Igreja e Questão Agrária no início do século XXI. Um retumbante silêncio
"O pronunciamento da Igreja
sobre a questão agrária do século XXI é um reflexo da necessidade de
atualização do pensamento da Igreja sobre o assunto, já que o documento com
igual significado a respeito da questão agrária brasileira é de 1980”, avalia o
economista.
"Reatualizar a questão
agrária dos anos 1980 para hoje. Esse é
o cerne do documento intitulado: Igreja e Questão Agrária no Início do Século
XXI, apresentado pela CNBB na 52ª Assembleia Geral, em Aparecida (SP), em maio
deste ano", resume Guilherme Delgado, um dos membros da Comissão Episcopal
responsável pela redação do texto, na entrevista a seguir, concedida à IHU
On-Line por telefone.
Delgado explica que o documento oficial, recentemente
publicado, "deve ser visto como uma continuidade do documento de 1980, num
novo contexto histórico”, referindo-se ao texto produzido há mais de 30 anos,
quando a Igreja apresentava uma posição favorável à reforma agrária.
De acordo com Delgado, o
novo documento da CNBB foi aprovado por 96% dos bispos, mas "um número
razoável dos que estavam presentes não votou”.
O economista esclarece que,
apesar de o país estar em outro momento político, as questões relacionadas ao
uso e à propriedade da terra ainda não foram solucionadas.
Diante dessa
conjuntura, pontua, "a Igreja se viu na obrigação de se pronunciar em uma
perspectiva de mudança da estrutura agrária, no sentido de atender aos clamores
dos que estão excluídos das benesses do pacto de poder dominante. A ideia,
portanto, é reatualizar a questão agrária dos anos 1980 para hoje, dizer por
que a estrutura agrária de hoje é iníqua do ponto de vista ético, do
ponto de vista da doutrina social da Igreja, que tem, na função social e
ambiental da propriedade, o roteiro para que se compreenda uma verdadeira
mudança no sentido de atender aos reclamos e aos anseios dos povos da terra”.
Delgado acompanha o processo de
elaboração do documento desde 2010, quando a questão agrária foi proposta como
tema a ser retomado pela Igreja. Segundo ele, na ocasião não houve consenso
entre os bispos, e o assunto só passou a ser visto positivamente após a eleição
do Papa Francisco.
“De 2010 até agora, quando as assembleias se
pronunciaram sobre documentos que elas próprias convocaram para elaborar, há
uma mudança positiva, ou seja, melhorou a percepção e a atenção do episcopado
sobre esse assunto por várias razões”.
Do ponto de vista estritamente
eclesial, diria que a grande mudança acontece com o papado do Papa Francisco. “O
papado dele relança a questão social, o debate sobre a economia, a sociedade, a
pobreza”, assinala. E acrescenta:
"Pessoalmente, a última exortação que
ele publicou sobre a situação da Igreja no mundo contemporâneo ajudou
enormemente a desbloquear a compreensão e a ação episcopal do sentido das
questões que já eram de longa data presentes, mas que estavam abafadas: a
questão agrária, a questão da família (que agora tem um sínodo), as questões da
colegialidade na Igreja, as questões relacionadas à própria relação da Igreja
com a modernidade, a pós-modernidade. Todos esses temas voltam com
muito mais legitimidade e percepção de que é urgente voltarmos aos temas do Concílio
Ecumênico Vaticano II que, por um bom período, ficaram desativados na
compreensão do papado”.
O documento Igreja e Questão
Agrária no Início do Século XXI foi aprovado na 52ª Assembleia Geral da
CNBB, em maio deste ano, e publicado no final de junho. Sobre o processo de
divulgação do conteúdo, Delgado é categórico:
"Eu me manifestei ao
secretário geral da CNBB dizendo que um documento como esse tem um conteúdo
pastoral e doutrinário pastoral e, portanto, político. Assim sendo, o
"timing” dele, considerando as mídias que temos hoje, é imediato, ou seja,
o texto saiu da assembleia e deveria ter sido publicado no site da CNBB, que é
uma mídia mundial. Mas a compreensão da conferência foi de que o documento só
poderia ser divulgado depois de editado em papel e publicado nos documentos
CNBB nº 101, como foi publicado recentemente. Mas veja que o tempo editorial é
outro, demora por causa de revisão e mais revisão. E, portanto, o documento demorou
quase dois meses para ser publicado”.
Guilherme Delgado é doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas, Unicamp.
