Muçulmanos, judeus e católicos sem conflitos dentro da sala de aula - Por Clarissa Pains
Era início de agosto e a luz do
sol ainda estava generosa sobre o céu de Viena quando o professor Rafael Azamor
entrou em uma das salas da:
5ª Conferência Judaico-Muçulmana
Na capital
austríaca, para contar a jovens de 38 países como funciona o trabalho de
tolerância religiosa feito pelo Colégio Israelita Brasileiro Liessin.
A
tradicional escola de origem judaica em Botafogo/RJ criou, há sete anos, uma aula
de diálogo inter-religioso.
Parte do projeto consiste em
aproximar seus alunos de instituições como o Colégio Santo Inácio e a Sociedade
Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro, já que não existe uma escola islâmica no estado.
Depois da apresentação de Azamor no congresso, um sacerdote muçulmano o
presenteou com um Alcorão, no qual escreveu uma dedicatória que ressalta
“desejos de paz”. Na volta ao Brasil, o livro sagrado do Islã encontrou lugar
de destaque na biblioteca do Liessin.
Nas aulas, nós discutimos a
coexistência pacífica. Não só entre judeus, muçulmanos e católicos, mas com o
outro, quem quer que ele seja, diz o professor, que contou com a consultoria da
Sociedade Muçulmana e do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) para
elaborar o material didático do curso.
Dentro do programa, os alunos
frequentam escolas católicas e a única mesquita da cidade, na Tijuca; e
integrantes dessas instituições também vão até o Liessin.
Na quinta-feira,
dia 30, por exemplo, haverá no colégio uma palestra de Fernando Celino, que faz
parte da Sociedade Muçulmana. Ele falará sobre conceitos básicos do islamismo,
religião seguida por cerca de 500 famílias no Estado do Rio de Janeiro, segundo a própria
Sociedade Muçulmana e sobre os conflitos atuais ao redor do mundo.
Eu dou palestras em muitos lugares,
e o trabalho constante com o Liessin já dura cinco anos. É bom poder mostrar o
que é a nossa religião, que infelizmente é muito estereotipada.
Sem dúvida, o
que mais falta no mundo é diálogo. No Brasil, no entanto, acredito que estamos
fazendo um bom trabalho, afirma Celino.
Um dos pontos altos do curso
ainda está por vir: os alunos trocarão experiências, nos próximos dias, com
estudantes de uma escola muçulmana dos Estados Unidos. Eles se comunicarão por
vídeo, perguntando e respondendo questões relativas às práticas religiosas nos
dois países. Pedro Nudelman de Carvalho, da 2ª série do ensino médio, espera
ansioso por essa etapa.
“Quero perguntar sobre como a
vida ficou por lá depois do atentado de 2001. Eu nunca tive muito contato com
qualquer religião antes de entrar no Liessin, no ano passado, mas agora vejo
que esta é uma parte da cultura que influencia todos os aspectos da vida”, diz
ele.
O rapaz esteve em Israel e na
Polônia em abril, para a Marcha da Vida, que ocorre anualmente. Todos os alunos
da 2ª série do Liessin vão para esta viagem, que dura pouco mais de duas
semanas, acompanhados de dois alunos do Santo Inácio. Estes são escolhidos a
partir de uma prova sobre a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto.
Uma das
experiências mais marcantes para Pedro nessa jornada foi a visita a um bairro
de Tel Aviv onde crianças judias e muçulmanas estudam na mesma escola.
“Juntas, essas crianças cantaram
“Imagine”, do John Lennon, para a gente. Foi emocionante porque elas mostraram
um relacionamento muito estreito e natural, e a gente nem sabia quem era de
origem judaica e quem era de origem muçulmana”, lembra o estudante.
Segundo o coordenador de ensino
judaico da escola, Rafael Bronz, a união e o diálogo entre praticantes de
diferentes religiões é hoje uma bandeira da instituição.
“Nós focamos mais nas semelhanças
do que nas diferenças. Tanto o judaísmo quanto o islamismo, por exemplo, são
religiões abraâmicas. Mas é importante entender que é também pela diferença que
se fortifica a identidade”, arremata ele.
No também judaico Eliezer Max,
tradicional colégio de Laranjeiras, a preparação para o Bar-Mitzvá, rito de
passagem dos adolescentes judeus, aos 13 anos, vem sendo feita de forma bem
diferente de três anos para cá: não apenas o aspecto religioso é estudado, mas
também o social e cultural.
“Entendemos que é preciso
trabalhar todas as diferenças. Queremos criar um diálogo intercultural e
intercomunitário. É importante que os alunos travem contato com pessoas de
classes sociais diferentes, que moram em outros lugares, que têm hábitos
diversos. Entre as muitas atividades, temos encontros com a escola municipal
vizinha e nos envolvemos em projetos em favelas como o Morro Santa Marta”,
afirma Michel Gherman, coordenador de cultura judaica do Eliezer Max.
A empolgação dos alunos deixa
claro que o programa de atividades tem funcionado.
“Quando a gente conhece formas de
viver que não são as nossas, a gente sempre consegue achar alguma semelhança e
acaba entendendo melhor a si mesmo”, ressalta David Chor, de 12 anos.
Para Irmã Vaneide Chagas, da
Congregação das Religiosas de Nossa Senhora de Sion, à frente do Colégio Sion,
hoje presente em oito países, incluindo a unidade do Cosme Velho, é fundamental
que os jovens tenham uma vivência de outras religiões, e não apenas as conheçam
na teoria.
Por isso é tão importante que eles entrem em contato com judeus,
muçulmanos e praticantes de religiões de matriz africana, por exemplo. Não à
toa as irmãs dessa congregação atendem também pela alcunha de “as irmãs do
diálogo”.
“Nossa congregação recebeu como
missão do Vaticano trabalhar o diálogo entre os povos. Isso é vital porque a
intolerância é consequência direta da ignorância”, destaca.
A própria história do colégio
trata de exemplificar isso. A instituição foi criada em 1842, na França, quando
os fundadores, que tinham origem judaica mas se tornaram padres, estavam
preocupados com o futuro das meninas, que não tinham acesso à educação. Eles
passaram, então, a ensinar as pequenas menos favorecidas, entre cristãs,
muçulmanas e judias.
“Nessa época, os dois únicos
critérios eram ser menina, já que elas eram excluídas dos outros colégios, e
querer educação. A religião era o que menos importava. Todo povo tem o direito
de existir e de exercer a sua crença. Este é o lema do Sion”, sintetiza Irmã
Vaneide, acrescentando que hoje a instituição ensina tanto meninas quanto
meninos.
Serviço:
Eliezer Max: Rua das
Laranjeiras 401 / 405, Laranjeiras. Tel.: 2156-6100.
Liessin: Rua Sorocaba 90,
Botafogo. Tel. 2539-1845.
Santo Inácio: Rua São
Clemente 226, Botafogo. Tel. 3184-6200.
Sion: Rua Cosme Velho 98,
Cosme Velho. Tel. 3235-0700.
Fonte: http://oglobo.globo.com
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