Os caminhos do Islã no Brasil – Por Rodrigo Cardoso
Aumento no número de mesquitas no
País, de sheiks que agora falam português e de brasileiros no topo da
hierarquia de centros islâmicos explica a expansão dos muçulmanos no Brasil.
Quando decidiu se aproximar da
cultura islâmica, o soteropolitano Wilton José de Carvalho não poderia imaginar
que ganharia um lugar de destaque entre os seguidores brasileiros do profeta
Maomé, cerca de 1,5 milhão. Católico praticante, Carvalho foi apresentado ao
islã por um amigo em 1990.
Desde então, já como Yussuf, ele, o amigo, outros
quatro brasileiros e três africanos passaram a se reunir e fazer orações em uma
pequena sala alugada, no centro de Salvador, em uma rua de nome sugestivo:
Mesquita. Quatro anos depois, o grupo se mudou para um imóvel comercial
arrematado por um árabe. Nascia o Centro Cultural Islâmico da Bahia, em 1994.
Na instituição, o baiano foi diretor patrimonial, passou pela vice-presidência
e é, desde 2010, o primeiro brasileiro a comandá-la. Histórias como a de Yussuf
revelam uma transformação pela qual o islã vem passando no Brasil.
Especialistas tratam como fenômeno religioso o fato de cada vez mais
brasileiros ascenderem ao topo da hierarquia de entidades muçulmanas.
“Em algumas
cidades, como Salvador e Recife, centros islâmicos que historicamente eram
presididos por muçulmanos de origem árabe hoje têm brasileiros ocupando o
posto”, afirma o sheik sírio Jihad Hassan Hammadeh, que preside o conselho de
ética da União Nacional Islâmica (Uni).
Yussuf, 53 anos, foi eleito presidente em substituição a um egípcio, que ocupou o cargo por oito anos. Supervisor da área de telecomunicações, o soteropolitano enverga a veste islâmica Jalabia para posar para ISTOÉ e conta que dá expediente na entidade de forma voluntária das 9 horas às 18 horas, quando necessário. O muçulmano hoje trabalha para erguer a primeira mesquita da Bahia.
“Abriremos uma conta em um banco para receber doações. Temos um terreno de mil
metros quadrados em vista”, diz. “Eu não poderia chegar à presidência se não
houvesse uma expansão do islã em curso propiciada por muçulmanos revertidos
brasileiros.”
Para os adeptos do islã, todos nascem muçulmanos e o retorno a
Deus dos que se afastam é chamado de reversão e não conversão, que, para eles,
seria o ato de migrar de denominação religiosa. Yussuf tem razão. Em
aproximadamente dez anos, o número de mesquitas, de acordo com a Uni, saltou de
70 para 115. Nesse mesmo intervalo, triplicou a quantidade de sheiks que falam
português. Não para por aí. Os brasileiros não só ascenderam ao topo da
hierarquia de instituições já estabelecidas como têm erguido novos espaços
religiosos.
“No Nordeste, entidades islâmicas estão sendo criadas por
brasileiros cuja adesão à religião não vem de berço”, afirma o antropólogo
Paulo Hilu, que dirige o Núcleo de Estudos do Oriente Médio da Universidade
Federal Fluminense (UFF). O islã, religião que aportou no Brasil pelas mãos de
mouriscos (muçulmanos convertidos ao cristianismo) de Portugal no século XVI,
vem deixando de ser uma incógnita na cabeça do brasileiro porque o terreno para
seu crescimento nunca esteve tão fértil. “Há 94 instituições islâmicas aqui,
hoje. Em 2002, havia 58 e, em 1983, 33”, diz o pesquisador Hilu, da UFF.
Manaus, por exemplo, levantou uma
mesquita há três anos apenas. Onde não há possibilidade de erguer templos, a
comunidade dá um jeito de fazer a religião se propagar. Quatro meses atrás, o
ex-evangélico Cesar Mateus Rosalino, hoje muçulmano sob o nome de Kaab Al
Qadir, construiu uma mussala (sala de reuniões) na favela Cultura Física, em
Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, onde vive.
No local, que
ganhou o nome de mussala Rahmah, Kaab exibe uma barba comprida digna de um
muçulmano padrão e conta que recebe aproximadamente 20 pessoas em algumas
reuniões. O local já contou, inclusive, com a presença de um sheik moçambicano.
