Reflexos da fé – Por Rariana Pinheiro
Estima pelas imagens religiosas
atravessou séculos e continua forte na sociedade moderna. Meio de
personificação dos ícones sagrados é ainda utilizado em diversas religiões e
doutrinas
Santo Antônio, Nossa Senhora,
Jesus Cristo, Iemanjá, Oxóssi ou Iansã, todas estas figuras religiosas possuem
rosto, corpo e até vestes no imaginário coletivo por uma única razão: a
admiração pelas imagens sagradas.
Comuns em missas, cultos, rituais ou em casa,
apenas para decoração, o hábito popularizado pela Igreja Católica, se por um
lado é renegado pela representativa população protestante, por outro é
bem-vindo no candomblé, umbanda, entre várias outras doutrinas. Também fonte de
renda para comerciantes, as esculturas, que começaram a ser admiradas no século
1 d.C, até hoje despertam interesse, fascínio e mostram que uma ampla parcela
da sociedade contemporânea ainda é ligada aos símbolos de fé.
Populares, dignos de devoção e de
pedidos, é raro um católico, mesmo não praticante que não tenha em sua casa
esculturas artísticas representando suas divindades sagradas. Foi de olho neste
público e também porque o ofício coincidiu com suas mais profundas convicções
espirituais, que o comerciante Wellington Carlos Bezerra decidiu montar uma
loja de artigos religiosos voltados aos fiéis e simpatizantes da igreja romana.
Religioso, Wellington e sua
mulher, Regina, sempre estão entre os cerca de 18 mil fiéis que frequentam
semanalmente a novena dedicada à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que
acontece todas as terças-feiras, na Matriz de Campinas.
Notando que a procura
dos fiéis por imagens de santos era bem maior que o número de lojas disponíveis
(na época a região possuía apenas uma), Wellington e sua esposa decidiram
entrar neste ramo. “Juntou a fome com a vontade de comer. Os fiéis também
pediam”, explica.
A ideia, claro, deu certo. No dia
da novena, os comerciantes chegam a receber cerca de 300 clientes em sua
pequena loja montada de frente à Praça da Matriz. Nos dias das novenas, que
acontecem de hora em hora, em torno de 40 imagens feitas em acrílico ou de
gesso, importadas de São Paulo e até de Roma, e que custam de R$ 4 a R$ 20, são
comercializadas.
Não é preciso ressaltar a
preferência do público em questão por Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Porém,
a vantagem é pequena diante das esculturas sagradas do Divino Pai Eterno (pela
proximidade com Trindade) e da Nossa Senhora Aparecida (Padroeira do Brasil),
também muito vendidas em seus diversos tipos e tamanhos. “Os católicos veem a
imagem como uma foto, em que fazem seu momento de reflexão”, explica.
Floras
Outro exemplo que deu certo neste
mercado singular é o comerciante José Maria. Mas seu negócio é mais antigo e
amplo: ele trabalha há 16 anos em uma loja também dedicada à comercialização de
imagens e artigos religiosos, mas seu estabelecimento são as chamadas Floras
(locais voltados especialmente para a venda de guias, imagens de santo de
várias doutrinas).
Por isso, apesar de atrair muitos
católicos, sua loja possui clientela, em grande maioria, composta por adeptos
ou simpatizantes da umbanda. “Vendemos muitas imagens de Iansã, Oxumarê,
Caboclos, Pretos Velhos e Exus”, diz citando os santos mais populares da
religião.
No entanto, as diferenças entre
os santos nem são tão grandes assim. Por ser a única religião nascida no Brasil
e influenciada pelo sincretismo religioso, ou seja, a mistura de concepções,
fundamentos, rituais e divindades do negro, índio, católico e espírita, suas
divindades muitas vezes coincidem com os da Igreja Católica. Às vezes a imagem
é igual e só mudam os nomes.
