Apesar da maioria católica no país, quem lidera nas eleições são os evangélicos – Por Gisele Motta*

Brasil é um país predominantemente católico: quase 65% da população se autodeclara católica segundo pesquisa do IBGE. Em termos numéricos, são 123 milhões de católicos, sendo assim o país como um dos mais católicos no mundo. 

O Rio de Janeiro segue a linha, com 56% dos fluminenses se autodeclarando católicos. Apesar desses números, os candidatos que se sobressaem nessa eleição são justamente os evangélicos. 

Para especialistas, Além do número de católicos ser superestimado pela famosa ideia de “católico não praticante”, existe um alinhamento dos setores mais conservadores da sociedade, sejam eles evangélicos, católicos, cristãos ou não.

Rio de Janeiro apresentar o maior percentual de evangélicos em todo país, com quase 22% dos cidadão se autodeclarando como tal. Ainda assim, com católicos predominantes, os candidatos mais bem colocados para o governo do Rio de Janeiro são evangélicos. 

Garotinho e sua esposa, Rosinha Garotinho, são declaradamente evangélicos, enquanto Crivella é bispo evangélico. Segundo percentuais divulgados pelo Datafolha na quinta-feira (04/09), Garotinho tem 28% das intenções de voto e Crivella (18%), que não tem um viés religioso claro e está em segundo lugar. 

Garotinho obtém vantagem entre os evangélicos pentecostais (50% contra 36% dos eleitores de Pezão) e não pentecostais (47% contra 36%, que votariam no peemedebista).

Corrida para a Presidência

O mesmo acontece na corrida eleitoral para presidente. Marina Silva está tecnicamente empatada com Dilma Roussef. Pelo Ibope, Dilma tem 37% e Marina, 33%. Pelo Datafolha, a presidente aparece com 35%, a ex-ministra, com 34%. 

Na simulação de um segundo turno entre Dilma e Marina, a candidata do PSB venceria a do PT por 48% a 41%, pela pesquisa Datafolha. No Ibope, em eventual segundo turno, Marina tem 46% e Dilma, 39%.

Isso numa população onde a maioria é católica e Marina é declaradamente evangélica, defendendo pessoalmente e deixando de forma subjetiva no plano de governo, pontos específicos de suas crenças particulares. 

Segundo a pesquisa Datafolha divulgada no fim de agosto, entre os eleitores que se declararam católicos, Dilma aparece com 38%, Marina com 30% e Aécio com 18%. Entre os evangélicos pentecostais, Marina tem 41%, Dilma 30% e Aécio, 11%. Já entre os espíritas, Marina tem 44%, Aécio tem 21% e Dilma, 14%.

Paulo Silvino Ribeiro, sociólogo, docente pesquisador da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), lembra que tanto católicos quanto evangélicos têm uma origem cristã, que acaba alinhando algumas questões. 

Juntando Garotinho e Crivella, no Rio de Janeiro, temos 46% das intenções de voto, que ultrapassa o número de evangélicos no Rio de Janeiro. Ou seja, esses candidatos recebem votos até de quem não segue suas religiões.

Para especialistas, vários fatores influenciam para culminar nessa situação. Primeiramente, alguns católicos estão alinhados com as perspectivas evangélicas, especialmente quando se trata de temas polêmicos, como aborto, legalização das drogas, pesquisa com células embrionárias, direitos dos homossexuais. Mesmo os não católicos convergem para essas opiniões. 

“Os ideias conservadores evangélicos atrai católicos e não católicos porque, na média a sociedade brasileira é conservadora, machista. Predomina valores reacionários no âmbito moral. Esse ranço da sociedade conservadora não tem classe social. Você encontra entre os pobres e ricos, religiosos e não religiosos”, comenta.

Para Marques, Marina representa uma ambiguidade entre o conservadorismo e o progressismo. 

"Ela tem um programa de valorização do engajamento ecológico, coisa que outros partidos não valorizam. Mas quando se fala da laicidade do estado, defende a discussão de temas polêmicos, mas não tem intenção política de defender as minorias, a descriminalização de aborto, ou usuários de drogas. Não existe uma política que valorize a emancipação desses grupos. Só colocar isso como uma discussão não é efetivo. Não existe uma orientação com um projeto político que valorize esses grupos", diz. 

Outras questões influenciam o fato de haver famílias majoritariamente católicas, mas os candidatos preferidos serem os evangélicos. A própria questão de maioria católica é colocada à prova, quando se analisa mais profundamente a influência religiosa nas eleições.

“Temos o que chamamos de catolicismo do IBGE: aquela pessoa que se considera católica porque ele nasceu numa família católica, estudou em um colégio católico. Mas vai à missa de vez em quando, vota em pessoas que correspondem aos seus ideários e não aos ideários da instituição”, comenta Alexandre Marques, professor e pesquisador do Programa de Estudos e Pesquisas das Religiões (Proeper) da Uerj.