Trabalhou durante 31 anos no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea.
Confira a entrevista:
IHU On-Line - Como o tema da
reforma agrária foi abordado na 52ª Assembleia Geral da CNBB? Por que a Igreja
retoma esse tema?
Guilherme Delgado – Esse
tema já vem sendo tratado pela CNBB desde 2009, e um texto sobre a questão
agrária, uma versão de estudos, foi objeto de apreciação pela Assembleia da
CNBB em 2010. Então, o pronunciamento da Igreja sobre a questão agrária do
século XXI, que é o tema do documento, é um reflexo da necessidade de
atualização do pensamento da Igreja sobre o assunto, já que o documento com
igual significado a respeito da questão agrária brasileira é de 1980, quando
essa questão da terra foi objeto de uma Assembleia de bispos também na CNBB.
IHU On-Line - Como ocorreu o
processo de elaboração do novo documento? Quem participou da formulação do
texto?
Guilherme Delgado – O texto
é objeto de uma Comissão Episcopal. Houve um texto elaborado em 2012, o qual
foi apresentado na Assembleia de 2013. Esse texto recebeu uma quantidade tão
grande de emendas, que foi impossível incorporá-las. Então, a Assembleia de
março de 2013 recomendou que uma Comissão Episcopal fosse constituída ou
reconstituída para incorporar todas aquelas recomendações, para que na
Assembleia de 2014 se fizesse uma apreciação. Então nós tivemos um ano para
fazer esse trabalho, que contou com a participação de várias pessoas, entre
elas, membros da Comissão Pastoral da Terra - CPT, das universidades, etc.
Mas basicamente a comissão era formada pela Comissão Episcopal: meia dúzia de
bispos com mais alguns leigos escolhidos, que elaboram e discutem durante certo
período um texto já apreciado em fase de reformulação.
No final do ano enviamos o texto
para os bispos, que até o mês de dezembro receberam o material, pontuaram suas
considerações, as quais foram incorporadas, e na Assembleia de março/abril
houve uma rodada de várias versões e contribuições. De forma que, neste segundo
momento, na Assembleia de 2014 o texto já chegou mais ou menos discutido e com
a maior parte das dificuldades anteriores superadas. Essas dificuldades eram
mais ligadas à linguagem, porque a linguagem dos bispos tem uma série de
conteúdos teológicos, doutrinários, que precisam ser considerados.
Mas o documento, na versão final,
foi aprovado por 96% dos bispos votantes; apenas 4% votaram contra. Tem sempre
uma minoria que é contra, que não quer mexer nesse assunto, alguns até se manifestaram
publicamente, acham que esse tipo de discussão não deve ser feito pela Igreja.
IHU On-Line - Quais bispos se
manifestaram contrários?
Guilherme Delgado – Eu não
posso falar os nomes, mas dois bispos foram ostensivamente contra, porém foram
vencidos no processo. O argumento deles era muito parecido com o do pessoal da
economia do agronegócio: "A economia do agronegócio é a salvação da pátria
e todos esses ataques são ideológicos”. Mas esse tipo de discurso não
"colou”, porque está na contramão do discurso geral da Igreja, do Papa
Francisco, e porque não é real, mas sim altamente ideológico. Uma parte dos
bispos, mesmo estando de acordo, ou não estando em contraposição, resolveu não
votar. Um número razoável dos que estavam presentes não votou, mas o documento
foi largamente aprovado por mais de 286 votos favoráveis, entre os 300 e poucos
bispos votantes.
IHU On-Line – Como o tema da
reforma agrária foi tratado na Assembleia deste ano? Há um consenso entre os
bispos em torno desse tema e do enfoque que se deve dar à questão da reforma
agrária?
Guilherme Delgado – Esses
documentos, antes de chegarem às assembleias, são objetos de um projeto
elaborado por uma comissão episcopal, por leigos que fazem um trabalho durante
todo um processo anterior. Participei de todas essas comissões desde 2009 e
posso dizer que há variações em relação à recepção do assunto pelos bispos.
De 2010 até agora, quando as
assembleias se pronunciaram sobre documentos que elas próprias convocaram para
elaborar, há uma mudança positiva, ou seja, melhorou a percepção e a atenção do
episcopado sobre esse assunto por várias razões. Do ponto de vista estritamente
eclesial, diria que a grande mudança acontece com o papado do Papa Francisco.