“Nas senzalas, os senhores de
engenho não deixavam os escravos praticarem sua fé. Então eles trocavam o nome
de suas entidades por santos católicos. A Oxumaré, por exemplo, é Nossa Senhora
Aparecida; Oxalá, o Divino Pai Eterno; Oxossi, São Sebastião; Xangô, São
Gerônimo”, explica José Maria, cujas esculturas custam a partir de R$ 38.
Candomblé
Também proprietário de uma Flora,
o comerciante Enuque Miranda se diz um dos pioneiros em vender imagens
religiosas de diversas doutrinas. Mas, no seu caso, o público é mais voltado
para o candomblé.
“Comercializamos muito Exus; Tranca Rua, João Caveira, Sete
Encruzilhadas, Pomba Gira, entre vários outros. Possuo cerca de 60 imagens do catolicismo,
candomblé e umbanda”, conta.
Enuque, que possui ainda uma
fábrica onde ele produz, além de imagens, também essências e perfumes para as
celebrações, conta que muitos destes artigos comprados por membros do candomblé
e umbanda são utilizados em seus rituais. “Muitos compram porque acham que com
os santos podem atender seus pedidos mais rápidos”, esclarece.
O comerciante, que se define como
católico não praticante, acrescenta que muitas vezes o candomblé e umbanda
estão em crescimento na Capital. Porém, ainda é visto com preconceito pela
sociedade. “As pessoas de fora acham que os Exus, por exemplo, são apenas para
fazer o mal, mas é uma manifestação da fé como outra. Há muitos charlatões
neste meio, mas isso também existe em outras igrejas”, argumenta.
O começo
As origens de quando se iniciou o
culto às imagens é bem remoto e quase impossível de se precisar. De acordo com
o professor Uene, que é teólogo e mestre em Ciências da Religião, este costume
não começou na religião cristã, tampouco na Igreja Católica, mas tais vertentes
ajudaram sua expansão pelo mundo.
“Diferentes lugares da Europa, dos
continentes asiático, africano e até o americano, já vivenciavam estas
práticas; mas a realidade das imagens esteve fortemente presente desde o
primeiro século cristão, quando esta forma de fé saída da Palestina atingiu
todo o Império Romano ainda de modo muito inicial”, explica.
O costume ampliou-se grandemente,
segundo o professor, com o deslocamento da sede do Império Romano para
Constantinopla, no século IV da era cristã. “Neste novo cenário, a realidade de
valorização de ícones ampliou-se na cultura da fé cristã e permaneceu de modo
tão duradouro que se estendeu ao longo dos séculos”, diz.
Sobre esta permanência que
começou nos primórdios até os dias de hoje, o professor considera normal e
disse ainda acreditar que a própria religião, com sua convivência dos
indivíduos com imagens, esculturas, desenhos, pinturas, afrescos, ícones ou
outros símbolos, nunca deixará de existir.
“Não quero parecer presunçoso na afirmação,
mas declaro que, se alguma prática de costumes de cultos a qualquer realidade
de imagens for extinta, com certeza outras tendem a se manifestar para ocupar
este lugar que tenha ficado vago. Portanto a vivacidade do culto às imagens
tende a continuar de modo perene na vida das culturas por todas as sociedades”,
prevê.
Conheça alguns orixás e entidades
mais populares do candomblé e umbanda
Iemanjá ou Yemanjá: orixá
feminino das religiões Candomblé e Umbanda. O seu nome tem origem nos termos do
idioma Yorubá “Yèyé omo ejá”, que significam “Mãe cujos filhos são como
peixes”.
Oxumarê: é o orixá do arco-íris
dentro da mitologia iorubá. Liga o céu à terra. Corresponde ao orixá Dan do
candomblé jeje.
Oxalá: é o orixá associado à
criação do mundo e da espécie humana.
Exu: Orixá da comunicação. É o
guardião das aldeias, cidades, casas e do axé, das coisas que são feitas e do
comportamento humano.
Pomba Gira: uma entidade
equivalente à forma feminina de Exu.
Fonte: http://www.dm.com.br
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