“Um pai espiritual”, define frei Betto sobre relação com dom Tomás – Por Helton Lenine
A dedicação de dom Tomás Balduíno
às causas sociais, culturais e políticas foi lembrada como um dos seus
principais legados por religiosos e amigos.
O escritor e teólogo frei Betto
definiu dom Tomás Balduíno, morto na última sexta-feira, como “um pai espiritual”
que o orientou em sua vida dominicana.
Enquanto frades, dom Tomás
Balduíno e frei Betto frequentaram, juntos, os dois encontros anuais realizados
pelos missionários em São Paulo, onde conviviam e compartilhavam experiências
não só religiosas, mas também sociais e políticas.
"Ele era um bispo muito
identificado pelos excluídos. Como frade, dedicou sua vida aos sem-terra e aos
povos indígenas, sem querer fazer destes católicos. Ele respeitava a religião
dos índios, acreditava conter ali o Evangelho. Falava a língua deles.
Inclusive, foi lhe doado, por amigos, um avião para que realizasse suas visitas
às aldeias", relembra o escritor.
"Após encerrar seu período como
bispo, aos 75 anos, dom Tomás voltou a morar no convento dos dominicanos como
um frade comum. Ele sempre foi um homem simples, da linha, aliás, do papa
Francisco."
Na esfera política, frei Betto
destaca a atuação de dom Tomás Balduíno na Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB). "Ele cobrava um posicionamento da CNBB em relação à
ditadura militar. Foi muito perseguido, sofreu ameaças", afirma.
Em nota, a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB) manifesta pesar pelo falecimento de dom Tomás
Balduíno No último sábado, os bispos participantes da 52ª Assembleia Geral dos
Bispos do Brasil celebraram, no Santuário Nacional de Aparecida (SP), missa em
intenção de dom Tomás.
No texto, o presidente da CNBB,
cardeal Raymundo Damasceno Assis (arcebispo de Aparecida-SP) ressalta a atuação
de dom Tomás.
"Este nosso irmão dedicou sua vida e ministério ao serviço
do povo de Deus e à defesa dos direitos humanos, especialmente à causa dos
pequenos agricultores e povos indígenas. Inspirado por seu lema episcopal
'Homines Capiens' (Pescador de Homens), aprendeu a língua dos índios xicrin, do
grupo bacajá e kayapó e também se tornou piloto de avião para melhor atender as
comunidades indígenas", diz a nota.
Personagem fundamental no
processo de criação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 1972, dom
Tomás Balduíno ganhou destaque no mundo religioso por sua responsabilidade
social engajada. Quem corrobora é o padre Jesus Hortal, ex-reitor da PUC-Rio.
"Era sua missão se interessar pelas questões relativas aos índios. Quando
morei em Goiânia por dois anos, atuando como subsecretário da CNBB, nos
encontrávamos com frequência. Pude perceber que, além de todas estas ações
sociais, Balduíno tinha uma bondade natural. Sempre tranquilo e disposto a
dialogar", relata.
Em nota, a Comissão Pastoral da
Terra (CPT), fundada por dom Tomás, entre outros religiosos, lembrou a
preocupação constante do frade com as causas sociais.
"Nem mesmo com a saúde
debilitada e internado no hospital, ele deixava de se preocupar com a questão
da terra e pedia, em conversas, para saber o que estava acontecendo no
mundo", diz o texto.
Membro da Coordenação Nacional da
CPT, Isolete Wichinieski destacou que dom Tomás sempre atuou em coerência com
suas causas, mantendo-se como um homem simples:
"Ele sempre foi um homem
do povo. E, acima de tudo, um homem simples. Ele não se incomodava de ficar em
um acampamento, de tomar um café com os camponeses, de ficar na casa das
pessoas, de ir para a roça e pisar na terra. São sinais que mostram a coerência
e unidade de sua luta cotidiana pela reforma agrária."
O MST divulgou um poema de Pedro
Tierra intitulado "Calou-se uma voz dos oprimidos" em homenagem ao
religioso:
"Calou-se a voz de Tomás
Balduíno,/ nessa noite de 2 de maio/ Uma voz que nunca quis ser sozinha,/
sábia, desde os anos de chumbo:/ uma voz solitária não suspende a manhã/ Quis
ser uma voz entre vozes,/ ergueu sua voz dentro do vasto coro dos oprimidos:/
os índios, os posseiros, os lavradores,/ os retirantes da seca e da cerca
(...)"
Em 1978, dom Tomás Balduíno não
só prestou depoimento ao cineasta Zelito Viana, durante as filmagens de
"Terra dos índios", como ajudou-o a formar a equipe que estrelaria na
produção.
"Ele me indicou os índios que dariam entrevistas e sugeriu
locais de gravação", comenta Viana, sobre a obra que contou ainda com
Darcy Ribeiro e Fernanda Montenegro. "Éramos muito amigos. Toda vez que
ele vinha ao Rio ficava em minha casa. Viajei muito com ele de avião Brasil
afora", lembra Zelito Viana.
"Uma vez, sobrevoando a
Amazônia, ele me perguntou "o que dá nesta terra?" O próprio
respondeu: "Nesta terra não dá nada não, só projeto", conta o
cineasta.
Para Viana, que afirma não
entender nada de índios até conhecer dom Tomás, o dominicano era um santo.
"Um homem fora do normal. Um ser humano iluminado", referenda o
cineasta, enfatizando do lado engajado do religioso.
"Estávamos em uma
aldeia Tapirapé quando ele perguntou para um dos índios quem havia dado aquele
lago à tribo. O índio disse que era Deus, e dom Tomás rebateu: "Foi Deus o
que menino, foi tapirapé com arma na mão tomando de branco". (Com
informações do jornal O Globo).
Fonte: http://www.dm.com.br
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