A igreja e o dinheiro - Por Thamyris Fernandes
Fundamental para o sustento das
religiões, dinheiro deixa, aos poucos, de ser tabu. Representantes de
instituições religiosas falam das formas de administração financeira dentro do
Cristianismo.
Não adianta negar, o capitalismo
é forte e já tomou conta de boa parte do mundo e de suas relações. Até mesmo as
igrejas, que lutaram tão veementemente contra a influência do dinheiro, já
começam a abrir mão de seus tabus. Prédios, funcionários, equipamentos e
líderes religiosos precisam ser sustentados e dependem de quantias, mesmo que
pequenas, de dinheiro para se manterem na sociedade atual.
De acordo com dados da Receita
Federal, igrejas de todo o País, católicas e evangélicas em sua maioria, arrecadam diariamente cerca de R$ 60 milhões, em média. Conforme os últimos
números levantados pelo órgão federal, com referência a 2012, os templos
brasileiros receberam mais de R$ 21 bilhões. Segundo comparação com a
arrecadação de 2011, equivalente a R$ 20,6 bilhões, a quantia nos cofres
religiosos cresceu 4,3%.
Se você está se questionando de
onde advém tanta prosperidade, a resposta é simples. Embora não tenha uma fonte
fixa e mensal de faturamento, as igrejas, independente da religião, vivem,
basicamente, de donativos. Conforme mostrou o Censo 2010 do Instituto
Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE), 56,2% de tudo que o 'setor
religioso' arrecada é proveniente de doações dos fiéis.
O dízimo é a segunda maior fonte
de renda das igrejas e representam mais de 15% das arrecadações. As demais
contribuições são provenientes de venda de bens e prestação de serviços
(13,1%), aplicação de renda fixa (1,4%), ganhos de renda variável (0,2%) e
outros recursos (13,3%).
Suporte popular
Especialista em História Religiosa
e professor do Núcleo de Estudos Avançados em Religião e Globalização da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Goiás, Eduardo Gusmão comenta que
essa forma de sustento das igrejas, doações e dízimo, é um resquício dos
primeiros anos do Cristianismo. Segundo ele, por ter começado muito pobre, as
religiões da doutrina cristã, especialmente a Católica, sobreviviam de
doações dos animais e alimentos que os fiéis criavam e plantavam. Só depois o
dinheiro começou a entrar em cena.
"Antigamente, as grandes
doações que as igrejas recebiam eram provenientes dos últimos desejos dos
fiéis. As pessoas acreditavam que na hora da morte o mal estaria à espreita
para pegar a alma dos pecadores e, na intenção de se redimirem, muitos acabavam
doando tudo ou boa parte de seus imóveis e bens materiais valiosos",
contou o professor.
Conforme Gusmão, as igrejas
recebiam ajuda até do Poder Público há alguns anos, normalmente com a doação de
terrenos que não estavam sendo usados. "Também é comum igrejas do interior
contarem com a renda de casas alugadas."
A mesma coisa, segundo o
especialista, aconteceu no começo das atividades da igreja evangélica. De
acordo com Eduardo Gusmão, a história do protestantismo é ainda mais marcada
pelos donativos dos fiéis, especialmente na forma do dízimo. "Que, no
início indicava a décima parte ou 10% do sustento das famílias e, normalmente,
era pago com produtos da colheita", explicou o pastor Weberson Cristiano
da Silva Lopes.
Tabu
Embora as religiões tenham
repudiado o dinheiro por muitos anos e pregado contra ele, evocando seu aspecto
sujo e mundano, a relação com ele está se desmistificando. De acordo com
Gusmão, ao longo dos tempos, as religiões começaram a perceber a necessidade da
moeda no sustento, principalmente nas grandes cidades.
"Com certeza o assunto não é
mais tratado como nos escritos de São Francisco, por exemplo, que tinha a visão
de que o dinheiro só traria corrupção às almas", comentou Gusmão. De
acordo com ele, há uma passagem na Bíblia, livro de Pedro, que reforçava essa
perspectiva negativa do símbolo do capitalismo dizendo que o amor ao dinheiro
seria a raiz de todos os males.
A relação com o dinheiro só
começou a ficar mais aberta quando o imperador Constantino, em 313 depois de
Cristo (d.C), assinou um decreto que permitia que cada um cultuasse seu próprio
Deus. "Nesse decreto, ele também dizia que tudo o que havia sido retirado
dos cristãos deveria ser restituído. Essa foi a primeira abertura aos bens
materiais para a igreja."
O especialista acredita que seja
por esse motivo que as igrejas tenham dificuldades em conversar abertamente
sobre o assunto. O professor diz que, por ser ligada ao bem material e por ter
um passado tão turbulento dentro do Cristianismo, a abordagem sobre o dinheiro
bate de frente com a espiritualidade que as igrejas precisam transmitir aos
fiéis.
Nova simbologia
Ainda de acordo com o
especialista em História Religiosa, Eduardo Gusmão, essa nova maneira de lidar
como dinheiro dentro das religiões também trouxe novo significado à moeda. Para
o professor, a abnegação do dinheiro perante a igreja está ligada à ideia de
sacrifício, algo feito para agradar a Deus. "Antes as pessoas dividiam a
comida da família. Hoje, no entanto, o que representa valor é a moeda",
comentou o educador.
Conforme Gusmão, há ainda a
possibilidade de interpretar o dinheiro como uma nova linguagem. Segundo ele,
quando uma pessoa que frequenta igreja e que segue uma vida regrada consegue
comprar bens materiais, carros, eletrônicos, casas, entre outros artigos da
vida moderna, ela interpreta e ostenta esse acontecimento como uma permissão
de Deus ao seu sucesso. "É também uma maneira de interpretar a benção
divina, uma forma de aprovação", conclui.
"Nós procuramos ser claros com a
forma que gastamos o dinheiro porque existe uma mudança de perfil das pessoas
que frequentam os templos, sempre mais letradas e mais atentas para a forma
como o patrimônio da igreja está sendo conduzido”. Weberson Lopes, pastor.
"O dízimo, ofertas, doações e o
que provém das festas de padroeiros são convertidos para ações sociais,
pastorais, manutenção e melhoria da Igreja e sustento básico do sacerdote no
desempenho de sua função”.
Arquidiocese de Goiânia
"Sem dúvidas o dinheiro é
essencial para a evolução. Ele, por si só, não é ruim. Nós que precisamos
procurar o equilíbrio entre o material e o espiritual”. Sirley de Souza
Nascimento, tesoureira do Centro Espírita Grupo André Luiz.
Fonte: http://www.dm.com.br
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