A Ucrânia no caminho das superpotências - Por Jeferson Miola
A potência norte-americana
financia os setores oposicionistas, a maioria deles de extrema-direita e
neonazistas. E se movimenta politicamente e diplomaticamente.
No conflito interno ucraniano, um
pesado jogo geoestratégico está em andamento. E tem a participação de
interesses e atores externos que incidem fortemente, com poder de desenhar os
contornos que podem levar finalmente a uma guerra.
Apesar do noticiário
internacional aparentar o papel externo exclusivo da União Européia [UE] no
conflito, os EUA não só tem interesse direto nos encaminhamentos para a Ucrânia,
como atua fortemente para proteger suas prioridades geoestratégicas.
Os Jogos de Inverno de Sochi
terminaram, e como isso a Rússia entrou em cena abertamente, também para
defender suas perspectivas geoestratégicas. São por demais óbvias as razões
para a Rússia desejar a Ucrânia mais próxima de si que da União
Europeia ou dos EUA: extensa fronteira física e forte identidade
étnico-cultural.
Para a Rússia, a Ucrânia tem uma
relevância singular pelo mercado de mais de 40 milhões de pessoas e pela
indústria aeronáutica e de alta tecnologia herdada da era soviética. É, além
disso, importante produtor de alimentos do mundo e, enquanto não se concluem
investimentos de trajetos alternativos, ainda é itinerário do gasoduto que
transporta o gás russo vendido à Europa.
A conveniência de relações
amistosas e cooperativas com a Rússia é, por outro lado, significativa para a
Ucrânia. Não bastasse o fornecimento de petróleo e gás a preços subsidiados da
Rússia, recebeu recentemente US$ 15 bilhões de créditos russos em condições
generosas para enfrentar suas dificuldades econômicas.
O clima de instabilidade e crise
na Ucrânia, que culminou no golpe de Estado e na deposição do Presidente eleito
Viktor Yanukovich, só em delírio pode ser associado à recusa do acordo
comercial com a UE. Outros foram os fatores indutores da crise e da
instabilidade vividas no país, cujo desfecho se conhece.
A despeito de toda pantomima
diplomática da UE na Ucrânia, é inocultável que o protagonismo decisivo no
tabuleiro pertence aos EUA. A UE é, na realidade, coadjuvante, um ator
subsidiário. A frase da Vice-Secretária de Estado Victoria Nuland, “A UE que
se foda”, em conversa telefônica [divulgada na internet] com o embaixador
norte-americano na Ucrânia [Geoffrey Pyatt], é clara evidência disso.
A potência norte-americana
financia os setores oposicionistas, a maioria deles de extrema-direita e
neonazistas. E se movimenta politicamente e diplomaticamente como parte natural
do problema. A atuação estadunidense obedece a duas lógicas: uma, econômica e
energética; e outra, doutrinária.
Empresas norte-americanas como a
Chevron e a Exxon Mobil possuem contratos de pesquisa, extração e exploração de
gás na Ucrânia. Um negócio multimilionário que confere lucros extraordinários
para as multinacionais norte-americanas de petróleo e gás, e que permitirá
reduzir a dependência ucraniana da Rússia em matéria energética e, portanto,
política.
Na seara geopolítica, presa a uma
perspectiva embolorada da guerra fria e resistindo à multipolaridade, a
doutrina norte-americana apregoa que a Rússia pretende “ressovietizar” a Europa
Oriental para voltar a ser uma superpotência imperial.
A ex-primeira dama e
ex-Secretária de Estado Hillary Clinton, em encontro com grupos de “defesa da
sociedade civil” prévio a uma reunião da ONU em Dublin em dezembro de 2012 para
tratar da guerra civil na Síria, explicitou o tal “risco” da “ressovietização”.
Ela então insinuou que o esforço
de Moscou de integração regional “vai ser chamado de união aduaneira, de União
Eurasiática ou qualquer coisa assim. Mas não devemos nos enganar. Nós sabemos
qual é o objetivo e vamos pensar em meios efetivos de freá-lo ou impedí-lo” [O
Estado de SP, 06/12/2012].
Segundo essa visão, a Ucrânia
seria peça-chave para um projeto de soerguimento do império soviético. Zbigniew
Brzezinski, que foi Secretário de Estado de Jimmy Carter [1978/1982], escreveu
em 1997 [recém 6 anos depois da dissolução da URSS]:
“A Ucrânia, novo e importante
espaço no cenário eurásico, é uma coluna geopolítica porque a sua própria existência
como país independente consente a transformação da Rússia. Sem a Ucrânia a
Rússia deixa de ser um império eurásio. A Rússia sem a Ucrânia pode ainda lutar
pela sua situação imperial, mas será apenas um império substancialmente
asiático, provavelmente enredado em conflitos deteriorantes com as nações da
Ásia Central, que seriam sustentadas pelos Estados Islâmicos, seus amigos do
Sul. […] Os Estados que merecem o maior apoio geopolítico americano são o
Azerbaijão, o Uzbequistão e (fora desta área) a Ucrânia, pois todos os três são
pilastras geopolíticas. Pode-se dizer que a Ucrânia é o Estado essencial, pois
influenciará a evolução futura da Rússia.” [Em entrevista de Maurizio Blondet].
Aos norte-americanos, portanto,
mais interessa evitar o domínio da Rússia na Ucrânia do que trazer a Ucrânia
para seu raio de controle e poder direto. Os EUA, com a crença de que é o “país
eleito por Deus para salvar o mundo” [Destino Manifesto], converteram uma tola
teologia em política de Estado.
Com essa percepção divina de si
mesma, a potência imperial interdita a construção de um mundo multipolar
baseado na paz, na democracia, no diálogo entre as nações e no respeito à
soberania e à autodeterminação dos povos. Ao contrário disso, insufla
movimentos conspirativos e participa diretamente de golpes contra governos dos
quais discorda ou contra países nos quais tem interesses econômicos ou
estratégicos.
Em termos militares, a Rússia não
precisa antes dominar a Ucrânia para se tornar superpotência com poder para
enfrentar os EUA, porque já é uma superpotência bélica e nuclear. É desejável,
para uma perspectiva de paz no mundo, que essa verdade tenha poder dissuasório
ante a loucura de guerra que pode ser desatada devido a de mais um gesto de
insensatez de Barack Obama.
Jeferson Miola é integrante
do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre
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