Muçulmanas são vítimas de agressões nas ruas do Rio de Janeiro – Por Gabriel Sabóia
Mulher sente na pele o
preconceito contra a sua religião e já registrou cinco ocorrências.
A empresária Zahrah Carolina
Bravo, 33 anos, chega à Sociedade Islâmica da Baixada Fluminense para fazer uma
das cinco orações praticadas por muçulmanos ao longo do dia, conforme manda a
tradição.
Porém, antes de cumprir o protocolo de se inclinar em direção à Meca,
cidade na Arábia Saudita, considerada sagrada e alvo de peregrinação dos
adeptos da religião, ela tira da bolsa o véu que deveria ser usado durante o
dia, mas que passou a ser evitado em público desde segunda-feira passada.
Foi quando, numa caminhada por
Nova Iguaçu, recebeu uma cusparada no rosto e acusações de práticas terroristas
devido à vestimenta, associada erroneamente a ações de grupos extremistas do
Oriente Médio.
Foi um episódio de intolerância considerado “leve” por ela e outras
muçulmanas radicadas no Rio de Janeiro, estado conhecido pela pluralidade mas que, de
acordo com as religiosas, vive onda crescente de “islamofobia”. Identificadas
pelas roupas, as mulheres são alvos preferenciais de injúrias e agressões.
“No último mês, os ataques
cresceram de forma proporcional ao número de posts com ‘Je suis Charlie’
compartilhados na internet”, diz a jovem AJ, de 19 anos, que pediu para não ser
identificada, em referência ao atentado terrorista ao periódico francês
‘Charles Hebdo’ em janeiro, em que morreram 12 pessoas, após publicação de
charges que satirizavam o profeta Maomé.
A jovem, como tantas muçulmanas,
vive o medo de assumir a religião. “Sofri bullying a infância inteira”, explica.
“A maioria das pessoas não entende que os episódios que culminam em execuções
terroristas não refletem o Islã, mas sim disputas políticas sangrentas”,
pondera Zahrah.
Mais velha, ela acumula marcas da intolerância pelo corpo e na
memória. No couro cabeludo, espaço no qual os fios não crescem. Fruto de
‘trote’ sofrido em 2010, quando cursava pedagogia na Uni-Rio.
“Apagaram cigarro no meu véu e,
assim, atearam fogo. Era chamada de mulher-bomba e esposa do (terrorista) Osama
Bin Laden ao pisar na sala”, diz ela, que desistiu da carreira. Foi o caso mais
grave de violência dos cinco que culminaram em registros policiais. “O maior
preconceito se vê no dia-a-dia, nos risos e olhares que percebo ao entrar de
véu no trem”, diz.
Os costumes traçados no Alcorão,
livro sagrado da religião, também custaram caro. “Fui demitida de uma empresa
de telemarketing sob o argumento de que escondia o rosto e precisava
interromper o expediente para orar. Hoje muitos muçulmanos só fazem duas
orações por dia (antes de sair de casa e depois de voltar), e não cinco, o que
seria o ideal”, conta.
Medo impede que denúncia seja
feita
De acordo com lideranças muçulmanas,
os números relativos à intolerância religiosa direcionada a islamitas, ainda
que crescentes, são vagos.
“A maioria das vítimas se cala por medo”, explica o
presidente da ABMRJ, Abdulla Muhammaad, que confirma a escalada da violência.
Ele tomou conhecimento de pelo menos quatro casos, no último mês, no Rio de
Janeiro. As agressões, difundidas pelas redes sociais, fizeram com que uma
página voltada a denúncias fosse criada na internet, na última semana.
Através do site:
www.islamofobia.com.br, as vítimas podem fazer relatos e receber amparo e
orientações de como agir em casos extremos. Criador do site, Juliano Souza diz
ter tomado a iniciativa após casos de pichações em mesquitas de São Paulo.
Diretor da Sociedade Beneficente
Muçulmana (SBM- RJ), Sami Isbelle teme que casos pontuais se tornem mais
constantes. “Entre os homens, as roupas passam desapercebidas e, por isso, não
são alvos de tantas ironias”. A discriminação faz com que muitas muçulmanas optem
por omitir, ou mesmo mentir, quanto à sua fé. “Quando me perguntam se sou
evangélica e se este é o motivo do comprimento das minhas roupas, não titubeio.
Digo que sou sim”, conta AJ.
No entanto, é a distorção da
doutrina que mais as incomoda. “O que amedronta são os ataques físicos e
ameaças. O que entristece é saber que existem pessoas que pensam que uma
religião pode ‘pregar’ a barbárie. Atos terroristas não são praticados por
verdadeiros muçulmanos, não encontram endossamento nos nossos livros sagrados”,
ressalta Zahra.
Ignorância gera problema
Na opinião do babalaô Ivanir dos
Santos, integrante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, é a
ignorância que move os agressores de muçulmanos. “Referir-se a um islâmico como
terrorista reflete ignorância tão grande quanto a de quem olha para uma favela
e se refere a todos os moradores como ‘bandidos’”, afirma.
De acordo com a SBM-RJ, existem
três mil muçulmanos vivendo, hoje, no Rio de Janeiro. No estado, o número
poderia subir a dez mil. Uma fatia ínfima, se comparada ao 1,5 bilhão de
muçulmanos espalhados pelo mundo, o que faz do islã a religião com maior número
de fiéis.
“Mesmo assim, se perguntarem qual é a primeira palavra que vem à
cabeça do grande público quando se fala em islamismo, muitos dirão ‘terrorismo’.
Uma pena”, lamenta Sami Isbelle.
Os islamitas seguem o Alcorão e
são fiéis à mensagem de Deus por meio do que disse o profeta Maomé, no livro
escrito no século VII. O seguidor do islamismo tem como algumas de suas
obrigações, de acordo coma doutrina, “promover o bem e reprimir o mal, evitar a
usura e o jogo, além de não consumir álcool e carne de porco”.
Fonte: http://odia.ig.com.br
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