“A gente lutou para ter um espaço porque não há condições de os irmãos daqui
atravessarem a cidade, três horas de viagem, para ir à mesquita mais próxima”,
diz Kaab, que matriculou o filho em uma escola turca neste ano. Nela, o garoto
de 10 anos, batizado de Bryan Luther King, encara um intensivo sobre estudos
islâmicos. “Ele quer ser o primeiro médico muçulmano”, diz o pai, com orgulho.
A maior frequência do uso do
português no dia a dia de mesquitas, entidades islâmicas e mussalas é, para
Francirosy Ferreira, coordenadora do Grupo de Antropologia em Contextos
Islâmicos e Árabes, um dos principais fatores que impulsionam o avanço da
religião.
“Há mais líderes falando e ensinando o islã em português. Isso ajuda
no entendimento e divulgação da religião”, afirma a professora de antropologia
do departamento de psicologia social da Universidade de São Paulo (USP). O
sheik Jihad, 48 anos, que dá expediente em São Bernardo do Campo (SP), onde
está uma das maiores comunidades islâmicas do Brasil, é um dos 15 líderes
religiosos que falam fluentemente o português.
Numa sexta-feira à tarde, depois
de fazer as devidas reverências na mesquita Abu Bakr Assidik cercado por
aproximadamente 300 muçulmanos, entre homens e mulheres, crianças e idosos, ele
explicou à ISTOÉ que, antigamente, o idioma era pouco adotado porque os sheiks
desembarcavam vindos de um país islâmico já com a vontade de retornar à sua
terra natal.
“Isso não os encorajava a se dedicar ao português. Atualmente, a
aproximação ao idioma é maior porque grande parte dos que chegam ao Brasil
pretende se estabelecer aqui”, diz ele.
A realidade, hoje, aponta para
uma evolução. Há no País sete sheiks brasileiros. Dez anos atrás, havia três.
Em todos os Estados da federação há alguma mesquita, mussala, sociedade
beneficente ou cemitério islâmico.
No Rio de Janeiro, por exemplo, encontra-se
uma das comunidades pioneiras em realizar sermões em português e não em árabe, o islã praticado no Brasil, atualmente, deriva da imigração árabe do Oriente
Médio do fim do século XIX e século XX.
Essa movimentação toda pela qual passa
o islã teve como gatilho os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. A
partir de então, a mesma esteira que trouxe para cá notícias distorcidas sobre
os fundamentos islâmicos e o medo semeou nas pessoas uma grande curiosidade
sobre a religião.
Muitos foram os brasileiros que saíram da estagnação em busca
de mais informações sobre a cultura muçulmana. Foi o que ocorreu com a
socióloga carioca Karina Arroyo, que estreitou os laços com o islã após os
atentados terroristas atraírem os holofotes para a religião.
Aos 14 anos, ela optou pela
reversão, passou a frequentar uma comunidade islâmica, fez aulas de árabe e
aprendeu os ensinamentos da religião. Hoje, aos 28 anos, casada com um
muçulmano e mãe duas vezes, ela usa o hijab (o véu) pelas ruas do Rio de
Janeiro porque quer ser reconhecida como muçulmana.
“Não sou forçada a usá-lo.
A mulher percebe uma valorização feminina ao cobrir o corpo”, afirma Karina. O
uso sem receio dessa peça do vestuário muçulmano tem crescido no País, um
reflexo, segundo Francirosy, da USP, do maior conhecimento da doutrina islâmica
e da expansão da religião.
“Em 2008, cerca de 60% das mulheres usavam o véu.
Hoje, entre 90% e 95% delas o fazem”, diz a professora. “A cada dez revertidos,
sete são mulheres”, informa o sheik Jihad. “Tem gente que se reverte comigo por
telefone, por WhatsApp.”
Tais métodos são possíveis
porque, para aderir ao islã, a pessoa precisa apenas proferir três vezes a um
interlocutor: “Não há Deus senão Deus e o Profeta Muhammad é seu mensageiro.”
Pronto, eis um novo muçulmano. Daí para a frente vem a prática, como cinco
orações diárias, a caridade aos mais necessitados, o jejum no mês do Ramadã, a
peregrinação à cidade saudita de Meca pelo menos uma vez na vida, se o
muçulmano tiver condições físicas e financeiras. Mas aí é uma outra história...
Fonte: http://www.istoe.com.br
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