Ministro Machete foi ao Teerão dizer que jovens vão transformar o mundo
As estudantes iranianas Latifi e
Zahra gostaram de ouvir o ministro português Rui Machete dizer hoje, na
Universidade de Teerão, que "é a juventude que vai transformar o
mundo", de preferência "para melhor".
O chefe da diplomacia portuguesa,
que hoje termina a visita oficial de dois dias ao Irão, discursou ontem (26/01), perante
um auditório cheio, dirigindo-se diretamente aos estudantes universitários de
um "país bastante jovem", que têm sido, ao longo da história
iraniana, atores dos mais significativos protestos a favor da democracia e da
liberdade no país.
Por isso, Rui Machete aproveitou
para dizer que espera que a juventude iraniana receba "a educação e as
oportunidades que lhe permitam escolher o caminho do desenvolvimento, do
crescimento, da democracia e da paz".
Na plateia, maioritariamente
masculina, estavam algumas mulheres. Latifi, de 35 anos, era uma delas.
Terminado o mestrado, está a pensar se continua para doutoramento, porque já
trabalha.
"As iranianas casam-se, têm
filhos, estudam e trabalham ao mesmo tempo", relata, confessando que não
sabe bem se quer isso para si, ainda que não seja comum que uma mulher da sua
idade seja solteira.
Rapazes e raparigas recebem
tratamento igual na universidade e, "mais do que antes, hoje há
oportunidades de estudo e trabalho para as mulheres", assegura, admitindo
que, "de certa forma", a liberdade aumentou com Hassan Rohani, o
atual Presidente.
Zahra, de 30 anos e investigadora
na universidade, concorda, mas realça que ser "mais reformista" do
que Mahmud Ahmadinejad, o anterior chefe de Estado, não era difícil.
"Estamos à espera para ver o que Rohani vai fazer", diz.
A Universidade de Teerão, centro
da discussão política e palco de regulares tensões com o sistema dos
ayatollahs, tem estado "calma, sem protestos".
Hoje, assinou um
memorando de entendimento com a Universidade de Lisboa, que reforça a
cooperação e aumenta as oportunidades para os estudantes de ambos os países.
Existem cerca de 50 alunos
iranianos em Portugal, que quer aumentar esse número. Teerão também gostava de
receber alunos portugueses e tem ainda outros desejos: um professor de língua
portuguesa e livros em português para a biblioteca, Latifi e Zahra lamentam que o
exterior tenha "uma imagem distorcida" do Irão.
"Não somos um
país de radicais", frisa a primeira, culpando os "muitos
inimigos" da república islâmica, liderados pelo "imperialismo",
por essa visão deturpada da realidade. "Não conhecem nem querem conhecer o
Irão", critica.
Zahra tem estudado um dos
arqui-inimigos do Irão: os Estados Unidos. Reconhecendo que será difícil
recuperar o tempo do corte nas relações entre os dois países, afirma que espera
progressos.
“A islamofobia, lamenta, é hoje
uma realidade, e a Europa e os Estados Unidos têm responsabilidades, por
seguirem a visão do "West and the rest [o Ocidente e o resto]".
Na sua alocução, o ministro Rui
Machete não fugiu ao tema quente da religião muçulmana, usada como arma de
arremesso por grupos fundamentalistas e terroristas.
"A religião é um elemento
importante das nossas sociedades, (...), mas a forma como algumas pessoas,
alguns movimentos (...) estão a corromper os seus verdadeiros ideais representa
uma ameaça para as nossas sociedades", alertou.
Essa ameaça não pode ser
ignorada, exigindo um combate conjunto, sustentou. "Temos de permanecer
vigilantes, porque a verdade e a mentira estão separados por um fio de
cabelo", recordou, citando o poeta persa Omar Khayyam.
"A ideia de que a religião é
uma das principais fontes de mal e violência no mundo é errada, injusta e
também perigosa", sublinhou o governante português, frisando que "é
muito importante erguer a voz contra a ignorância".
Ao Irão, Portugal prometeu apoio,
desde que o regime de Teerão se comprometa com a democracia e os direitos
humanos.
Mas "o que é a
liberdade?", questiona Zahra, dando como exemplo o 'hijab', véu que cobre
a cabeça das mulheres iranianas, de uso obrigatório e extensível às
estrangeiras.
"As mulheres usam diferentes
véus. Eu uso o 'chador' [batina negra que cobre as mulheres da cabeça aos pés]
porque gosto e não porque alguém me tenha dito que tenho de usar. Sigo a minha
religião e as minhas crenças", explica, contando que o retira quando sai
do país ou vai até às montanhas.
Se "um homem é do tamanho do
seu sonho", como escreveu Fernando Pessoa, citado por Rui Machete no final
do seu discurso, para Latifi e Zahra uma mulher não sonha menos por estar
coberta por um véu.
Comentários