“A lógica de mercado está a contaminar a solidariedade”, diz Boaventura Sousa Santos – Por Nuno Sá Lourenço
Boaventura Sousa Santos
apresentou livro sobre o papel das religiões e dos religiosos no combate contra
a opressão. O debate transformou-se num embate entre as virtudes da liberdade
em oposição à comunidade.
O ponto de
partida do debate era desde logo uma provocação, até para os oradores
convidados. Ainda mais se se tivesse em conta o que o autor assumiu durante a
troca de impressões que decorreu nesta terça-feira na Fundação José Saramago.
O
livro de Boaventura Sousa Santos: Se Deus fosse um activista dos direitos
humanos juntou em Lisboa o ex-secretário-geral da CGTP e o historiador e
social-democrata Pacheco Pereira.
No livro, nas palavras do
sociólogo, dava-se nota do “retorno das teologias políticas” pelo mundo, depois
do fracasso das “gramáticas” do seculo XX, comunismo, libertação nacional, a
que haviam recorrido “os que não se conformavam com o status quo”, que
agora usavam a “arma” dos direitos humanos para combater os “opressores”.
O debate tornou-se mais vivo
devido a Pacheco Pereira que foi à Casa dos Bicos apresentar o livro na
“situação um pouco bizarra” de discordar de muitas das assunções e das
conclusões a que chegara Sousa Santos.
A maior de todas prendia-se com a
sua percepção de que o autor tendia desvalorizar a liberdade e valorizar em
demasia a comunidade. “Não troco a liberdade pela comunidade”, resumiu o
social-democrata, que mais à frente haveria de explicar a sua desconfiança em
relação à “nostalgia da aldeia”.
Sousa Santos começou por dizer
que não ia tão longe como a leitura de Pacheco Pereira poderia fazer crer.
Explicou também que o que tentara explanar no livro era o papel de religiões e
religiosos na “insurgência” contra a opressão, não vendo nenhum mal nisso. “Se
alguém chama a isso Deus qual é o problema?”. Sobre a ideia de comunidade,
lembrou que em certos países ela não desaparecera totalmente, apesar das
consequências de uma sociedade mais urbana.
E deu mesmo alguns exemplos de
como essa ideia de comunidade poderia ser benéfica para a sociedade actual.
Como quando lembrou que Portugal era o “país onde mais pais pagavam a primeira
prestação na compra da casa dos filhos”.
Pacheco Pereira também fez o
caminho da aproximação ao reconhecer as vantagens dos valores da comunidade
numa cidade. “Com a crise, uma das primeiras coisas que as pessoas deixaram de
pagar foi o condomínio. Naqueles prédios altos, suburbanos, os mais idosos
ficaram presos em casa.”
Nem mesmo com a intervenção da
pequena assistência o debate deixou de pairar por estes termos. Um arquitecto, que se assumiu não-crente, insurgiu-se contra a denuncia que Sousa Santos
fizera contra a imposição de “condições” que algumas IPSS faziam para
concederem o seu apoio, por exemplo a prostitutas.
Dando exemplos do trabalho
de algumas dessas instituições. “Se o Estado fizesse tanto como a igreja
católica, Portugal estava melhor que a Suíça”, atirou ao sociólogo.
Ainda assim, o sociólogo que
assumiu pretender “resgatar a esperança, a utopia e a rebeldia” perante as
injustiças, sempre deixou uma crítica mais velada ao Governo quando comentou a
forma como o Executivo trabalhava a solidariedade.
“Como vamos manter a coesão
social quando agora até o trabalho social tem que se chamar empreendedorismo? A
lógica de mercado está a contaminar a solidariedade”.
Fonte: http://www.publico.pt
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