Especialista critica famosos na Cabala: "não têm noção" – Por Aline Lacerda
Em visita ao Brasil, a israelense
Rachel Elior explicou o que é a Cabala, falou sobre judaísmo, feminismo e
criticou a posição do Brasil em relação ao aborto
Madonna faz parte do time de
celebridades que segue a Cabala (lê-se Cabalá) e a definiu como sua
religião, tendo-a descrito como algo “punk rock” porque a fazia ter
“pensamentos libertadores”.
Junto dela, as atrizes Gwyneth Paltrow e
Demi Moore também seguem os ensinamentos. No Brasil, a atriz Fernanda
Souza e os apresentadores Luciano Huck e Glória Maria também são fieis à
teoria.
Mas segundo a israelense Rachel Elior, chefe do Departamento de
Pensamento Judaico da Universidade Hebraica de Jerusalém e considerada uma das
maiores especialistas do mundo em misticismo judaico (Cabala), a religião que
estes famosos e várias outras pessoas dizem seguir tem muito pouco a ver com a
essência real da Cabala.
“Estas pessoas pegaram uma ou duas sentenças de um
total de 18 mil livros e disseram 'agora estamos fazendo a Cabala'. Isso não
tem nada a dizer ou muito, muito pouco a dizer sobre o que a Cabala realmente
é”, disse em entrevista exclusiva ao Terra durante sua segunda visita
ao Brasil.
Mas o que a Cabala realmente é?
Para começar, não é religião. Chamada também de misticismo judaico, é uma
corrente de estudo que dá total liberdade de imaginação e interpretação das
obras e ensinamentos do judaísmo tradicional.
“A Cabala é esta linha que todo
judeu era convidado a participar, em que era permitido imaginar o paraíso,
o inferno, o futuro, o presente. Esse é o segredo da Cabala: a liberdade de
imaginar dentro do contexto religioso”, explica.
Ou seja, os cabalistas
também segue à risca os mesmos mandamentos do Velho Testamento (Torá) que
rege a vida de todos os judeus. E, aliado a isso, são mais livres para
interpretar os estudos mais antigos.
Para explicar melhor, enquanto os
mais tradicionais liam a Torah e levavam tudo ao pé da letra, os cabalistas
criavam detalhes mais enriquecedores.
“Se está escrito lá que o paraíso tem um
jardim com um rio no meio, os cabalistas já falam que é um rio de luminosidade,
que chega sempre à meia-noite e inunda suas vidas. É isso que fazem, uma
leitura imaginativa, uma alternativa intelectual diferente em busca de
redenção”.
E tanta imaginação tinha um
motivo: era a alternativa encontrada por eles para superar uma realidade de
perseguição. “Era a literatura de pessoas desesperadas, perdidas, que queriam
formar um mundo alternativo”. Por isso, a Cabala surgiu e ganhou força
justamente nas comunidades judaicas que viviam em êxodo ao longo dos últimos
milênios, especialmente nos séculos 11 e 12 durante as Cruzadas, quando foram
perseguidos pelos cristãos na Europa.
E, aqui, outra divergência
da visão de Rachel Elior em relação à Cabala feita hoje em dia, principalmente
pelas pessoas que não são judias. Elas não passaram por perseguição, não
viveram profundo sofrimento e, portanto, não precisariam de redenção.
Aliado a isso, como tudo o que
rege o judaísmo, a Cabala era acima de tudo um estudo feito em comunidade e
voltado para a salvação de um povo. Assim, aplicar os ensinamentos para
salvação única e exclusivamente pessoal também passa longe dos princípios
originais do misticismo judaico.
“Dizer que eu sento na minha varanda, pego uma
Coca-Cola, acendo um cigarro e estou aprendendo a Cabala é nonsense. Ela é
feita para ser integrada em comunidade e não para a salvação individual”.
Mas, segundo Rachel, este
comportamento segue um fenômeno surgido após a II Guerra Mundial, quando as
pessoas de diversas correntes, não só judeus, não queriam se comprometer com
religião, mas estavam muito interessadas em encontrar a espiritualidade.
Foi aí
que pequenos princípios do hinduísmo, budismo, Cabala, entre outros, caíram nas
graças de muita gente, especialmente na América. E apesar de saber
destas mudanças sociais e até da modernização da religião, Rachel
considera importante abraçar os princípios básicos e principalmente o
estudo destas correntes que as pessoas escolhem seguir em suas vidas.
Feminismo e aborto
Feminista assumida e defensora de
causas que ajudam as mulheres em Israel, Rachel é a primeira em defender a
modernização da religião e a criticar leis religiosas que ainda se baseiam em
livros tão antigos.
“Hoje em dia, nem todos os judeus seguem todos os
mandamentos sugeridos. Eles guardam o sétimo dia, respeitam a vida, mas muitos
não conduzem sua vida pessoal e sexual de acordo com a religião. Não é natural
dizer para manter o celibato por causa de religião, ainda mais hoje que as
pessoas se casam mais tarde”, avalia.
"Sou feminista. Eu condeno
totalmente (as mulheres não poderem decidir sobre o aborto), não por religião,
mas pelos direitos humanos".
Segundo ela, os judeus, cerca de
13 milhões de pessoas no mundo, das quais 7 milhões vivem em Israel, não fazem
grandes alardes sobre temas polêmicos comuns da sociedade de hoje, mas “deixam
a vida acontecer”.
"Claro que sugerimos que você se case e tenha uma família,
mas ninguém vai falar uma palavra se você for morar com um alguém ou nunca se
casar”. Segundo ela, o mesmo se aplica às relações homossexuais.
Perguntada sobre o posicionamento
dos judeus em relação ao aborto, ela comentou a falta de legislação brasileira
ampla em relação ao assunto.
“É muito horrível e triste o que fiquei sabendo
sobre o Brasil porque as mulheres são seres humanos, nem um pouco menos que um
homem. E se ela sentir que não pode levar uma gravidez adiante, seja por
questões emocionais, físicas, financeiras ou qualquer outra, ela tem direito de
tomar a decisão sobre seu próprio corpo”.
De acordo com ela, em Israel, as
mulheres que não querem levar uma gravidez adiante têm que procurar um fórum,
explicar o motivo por questão de praxe e são autorizadas a fazerem o
procedimento em hospitais públicos.
“A mulher é definitivamente a prioridade e
não o bebê. Eu condeno totalmente o contrário, não por religião, mas pelos
direitos humanos”, completa.
Rachel cita ainda a principal
luta feminina em seu país natal: a lei do divórcio local, que proíbe as
mulheres de pedirem a separação. Elas precisam esperar a vontade e
pedido do marido em fazer isso.
“Isso acontece porque não temos leis civis
sobre casamento, só religiosa. Esta realidade de discriminação nos desagrada
muito, mas estamos lutando”, comenta.
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