tendo em vista as circunstâncias sob as quais o acesso
aos serviços ao aborto possam ser permitidas”.
A ONU está “seriamente preocupada
sobre as consequências negativas da posição da Santa Sé e práticas de negar às
adolescentes o acesso a métodos de contracepção, assim como informação sexual e
sobre saúde reprodutiva”.
Fonte: http://blogs.estadao.com.br
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