Entidades católicas procuram não religiosos para gestão – Por Anna Carolina Oliveira
Quando Regina Protmann, aos 19
anos, decidiu abandonar o conforto de seu lar para auxiliar os mais
necessitados, sua família não gostou da decisão.
Nascida em 1552, na cidade de
Braunsberg, na Alemanha, Regina era devota de Santa Catarina de Alexandria e,
juntamente com duas amigas, deixou a vida burguesa para morar em uma casa
simples, onde passaram a se dedicar à oração e às obras sociais.
Assim começou a Congregação das
Irmãs de Santa Catarina, em 1571. De lá até os dias atuais, as obras se
multiplicaram e a missão cristã se espalhou por 13 países. Apesar disso, o
número de freiras formadas tem caído ano a ano.
Segundo o Censo Anual da
Igreja, do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), a
queda foi de 10 677 religiosas em 2012 em relação ao ano anterior.
A escassez de freiras e padres
vem forçando as instituições católicas a atrair e reter profissionais
sem formação cristã para perpetuar sua obra.
A Associação Congregação de Santa
Catarina (ACSC), entidade que congrega todas as obras sociais da Congregação
das Irmãs de Santa Catarina, passou por um reposicionamento em sua estrutura,
que reúne atualmente 15 000 trabalhadores no Brasil.
“Mantemos as irmãs onde ainda é
possível, mas algumas pessoas sem formação religiosa estão sendo preparadas
para ocupar os cargos de liderança”, diz irmã Penha, integrante do conselho de
administração da ACSC.
O processo de transformação
começou há três anos. “Foram trazidos dois conselheiros externos para o
conselho de administração, antes formado exclusivamente por irmãs”, afirma
José Luiz Bichuetti, superintendente da associação e um exemplo de leigo (como
os funcionários de formação religiosa se referem aos que não usam batina ou
hábito) incorporado na nova estrutura.
Até o momento, todos os 216
executivos da ACSC nos níveis de diretoria passaram por entrevistas presenciais
conduzidas por uma consultoria. A etapa faz parte de um processo de assessment,
que visa identificar competências dos potenciais sucessores e desenvolver as
habilidades técnicas e a vocação espiritual deles.
“Madre Regina era uma pessoa de
doação, preocupada com o outro. Essas características precisam fazer parte da
liderança”, diz Helena Bonetti, diretora de desenvolvimento organizacional da
consultoria Wepeople, que tem auxiliado nesse processo.
A formação de discípulos
A perpetuação dos valores é a
maior preocupação das entidades religiosas. Ao eleger um leigo a um cargo de
confiança, é preciso acreditar que ele propagará o carisma, a cultura e a
vocação de bem servir.
“Enquanto uma empresa tradicional escreve seus valores
depois de fundada, essas instituições nascem em torno deles”, diz Victor Baez,
sócio-fundador da consultoria Heartman House.
Por isso, embora não religioso, o
sucessor deverá seguir certos ensinamentos. Na Congregação de Santa Catarina, o
exemplo é madre Regina.
No Grupo Marista, a referência é São Marcelino
Champagnat, padre que em 1871 fundou na comuna francesa La Valla o Instituto
dos Irmãozinhos de Maria, que mais tarde seria o Instituto dos Irmãos Maristas.
“Quanto mais bebermos da fonte e
conhecermos nossa origem, menor o risco de que a missão se desvirtue, mesmo com
a maior presença de não religiosos”, diz o irmão Vanderlei Siqueira dos Santos,
diretor-geral da rede de colégios do Grupo Marista, que administra escolas e
universidades como a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
O Grupo Marista começou a
estruturar seu processo de sucessão há cerca de dois anos, quando notou a
diminuição no número de irmãos.
“Nós precisamos de pessoas que deem resultado,
mas, acima disso, temos de respeitar o jeito marista”, diz Renata Portela,
diretora de desenvolvimento humano e organizacional, que entrou na instituição
em 2012.
Os irmãos foram convidados a
entender melhor os processos corporativos, enquanto aos não religiosos coube o
fortalecimento dos valores. Hoje, o Grupo Marista já está no segundo ciclo de
mapeamento, e escolas historicamente dirigidas por religiosos, como o Colégio
Marista Arquidiocesano, de São Paulo, passaram a ter um leigo no comando.
A Companhia de Jesus vem adotando
outra tática. “Os jesuítas vinham se ocupando muito das funções burocráticas e
faltava tempo para cuidar do carisma. Por isso, os funcionários passam a
assumir cada vez mais a direção, e nós nos voltamos para a missão”, explica o
padre Carlos Fritzen, administrador da Associação Nacional de Educação e
Assistência Social (Aneas) da companhia.
Segundo o padre Carlos Fritzen,
nos últimos 50 anos o número de jesuítas no mundo despencou de 36 000 para
17 000. “Apesar disso, ampliamos nossas obras. Esse já é o resultado da
participação significativa e crescente dos trabalhadores na missão”, afirma.
Igreja x Estado
Trazer consultorias, programas de
gestão de pessoas e práticas do mercado para dentro de um contexto religioso
pode ser realmente complicado. Afinal, existe o receio de misturar o sagrado
com o “profano” e, então, desviar-se do caminho.
“Nossa vocação é o trabalho
direto com as pessoas, mas, com o tempo, fomos assumindo funções burocráticas
dentro dessas estruturas”, diz o padre Jaldemir Vitório, presidente da
Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter).
Para ele, o ideal é saber
aproveitar a inevitável participação dos leigos. “Eles têm certa liberdade de
comandar que, muitas vezes, falta nos padres e nas freiras”, diz.
“Existe uma
confusão de que, por sermos religiosos, não podemos corrigir ou dar voz de
comando, como se essa postura fosse contrária à natureza espiritual.”
Segundo Helena Bonetti, da
Wepeople, não é só o religioso que vê com maus olhos a contaminação do
espiritual pelo mundano. Quem está do lado de fora também desconfia quando uma
associação começa a profissionalizar sua gestão, o que, em sua análise, é um
enorme equívoco, já que a missão dessas entidades está preservada na medida em
que a preocupação com os valores apareça nos processos, como os de seleção e
promoção de pessoas.
“Não adianta indicarmos alguém
com foco no resultado para gerente financeiro. O que elas querem saber é se ele
compartilha dos mesmos valores”, diz.
Por isso, antes de buscar
candidatos no mercado, Elizabeth Leonetti, diretora de gestão de pessoas da
Associação Congregação de Santa Catarina, toma o cuidado de pedir indicações
para as freiras.
“O exercício de recrutamento tem sido compartilhado. É a
junção das ferramentas de RH com o olhar diferenciado das irmãs”, diz
Elizabeth.
Para a profissional de RH, que
teve passagem por empresas como Net e Fnac, a maior dificuldade, contudo, não é
o alinhamento de valores, mas a atração de mão de obra.
“Nem todo mundo sabe
que somos uma organização profissional, e isso é uma barreira para o candidato
chegar”, diz.
Fonte: http://exame.abril.com.br
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