Documentários sobre a resistência protestante durante a ditadura e na atualidade estreiam no Rio de Janeiro
Durante o regime autoritário, com
a dissolução oficial de uma série de organismos políticos, vários deles
empurrados para a clandestinidade, as instituições religiosas foram de grande
importância para a sobrevivência de focos de luta pela democracia.
No entanto, esta memória é
rarefeita, assim como o reconhecimento da sociedade sobre o papel que as
igrejas desempenharam na organização popular e resistência contra a ditadura.
Um
dos resultados é a predominância de uma versão da história que identifica os
religiosos, sobretudo os cristãos, sumariamente com o conservadorismo e o apoio
ao regime militar.
Ao contrário do que diz a versão
predominante, ontem como hoje, as instituições religiosas continuam sendo
espaços de disputa entre forças sociais com diferentes visões políticas sobre a
prática da fé. Os filmes:
“Muros e Pontes: Memória Protestante na Ditadura” e
“Juventude e Lutas Ecumênicas”, dirigidos por Juliana Radler, com lançamento no seminário: Protestantes, Democracia e Ditadura, buscaram capturar a complexidade dessas
tendências no interior do universo religioso protestante. O primeiro
documentário retrata a geração pós-64 e o segundo, a experiência dos jovens
protestantes ecumênicos de hoje.
A diretora dos documentários
Juliana Radler se diz surpresa ao ter se deparado com um passado protestante
com ideais tão progressistas.
“Eu realmente não conhecia essa história da
juventude protestante na resistência à ditadura. Crescemos ouvindo relatos de
pessoas que desapareceram, entraram para a luta armada até, movimentos que se
formaram durante a época. Agora, movimentos que envolviam de uma maneira tão
profunda membros de igrejas protestantes, não tive notícia. Muito presente é o
papel do ecumenismo, do respeito à fé das outras pessoas como porta para a
luta pela democracia. São pessoas que deram suas juventudes por uma causa e
merecem o devido reconhecimento”.
Apesar de destacarem a diferença
dos contextos históricos, os jovens fazem paralelos entre os desafios da
geração pós-64 e os jovens religiosos de hoje, engajados nas lutas por
transformações dentro e fora das igrejas.
“Há opressões que vão se
repetindo, perseguições nas igrejas acontecem. Quando temos, por exemplo, um
ministro, um pastor, que traz um diálogo mais aberto, em que recebe o
homossexual, o diferente, o conselho da igreja rapidamente dá um jeito de tirar
esse pastor dali. E aí é olhar para essa juventude [do passado] que não teve
medo, que se posicionou, que foi contra e não perdeu as esperanças”, observa a
jovem Mariana Zuccarello, da Rede Ecumênica da Juventude (Reju), em um de
seus depoimentos no segundo vídeo.
Dando fim ao hiato histórico
A missionária da Igreja Metodista
Unida dos EUA e assessora de KOINONIA, Marilia Schüller, foi quem coordenou o
projeto: “Protestantes, Democracia e Ditadura”, que dá origem aos
documentários. Para ela, a iniciativa, que além dos filmes, tem como
resultados um livro e a publicação de um acervo digital sobre o tema, vem
preencher três lacunas importantes na memória do período militar:
“A primeira
lacuna é que os registros mais conhecidos se prendem aos movimentos de
resistência urbanos, deixando um pouco de lado as periferias rurais e os
movimentos de igrejas; a segunda, a pouca atenção dada a contribuição da
teologia da justiça social para as ações de resistência; e a terceira, como consequência
das duas anteriores é a difícil conexão entre as lutas dos religiosos do
passado e as de hoje, a visibilidade de um protestantismo ecumênico”, explica.
O anglicano Daniel Souza,
integrante da Reju, é um dos jovens que participa do documentário sobre as
lutas ecumênicas atuais. Daniel destaca que as políticas de reconstrução da
memória, não são apenas uma necessidade, mas um direito.
“O direito à memória é
fundamental porque faz a transição histórica da trajetória dos protestantes da
geração que pega o período de 64 a 85 com a nossa geração. Há um verdadeiro
hiato histórico quando olhamos a trajetória da mobilização política
protestante. A memória também é importante para apontar os culpados, nomear os
responsáveis, para garantir a justiça”, ressalta.
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