 A influência eleitoral da Igreja

Além disso, mesmo que a maioria seja de fato católica e seja guiada por seus valores cristãos, a influência eleitoral dentro das diferentes igrejas acontece de forma radicalmente distintas. 

"Primeiro temos que perceber que os evangélicos, especialmente os pentecostais e neopentecostais são mais, digamos, ‘fieis’ a sua crença do que a vertente católica. Você tem a figura do brasileiro que se autointitula católico, mas não vai à missa. Já aquele que se denomina como evangélico pode até ter um trânsito religioso, mudando de igrejas, mas é mais disciplinado no respeito e consideração desses valores cristãos da igreja. O Rio de Janeiro especificamente é um dos estados onde mais há evangélicos e de onde saíram grandes lideres, como Silas Malafaia e Bispo Macedo, figuras que acabam apoiando candidatos e atraindo votos”, comenta Silvino. 

Ou seja, os evangélicos realmente votam em evangélicos, enquanto católicos têm um voto menos alinhado, podendo ser captado dependendo de opiniões mais pessoais. 

Para Marques, a história da Igreja Católica ajuda a explicar essa diferença na hora de se posicionar politicamente. Segundo ele, a Igreja católica já teve esse papel de “influência eleitoral”, que foi acabando devido a dissidências internas. Se não há um único rumo a seguir, o direcionamento ideológico e consequentemente eleitoral se extingue. 

Ele relaciona isso com o surgimento da Teologia da Libertação, uma corrente filosófica religiosa dentro da Igreja Católica que tomou forma nos anos 60, na qual a preocupação com as injustiças sociais é colocada em primeiro plano.

 “Os católicos até a década de 80, de alguma forma, ajudavam a criar uma dinâmica muito parecida com os atuais evangélicos: um curral eleitoral. Eles indicavam os candidatos da Igreja e orientavam os fieis a votar. Essa prática sofreu uma crise por causa dos grupos ideológicos diferentes que surgiram. O PT, por exemplo, nasce tantos dos luteranos quanto dos católicos de esquerda, aqueles basicamente da Teologia da Libertação”, comenta.

“A Igreja costumava apoiar movimentos políticos relacionados à Monarquia e práticas morais correspondentes com o conservadorismo moral, mas isso é de certa forma quebrado com a Teologia da Libertação como protagonista dos excluídos historicamente e os pobres. Isso relativiza um pouco a política católica no Brasil, deixando de existir somente essa corrente moralista direitista, passando a existir uma política mais aliada com a esquerda."

Economia: o que querem os evangélicos?

Marques ainda diz que as ideologias da Igreja Evangélica têm bases específicas para além do aspecto moral da sociedade, estando alinhadas com políticas econômicas e sociais especificas “baseada na Teologia da Prosperidade (que defende que a bênção financeira é o desejo de Deus para os cristãos), voltadas para direita, como a valorização da competitividade de mercado e iniciativa privada”.

Silvino também vê a ideologia religiosa indo além do campo moral. “Do ponto de vista social e econômico, tem um certo conservadorismo. Isso pode ser visto quando pessoas de renda baixa se colocam contra programas de transferência de renda, que poderiam beneficiar a si próprios por exemplo”, reflete. 

Para ele, a relação do conservadorismo econômico com a religião é complexo, mas pode ser vista uma influência histórica e religiosa. 

“Dentro do cristianismo como moral se vê o trabalho como uma função nobre e necessária". Aí entra meritocracia, onde se valoriza uma situação neoliberal de competição, em detrimento de outra do bem estar social que pressupõe o auxílio. 

É  típico dizer que quem recebe benefícios do Estado são pessoas que ‘querem viver mamando nas tetas do estado’. Essa situação tem um certo embasamento cristão, vide a famosa frase ‘No suor do teu rosto comerás o teu pão'. 

Outras religiões no futuro do Brasil

 Vale lembrar que, apesar de o Brasil ser um país predominantemente católico, dados do IBGE mostram que desde a década de 70 as taxas de crescimento do catolicismo não acompanham o crescimento da população. 

Pesquisadores acreditam que, até 2030, católicos serão menos de 50% da população brasileira. Em 2040 católicos e evangélicos estariam empatados.


Já outras tradições religiosas também estão crescendo no país. Na última década, além dos evangélicos, grupo que mais cresceu no período, passando de 15,4% para 22,2% e totalizando 42,3 milhões de pessoas no país, também tiveram expansão os espíritas, que passaram de 1,3% para 2% e somaram 3,8 milhões em 2010; os que se declararam sem religião, que subiram de 7,4% para 8%, ultrapassando os 15 milhões; e o conjunto pertencente a outras religiosidades, que cresceu de 1,8% para 2,7%, totalizando pouco mais de 5 milhões de brasileiros. 

Os adeptos da umbanda e do candomblé mantiveram-se em 0,3% ao longo da década, representando quase 590 mil pessoas.

*Jornal projeto de estágio do Jornal do Brasil 







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