O papado dele relança a questão
social, o debate sobre a economia, a sociedade, a pobreza, etc. De certa forma,
o episcopado fica mais atento ao tema que, se não era desatento anteriormente,
passava um pouco ao largo. Na assembleia de 2010, por exemplo, quando se
apresentou um trabalho sobre a Igreja e a questão agrária, criou-se uma reação
muito forte de parte dos bispos de uma corrente integrista que, mesmo com
minoria, fazia um barulho muito grande. Desta vez não; houve pouquíssimas
exceções de um ou outro bispo que ficou mais desolado. Houve uma compreensão
mais forte no sentido de entender que é hora de retomar a questão agrária
brasileira, se não nos mesmos termos de 1980, porque a história muda, ao menos
com o mesmo sentido. Ou seja, temos de pensar como vemos os clamores dos povos,
da terra, da água, das florestas, dos campesinos, dos familiares de uma
perspectiva ética e profética da Igreja. Então, esse foi o sentido novo que se
alcançou na última assembleia.
IHU On-Line - Quais são as linhas
centrais do documento?
Guilherme Delgado – O cerne
do documento foi o seguinte: a estrutura agrária, o direito de propriedade,
posse e uso da terra, que foi objeto de tratamento em 1980, quando o Estado
brasileiro era governado pela segurança nacional e havia uma forte aliança com
grandes proprietários, mudou nos anos 2000 no sentido de que hoje o Estado é
democrático, é de direito, mas também tem uma aliança com grandes
proprietários, com o grande capital, com o chamado "arranjo da economia do
agronegócio”. Então, nesses dois momentos, principalmente neste último, o que
complica a situação do ponto de vista da Igreja é que os trabalhadores e os
pequenos agricultores, os campesinos, os povos indígenas, os quilombolas são
espezinhados nesse processo de estruturação de um pacto de poder com novas
políticas.
Diante dessa conjuntura, a Igreja
se viu na obrigação de se pronunciar em uma perspectiva de mudança da estrutura
agrária, no sentido de atender os clamores dos que estão excluídos das benesses
do pacto de poder dominante. A ideia, portanto, é reatualizar a questão agrária
dos anos 1980 para hoje, dizer por que a estrutura agrária atual é iníqua do
ponto de vista ético, do ponto de vista da doutrina social da Igreja, que tem,
na função social e ambiental da propriedade, o roteiro para que se compreenda
uma verdadeira mudança no sentido de atender aos reclamos e aos anseios dos
povos da terra.
A ideia da função social e
ambiental é uma ideia oriunda da doutrina social da Igreja e também é uma ideia
da Ordem Constitucional Brasileira instituída em 1988. É preciso que
esse norte seja retomado como critério para se pensar a mudança na estrutura
agrária, porque a estrutura agrária vem sendo conduzida de forma ilegal e até
ilegítima por uma estratégia tipicamente capitalista de acumulação de capital e
de dinheiro no campo.
IHU On-Line - O documento oficial
elaborado nos anos 1980 apresentava uma divisão entre terra de trabalho e terra
de negócio. O texto atual também apresenta alguma divisão? Como o documento
está dividido e que aspectos do documento anterior foram considerados?
Guilherme Delgado – Essa
dicotomia "terra de trabalho, terra de negócio”, que nos anos 1980 já era
apontada como uma contradição grave da reforma agrária brasileira, e que foi
juridicamente resolvida na Constituição de 88, de fato retorna à atual situação
brasileira, porque há um pacto de poder entre o Estado e os grandes capitais,
chamado de "pacto do agronegócio”. Essa dicotomia confere um sentido de
máxima divisão, ou seja, a terra de negócio vira praticamente o cerne da
política agrária brasileira, mas isso está em contradição com a ordem jurídica
e com a doutrina social. Portanto, alguma coisa está errada nesse processo:
está errada do ponto de vista do critério ético e está errada do ponto de vista
do critério constitucional, que não é respeitado, porque essa centralidade da
terra como bem estritamente de negócio, de especulação, de acumulação de
capital, contraria o princípio da função social e ambiental da propriedade.
Portanto, é nesse campo que o
documento se coloca e, nesse sentido, recupera o documento de 1980. Na verdade,
o atual documento deve ser visto como uma continuidade do documento de 80, num
novo contexto histórico.
IHU On-Line - Considerando o
documento oficial dos anos 1980 em relação ao elaborado neste ano, quais
avanços e retrocessos aponta no que se refere à abordagem da questão agrária?
