Igreja Católica entra na eleição com propostas progressistas, mas aborto “é inegociável” – Por Renan Truffi
Ao contrário de 2010, questões
sociais e a reforma política ganharam espaço entre líderes religiosos.
A realização de um debate
presidencial no Santuário Nacional de Aparecida, como o de terça-feira 16/09 no
interior de São Paulo, marca a entrada da Igreja Católica nas eleições deste
ano. Ao contrário do que ocorreu no último pleito, em 2010, assuntos como
aborto, casamento gay e uso de células-tronco estão sendo pouco explorados
pelos líderes católicos.
Questões sociais e a reforma política ganharam espaço
pelas mãos do cardeal-arcebispo de Aparecida, Dom Raymundo Damasceno Assis.
Apesar do tom progressista em vários temas polêmicos, a Igreja Católica ainda
trata como “inegociável” a discussão do aborto.
A mudança de foco da Igreja
Católica ao privilegiar debates sociais em vez de comportamentais coincide com
um novo discurso que ecoa do Vaticano. Desde 2013, o papa Francisco tem dado
orientações menos conservadoras em relação a temas tabus. Entre os fiéis,
a influência do papa Francisco é assumida.
A aposentada Conceição Mercês, de 66
anos, viajou da capital paulista até Aparecida para passar o dia no Santuário.
Religiosa, ela diz ter se ofendido, recentemente, quando ouviu em uma missa um
padre defender comportamentos homofóbicos. “Se o papa não fala isso porque um
soldado raso, como ele, pode falar uma coisa dessas?”.
Para o professor Francisco Borba
Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), duas razões explicam a postura da Igreja em
2014: o momento de incerteza política no País e a autocrítica da Igreja Católica
ao reconhecer que interferir na política, como aconteceu no passado, não faz
bem à própria instituição.
“A sociedade brasileira está com uma percepção
mais aguda da necessidade de retomar o discurso social e socioeconômico, ao
contrário do que ocorria há quatro anos, quando havia impressão de que tudo
estava caminhando bem. Em 2010 então não havia porque a Igreja ter uma atenção
particular [com esses temas]”, afirma Neto. “Para a construção do bem comum,
esse é o grande fator que desloca um pouco o eixo a partir das questões
comportamentais para outros princípios da Igreja, como o social e o
socioeconômico”, diz.
Ainda que não seja por influência
do papa, o discurso mais ameno sobre temas morais tem sido a regra na Basílica.
Diretor da TV Aparecida, o padre Josafá Moraes é a favor da criminalização da
homofobia, da união homoafetiva e acha “coerente” que as eleições não sejam
decididas em cima de pautas religiosas.
Mesmo quando fala sobre a importância
de saber o que os candidatos pensam sobre a “concepção da família”, o padre
evita o julgamento moral. “Com a mutação da família, a Igreja quer saber o
que os candidatos pensam, mas não moralmente", diz Moraes.
"Não é um
exercício moral, mas de atender os direitos da população. Se por um acaso, o
candidato disser que determinada conjuntura de família não corresponde àquilo
que a Igreja entende não quer dizer que não vamos votar nele. Não é isso. Não é
pegadinha”, explica antes de dizer, no entanto, que a instituição “não abre
mão” da defesa da vida.
Para Moraes, ao contrário do que
ocorreu em 2010, com o frequente debate sobre o aborto, desta vez "tudo
foi conduzido" para que o assunto não entrasse nas eleições e a escolha do
novo governo não se desse a partir de uma pauta religiosa.
"Isso é muito
coerente, pois a Igreja Católica não é centro, é parte da sociedade", diz.
"Mas a Igreja é defensora da vida e disso ela não abre mão”, defende.
A preocupação do diretor da TV
Aparecida é a mesma de Dom Darci Nicioli, bispo auxiliar da Arquidiocese de
Aparecida. Ainda que concorde que nenhum candidato “é louco” de ser contra a
vida, Nicioli vê a necessidade de a Igreja Católica defender o direito do feto.
“Quando alguém defende o aborto é o ser humano indefeso que está sendo
ameaçado. Então uma coisa é o discurso, outra coisa é a prática. Nunca ninguém
vai ser louco de dizer 'eu sou contra a vida', mas, na prática, suas atitudes
quais são? Se eu defendo a pena de morte, estou contrário à vida. Hitler
defendia a vida. De quem? Dos arianos. Que defesa da vida é essa? A vida não se
negocia em nenhuma hipótese”, argumenta.
A Igreja reconhece que os
milhares de abortos ilegais realizados todos os anos no Brasil apesar da
proibição da lei são um problema de saúde pública, mas Nicioli afirma que
ninguém pode decidir, “com a chancela do Estado”, sobre a vida do feto.
“No
caso de interromper uma gravidez, quem é que estaria defendendo o feto, que é
vida? Uma pessoa estuprada pode não querer [ter um filho], a gente até entende.
Mas quem é que defende o feto? Uma coisa é eu ter a minha opção. A outra é eu
ter a custódia do Estado para decidir sobre a vida dos outros, no caso, o
feto”, defende o bispo.
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