Padres que pregavam 'amor livre' para praticar pedofilia chocam Espanha
Órgão judicial encarregado da
causa ordenou a detenção de três sacerdotes e um leigo.
Mas a Justiça ainda vai
decidir se eles responderão ao processo em liberdade
"Boa tarde filho, sou o
padre Jorge". "Não conheço nenhum padre Jorge", respondeu o
interlocutor. "Filho, acalme-se, aqui é o papa Francisco".
Essas são as palavras que um
atônito jovem escutou ao telefone. Ele havia escrito uma carta ao argentino
Jorge Bergoglio meses antes, para denunciar anos de supostos abusos por parte
de um grupo de religiosos da diocese de Granada, no sul da Espanha.
Suspeitas de abusos sexuais
supostamente cometidos por sacerdotes abala comunidade religiosa de Granada. O escândalo foi noticiado pelos
sites de internet espanhóis, atraindo cada vez mais atenção estrangeira. O próprio
papa se referiu à polêmica na terça-feira (25/11).
Até o momento, três sacerdotes
católicos e um professor de religião foram detidos. "Eu li sua carta e escrevi
ao bispo dizendo que ele comece uma investigação", explicou o papa na
terça-feira.
"Recebi essa notícia com
grande dor, com uma dor muito grande, mas a verdade é a verdade e não podemos
escondê-la", disse. Mas qual é a trama em cuja
investigação o papa se envolveu pessoalmente?
O clã dos Romanones
Acusações de escândalos sexuais ,
abusos de autoridades eclesiásticas, detenções, heranças duvidosas, segredos e
um grupo com sobrenome aristocrático: "os Romanones". Os ingredientes são de um romance
de intriga, crime e suspense. Mas não é ficção.
Daniel (nome fictício) tem 24
anos e há alguns meses denunciou, em uma carta dirigida ao papa, que entre os
13 e os 18 anos foi submetido a constantes abusos por parte de um grupo de
sacerdotes católicos, os "Romanones".
O jovem, membro da organização
católica Opus Dei e professor universitário, entrou em contato com os
sacerdotes investigados quando era coroinha em na paróquia de San Juan María
Vianney, localizada em um bairro de Granada.
Segundo seu depoimento, a rede
seria comandada por um dos detidos, o padre Román M.V.C (de quem deriva o nome
do clã) e realizaria atos sexuais em diversas de suas propriedades na província
de Granada. Ele afirmou que os religiosos
justificavam suas práticas sexuais com a frase: "o amor é livre, eleva o
espírito".
Vítimas
As acusações recaem sobre dez
sacerdotes e dois laicos. Não se sabe exatamente quantos
meninos e meninas podem ter sido vítimas do grupo, que supostamente atraía os
jovens conquistando sua confiança ou afastando-os de suas famílias.
Daniel disse que decidiu fazer a
denúncia principalmente por não saber a extensão da rede e quantas pessoas
foram vítimas dela. Ele acrescentou não querer que as pessoas que arruinaram
sua infância façam o mesmo com outros meninos e meninas.
Encorajado pelo respaldo do papa,
Daniel apresentou uma denúncia formal perante a Fiscalização Central de
Andaluzia, em outubro.
Detenções
O processo foi acelerado a partir
do momento em que a denúncia foi feita. O órgão judicial encarregado da
causa ordenou na segunda-feira (24/11) a detenção de três sacerdotes e um
leigo. Mas a Justiça ainda vai decidir se eles responderão ao processo em
liberdade.
Os detidos são Román M.V.C, a
quem o denunciante identifica como "o diretor", Francisco C.M, e
Manuel M.M. Todos eles tiveram algum vínculo com a paróquia de Vianney.
Eles foram encaminhados à Chefatura
Superior de Polícia de Andaluzia Oriental e negaram qualquer relação com os
crimes ao ser interrogados.
Além disso, há alguns dias, foi
denunciado o desaparecimento de vários computadores de um chalé em Pinus Puente
(Granada), que é de propriedade dos acusados.
Também há uma segunda denúncia,
formulada por uma outra suposta testemunha, que forneceu aos investigadores
mais dados e nomes. O subdelegado do governo,
Santiago Pérez, afirmou que não há mais prisões previstas por enquanto.
Reação da hierarquia
Enquanto isso, a Igreja Católica
na Espanha demonstrou estar chocada e consternada com os eventos. A Conferência Episcopal, por meio
de seu porta-voz, José María Gil Mamayo, expressou repulsa e pediu perdão às
"possíveis vítimas".
O arcebispo de Granada, Francisco
Javier Martínez, protagonizou no domingo uma cena pouco usual na catedral da
província: deitou no solo junto com outros membros da diocese por vários
minutos, um gesto que só é realizado Sexta-feira Santa.
"Os males da Igreja são os
males de cada um de nós", disse o arcebispo durante a homilia. Ele disse
que tudo isso é "uma ferida dolorosíssima para (Jesus) Cristo".
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