Guilherme Delgado – No
documento atual, foram incluídos novos atores reconhecidos como merecedores de
atenção e de direitos. Entre eles, estão os povos indígenas, que já estavam no
documento anterior; os quilombolas, que não estavam no documento anterior; os
assentados de reforma agrária, que não estavam no documento anterior porque
também não tínhamos esse processo; as categorias de agricultores, pescadores,
coletores florestais, pequenos proprietários, todos são explicitamente
mencionados como públicos destinatários de uma mudança necessária na ordem
agrária brasileira e que, atualmente, são vítimas de um processo de exclusão da
terra, dos direitos de propriedade, de posse e uso da terra, ou, quando detêm
esses direitos, são marginalizados do ponto de vista da política agrícola, da
política agrária vigente.
Nesse sentido, o documento tem um
foco, uma discriminação e um campo de denúncia. Nas denúncias se inclui tanto
os grandes interesses agropecuários que estão no cerne da economia do
agronegócio como também o Estado brasileiro, que há vários governos é árbitro e
ao mesmo tempo protagonistas desse pacto do poder. Nesse sentido, a questão
agrária é vista não como a questão de setor agrícola em particular, mas como
uma questão nacional.
IHU On-Line - Como a atuação
pastoral da Igreja se relaciona com a questão social e política da reforma
agrária?
Guilherme Delgado – A
atuação pastoral da Igreja, que é outro foco do documento, a partir da
perspectiva do "ver, julgar e agir”, precisaria se pautar por essa nova
visão doutrinária e pastoral. O documento, que tem um caráter doutrinário e
pastoral, não é mais um documento de estudos, como foi aquele de 2010. O
documento oficial é doutrinário e pastoral para pautar a ação das igrejas
locais do ponto de vista da solidariedade, das intervenções, das orientações no
sentido do desenvolvimento rural em uma perspectiva alternativa; essa é a
questão central. Agora, como isso vai se dar no concreto, bom, aí você sabe que
documento é texto, é papel, são linguagens verbais, então nós temos de ver,
fazer uma leitura de realidade.
Nos anos 1980, tínhamos um
episcopado extremamente atento e protagonista em fator dos povos da terra e um
Estado da segurança nacional extremamente repressivo. Hoje, temos outra
situação: um Estado democrático com eleições, com liberdade de comunicação, mas
ao mesmo tempo um campo ideológico muito forte no sentido de justificar e
apresentar os interesses agrários dominantes como sendo a salvação da pátria.
Portanto, a ação pastoral de antes e de hoje são diferentes.
Então, como vamos enfrentar isso?
Talvez tenhamos de nos atualizar sobre qual estágio da história nos encontramos
para que não tentemos imitar os processos anteriores, para que tenhamos um
quadro de realidade novo. Mas sobre esse desafio, não sei se o episcopado está
completamente consciente, porque não é simples. Veja bem, enquanto nos anos 80
nós tínhamos a oposição ao regime militar, os partidos em formação, boa parte
da mídia e todo um contexto um pouco alinhados ao movimento agrário, hoje não
há. A mídia, os partidos políticos, o Estado, são todos inimigos. O próprio
movimento agrário também foi muito cooptado nesse processo (parte dele), e como
o episcopado também faz parte dessa realidade, parte dele também fica meio
confusa. Então, precisamos discutir esse assunto; não é um assunto que está
certo e acabado. A tradução de um texto doutrinário e pastoral à ação concreta
pastoral e política é outro momento que teremos de enfrentar.
IHU On-Line - A Igreja sinalizou
alguma ação concreta a partir da formulação do documento deste ano?
Guilherme Delgado – No
documento tem uma série de pistas de ações pastorais, desde ações recomendadas
aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, até ações de solidariedade aos
povos indígenas, aos quilombolas. No Congresso é evidente que há uma bancada
ruralista, cujo papel principal é desconstruir a ordem constitucional para
impedir que o regime fundiário da função social, da terra indígena, da terra
quilombola, da terra de parte das reservas naturais tenha essa destinação e, ao
contrário, vire mercadoria. Portanto, o trabalho de ação política de defesa do
que foi conquistado e de avanço de estrutura agrária é um trabalho que tem
muito mais adversidades hoje do que teve no passado. Não obstante, no passado
parecia ser muito mais grave a situação, porque havia o exército, a marinha e a
aeronáutica contra o povo. Hoje, estão contra: grileiros, empreiteiros, mídia,
etc. É um cenário muito mais complexo para se enfrentar do ponto de vista da
ação política.
