Democracia e cidadania – Por Marcelo Barros

Há 50 anos do golpe militar de 1964, os meios de comunicação noticiam que, nesses dias, em São Paulo e outras cidades, grupos de direita mobilizam pessoas para uma nova 

"Marcha da Família com Deus pela liberdade”

Essa iniciativa reedita marchas que aconteceram em 1964 para apoiar o golpe ocorrido no 1º de abril. Nessas marchas, as pessoas expressam o desejo de que os militares intervenham para "salvar” o Brasil da corrupção e de outros problemas que veem na situação atual do país.

Em um regime democrático, é o direito dos cidadãos se expressarem livremente. As marchas ocorridas no dia 22 e outras que se fizeram não encontram apoio na maioria da população. É diferente de 1964 quando essas marchas, com apoio do empresariado, da classe média e mesmo da maioria do clero católico, reuniram mais de um milhão de pessoas. Hoje, poucos brasileiros apoiariam um retrocesso social e político aos tempos da ditadura.

Nesses 50 anos, o Brasil mudou. Atualmente, em todo o país, ao menos em grandes setores da sociedade, existe uma consciência clara: não é pelo autoritarismo e pela imposição que conseguiremos mudar nada para melhor. 

Todas as renovações devem ser construídas a partir das bases e com a participação cidadã de todos. Na história do mundo, nenhuma ditadura perdurou. Além de terem sido transitórias, nenhuma deixou saldo positivo. Se temos problemas a resolver, a solução deve vir dos movimentos sociais organizados e das representações do povo consciente. 

Nesse ano de 2014, os movimentos sociais começam uma campanha para colher o milhão de assinaturas necessárias para que se possa pedir a instauração de uma Assembleia Nacional Constituinte para refazer nossa Constituição e atualizar uma ampla reforma política. Essa reforma será um passo para frente e não para retroceder aos tempos da ditadura.

Naquele tempo, o fantasma do Comunismo era usado pelos agentes do império para assustar e ameaçar as pessoas menos informadas. Mesmo setores da hierarquia católica participaram daquele movimento. Hoje, os bispos não têm mais a mesma influência social que tinham naquele tempo. 

Hoje, o país é religiosamente mais plural. E a maioria dos religiosos sabe: o verdadeiro risco para o Brasil não é o socialismo e sim continuar vassalo do império que promoveu econômica e militarmente o golpe de 64 no Brasil e em diversos países do continente. É o mesmo império que, em nome da democracia, continua até agora a fomentar golpes e violências em vários países da América Latina.

As marchas que ocorrem nesses dias podem levantar a bandeira da defesa da família de classe média, isolada em si mesma e mergulhada no afã do consumismo, mas não tem como, legitimamente, usar o nome de Deus. Ele nada tem a ver com uma elite que, pelo grito ou pela força, pretenda perpetuar as desigualdades sociais.

Hoje, a maioria do povo brasileiro rememora, mas não comemora o aniversário do golpe de 64. O objetivo dessa memória dolorosa é lembrar o que o povo sofreu e evitar que aquela tragédia se repita. A Comissão da Verdade do Ministério da Justiça tem documentos sobre quase 500 pessoas desaparecidas e assassinadas pela ditadura militar daqueles anos e sobre milhares de pessoas presas e perseguidas. Durante 21 anos, o Brasil se viu despojado e mesmo proibido de ter lideranças políticas. 

Toda manifestação pública de caráter livre era reprimida. Atualmente, certos setores de direita se manifestam contra a corrupção como se ela só existisse agora. Nem se pode dizer que, atualmente, seja mais espalhada. A diferença é que agora tudo é escancarado. Podemos saber de tudo o que se passa. Na época da ditadura, a boca pequena, falava-se de desvios econômicos em obras como Itaipu, Ponte Rio Niterói e outras, mas nenhum órgão de imprensa podia noticiar. Havia boatos sobre golpes econômicos que envolviam primeiras damas, mas, todos faziam de conta que não sabiam de nada.

Quem vive a fé cristã sabe que o projeto divino é o reino de Deus, ou seja, o projeto divino de um mundo justo e de paz. Para a realização desse projeto, todos os filhos e filhas de Deus devem ser considerados cidadãos/ãs. Por isso, mesmo com falhas, a democracia é mais próxima desse projeto divino do que qualquer regime autoritário.




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