Por que tentamos convencer? – Por Sara Maia
Na tentativa de tornar o
pensamento do outro semelhante, o ser humano é capaz de usar variadas
estratégias para convencer sobre a veracidade de sua fé e de seus seres
divinos. Insistência exacerbada, entretanto, pode minar relações pessoais.
Quando o assunto é religião, um
comportamento recorrente e nem sempre aprazível para quem experimenta é a
tentativa de convencimento a todo custo. Munidos de argumentos, seguidores de
várias religiões tentam fazer com que as outras pessoas, geralmente as mais
próximas, acompanhem as mesmas formas de pensar, de amar e de entender o
divino.
Na maioria dos casos, não é por intenção negativa e nem por má índole.
Quando o amor transcendental transborda dentro de nós é necessário desaguar de
alguma maneira, conforme explicam os especialistas ouvidos pelo O POVO.
Para “levar a boa nova” aos
amigos, no entanto, é necessário ter discernimento. O outro pode já ter crença
formada e maneira própria de se comunicar com o ser sagrado (ou com os seres
sagrados). Fé é particular. E as tentativas de convencimento, quando não são
frutíferas, podem minar as relações pessoais e despedaçar laços afetivos pelas
sucessivas insistências.
Afinal, quem nunca se viu constrangido por um primo ou
por um vizinho que deseja, de todas as maneiras, explicar o amor ao sagrado em
seus próprios termos? Ou quem nunca se sentiu incomodado ao ver e ouvir
referências negativas aos seus deuses e as suas igrejas?
“Para esses religiosos, o ‘outro’
sempre está no erro, no caminho da perdição. Mas também existem formas de
religiosidade que não são proselitistas nem atacam outras crenças. Veja-se, por
exemplo, as religiões afro-brasileiras (candomblé e umbanda, principalmente), o
espiritismo e outras correntes espiritualistas, que não pretendem dominar ou
salvar o mundo dito profano, mas atender aos anseios íntimos dos indivíduos,
resolução de problemas espirituais ou físicos, auxiliar o desenvolvimento, a
harmonização com o ser humano e com as forças da natureza”, lembra Marcos José
Diniz, historiador e doutor em sociologia.
Julgamento
É preciso entender, ainda, que as
tentativas de convencimento não partem de todos os praticantes de determinada
religião. Não é possível, como explicam os especialistas ouvidos pelo O POVO,
julgar toda uma multidão pelas atitudes de uma ou duas pessoas em específico. Um
praticante pode tentar convencer alguém sobre a superioridade de seu
relacionamento com o transcendental, mas isso não significa que todos os
indivíduos daquela crença terão comportamento semelhante.
A boa convivência
entre os vários grupos também depende desse entendimento. Podem acontecer,
ainda, casos em que as pessoas não acreditam na existência de seres divinos ou
transcendentais. A necessidade de respeitar é a mesma.
Conforme explica Fábio Gomes de
Matos, professor associado de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará
(UFC), o ser humano ainda tem uma necessidade de tornar o outro semelhante,
como um espelho.
“Nós costumamos acreditar, de forma muito certeira, que nossos
posicionamentos estão corretos. E não entendemos como as pessoas mais próximas,
filhos, maridos, esposas, amigos, podem questionar algo que estamos vendo como
correto”.
Por isso, ele diz, as situações
de convencimento extremo não estão relacionadas apenas com religião, mas também
com política, futebol, preferências artísticas. “É a não aceitação do outro.
Não vamos aos estádios para ver quem jogou melhor, mas para verdadeiras guerras
campais. Mas os seres humanos precisam entender que não podemos destruir os
demais por não desejarem ser iguais a nós”, explica. (Isabel Costa).
Depoimentos
“A premissa maior deve ser: o
diferente não é meu inimigo, mas deve ser meu professor. O diferente tem o que
eu não tenho, me complementa, me enriquece. Hoje as pessoas dizem que o
diferente é inimigo. Sendo diferente, não aceitam. Às vezes, nem conhecem a fé,
a religião ou a doutrina do outro, mas não aceitam. É triste. A palavra não é
tolerância. Pois tolerância me coloca em superioridade e eu tolero o outro.
Devemos ter convivência em amor. Entre partidos políticos, torcidas de futebol,
fiéis, entre famílias”; Pastor Munguba Júnior, presidente do Conselho de
Orientação do Ensino Religioso do Estado do Cear.
“O fanatismo leva ao absoluto as
suas próprias ideias e quer impor estas ideias através da destruição do outro.
‘Você não pensa como eu e deve ser eliminado’, dizem. O pior é fazer isso em
nome de Deus. Isso não é fé. É algo distante e oposto ao agir de Deus. Deus é
aquele que existe nas experiências humanas de religião, de vida, de amor, de
perdão. É o Deus do bem. Não destrói a vida, mas garante a vida e constrói. Os
atos extremos são doentios, pois levam ao absoluto algo que é opinião pessoal e
impõem essas opiniões sobre os ombros dos outros”; Padre Luís Sartorel,
assessor diocesano das Pastorais Sociais de Fortaleza e coordenador do Centro
de Estudos Bíblicos.
Intolerância
“O Ocidente é colocado como
evoluído, mas nós, mulheres, temos batalhas diárias. Somos barradas em algumas
empresas por usar o véu, como se fosse impedir de usar a nossa inteligência.
Não consideram a competência, mas, sim, o véu. Isso é uma intolerância.
Subjetiva, porém intolerância”; Karine Garcez, muçulmana.
Fonte: http://www.opovo.com.br
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