IHU On-Line - Por que a Igreja
demorou tantos anos para produzir um novo documento sobre a reforma agrária?
Tem a ver com o novo pontificado?
Guilherme Delgado – Eu acho
que sim. Eu diria, sem tirar o mérito dos bispos que amadureceram e refletiram
durante esse tempo todo, que o pontificado do Papa Francisco inicia uma nova
etapa, como ele próprio diz: "vamos sair das nossas próprias questões e ir
em missão para o mundo, para ver os problemas”. Pessoalmente, a última
exortação que ele publicou sobre a situação da Igreja no mundo contemporâneo
ajudou enormemente a desbloquear a compreensão e a ação episcopal do sentido
das questões que já eram de longa data presentes, mas que estavam abafadas: a
questão agrária, a questão da família (que agora tem um sínodo), as questões da
colegialidade na Igreja, as questões relacionadas à própria relação da Igreja
com a modernidade, a pós-modernidade. Todos esses temas voltam com muito mais
legitimidade e percepção de que é urgente voltarmos aos temas do Conselho
Ecumênico Vaticano II que, por um bom período, ficaram desativados na
compreensão do papado.
IHU On-Line - Por que o documento
oficial da CNBB em relação à reforma agrária, depois de ser aprovado, demorou
para ser divulgado?
Guilherme Delgado – Eu me
manifestei ao secretário geral dizendo que um documento como esse tem um
conteúdo pastoral e doutrinário pastoral e, portanto, político. Assim sendo, o
"timing” dele, considerando as mídias que temos hoje, é imediato, ou seja,
o texto saiu da assembleia e deveria ter sido publicado no site da CNBB, que é
uma mídia mundial. Mas a compreensão da conferência foi de que o documento só
poderia ser divulgado depois de editado em papel e publicado nos documentos
CNBB nº 101, como foi publicado recentemente. Mas veja que o tempo editorial é
outro, demora por causa de revisão e mais revisão. E, portanto, o documento
demorou quase dois meses para ser publicado.
Do ponto de vista midiático, há
muito tempo se cria uma cortina de silêncio em relação a esse tema. Essa
cortina de silêncio é parte de uma reação da mídia conservadora que, por não
concordar com o documento, resolveu ignorá-lo completamente. Pode ver que o
carro-chefe dessa mídia, o jornal O Estado de S. Paulo, publicou uma linha na
nona ou décima página no sábado seguinte ao dia nove, em que ocorreu a
assembleia. As outras mídias não publicaram quase nada. Então, esse retumbante
e estrondoso silêncio sobre o assunto não é coincidência. É que uma parte da
mídia, a grande mídia, é contra o cerne do documento, ou seja, contra a mudança
da estrutura agrária.
IHU On-Line – Mas a CNBB tem um
site e poderia ter divulgado o documento, mas também não publicou, não é?
Guilherme Delgado - No
momento em que se soma esse retumbante silêncio das grandes mídias com a forma
de divulgação um pouco burocrática da CNBB, isso pega mal do ponto de vista do
conhecimento público e da percepção. Eu já tinha dito lá que pega mal, porque o
"timing” político pastoral não é igual ao "timing” editorial. O
"timing” editorial tem seus tempos, tem suas dificuldades. Mas como agora
o documento já está publicado, nós temos um texto que tem a pretensão de ser
uma fala no sentido de configurar uma situação nova.
Agora, se ele vai configurar uma
situação nova, depende de como isso vai repercutir e de como será recebido pela
sociedade, pelos destinatários, pelos grupos sociais, tanto os marginalizados
como os grupos sociais que são denunciados.
IHU On-Line - Deseja acrescentar
algo?
Guilherme Delgado – A única
coisa que eu gostaria de acrescentar é que, incrivelmente, hoje os grandes
aliados do passado da reforma agrária, como foram o PT, os movimentos
agrários, e em parte a mídia, estão alinhados em outro campo, no sentido de
compor o pacto do poder com a economia do agronegócio, e elegem a estrutura
agrária como um assunto interditado. Então, essa é a nossa dificuldade, porque
ao interditar o debate da estrutura agrária, é como se não existisse uma
questão agrária, como se esse fosse um assunto inventado por meia dúzia de
pessoas, e aí não conseguimos sintonia para o debate público. Nesse sentido, o
maior problema da questão agrária, hoje, é vencer essa barreira ideológica, que
nos coloca à margem do debate público.
Fonte: http://site.adital.com.br
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