As novas invasões bárbaras - Por José Luís Correia
Cristãos perseguidos e
massacrados, mulheres espancadas, apedrejadas até à morte ou abatidas à
queima-roupa em plena rua por não estarem “devidamente” cobertas ou
simplesmente por vestirem um pulóver de cor vermelha, “infiéis” capturados,
torturados, degolados, decapitados, imolados vivos dentro de jaulas, crianças
escravizadas, utilizadas como escudo humano ou crucificadas e enterradas vivas.
E tudo isso vangloriado, propagandeado, em vídeos ignóbeis e abjectos exibidos
na internet.
A barbárie do Estado Islâmico
parece não ter limites, é aterradora, brutal, bestial (sem ofensa para os
animais, parafraseando Dostoievski). Não tem ideologias nem credo. Não tem! Que
ideologia, que religião, em nome de que deus se praticam estas atrocidades
inomináveis? Não! Não é religião nem guerra santa, é apenas vontade de propagar
o caos e a selvajaria.
As últimas vítimas do ódio
jihadista são obras de arte milenares do museu de Mossul, no Iraque. Estelas
babilónicas, um touro androcéfalo alado assírio, estátuas do período
helenístico, todos destruídos à marretada, com picaretas, maços e martelos pneumáticos.
Uma devastação similar à destruição das obras de arte incas, maias e astecas
pelos primeiros conquistadores espanhóis no início do século XV.
Mais de dois
mil livros, pergaminhos, manuscritos e gravuras, alguns com mais mais de 5 mil
anos, foram queimados pelos jihadistas, em Janeiro, num dos maiores autos-da-fé
de que há memória desde o incêndio da biblioteca de Alexandria.
Foi ali, no Iraque, que brotaram
as mais antigas sociedades humanas, que se redigiram os primeiros códigos de
lei, que se elevaram do barro as primevas cidades. São os registos da aurora da
civilização que estão a ser reduzidos em pó, num esforço (gorado, esperamos!)
de os apagar da face da Terra e das páginas da História.
O Estado Islâmico
copiou assim os talibãs do Afeganistão, que em 2001 dinamitaram os budas de
Bamiyan, que ali se erguiam há 1.500 anos.
Todas estas obras de arte,
património de valor inestimável da Humanidade, foram testemunhas da ascensão e
queda de impérios e civilizações, viram passar por eles os séculos e alguns
deles os milénios, foram, se não admirados, pelo menos, respeitados por
exércitos, conquistadores, reis, imperadores e até ditadores para, finalmente,
serem demolidos sem glória por hordas ferozes de extremistas cobardes.
Cobardes, porque uma obra de arte não devolve o murro, não se sabe defender.
Cobardes porque se escondem atrás de uma religião e de um deus para
justificarem os seus crimes e a sua pequenez.
Que ódio é este? Ódio à
civilização, ao ser humano? Onde está o Islão tolerante que foi um exemplo
civilizacional, intelectual e de coabitação na Idade Média? Que leitura
deturpada do Corão leva a actos sórdidos desta índole?
Para o Estado Islâmico todos nós,
ocidentais, somos infiéis a abater, a exterminar. Como o recordou Steve Duarte,
o português que trocou Meispelt, no Luxemburgo, pela Síria, em entrevista à RTP
na semana passada. Steve aproveitou para revelar que ele era um dos webmasters
que criava as páginas internet e os “gloriosos” vídeos para o Estado Islâmico.
Aberrante!
Mas não é só a Europa ou o
Ocidente que devem lutar para erradicar este flagelo islâmico, inimigo de toda
a Humanidade. Todos os países muçulmanos deveriam empenhar-se mais numa luta
sem tréguas contra quem mancha assim a religião de Maomé. Mas quanta
conivência, cumplicidade até, da parte de certas organizações e estados
muçulmanos, sem falar dos príncipes e emires que financiam, cada vez menos
secretamente, os jihadistas! O intuito? Propagar o caos na Europa e no
Ocidente. Para quê?
Objectivos que nada têm a ver com religião, mas com o
desenhar de futuras hegemonias políticas e sobretudo económicas. Já repararam
que a guerra do petróleo entrou numa nova fase, com a exploração em cada vez
maior escala do “ouro negro” a partir das jazidas de xisto?
Esta é a verdadeira
guerra que se trama nas entrelinhas da História e dos jornais. As guerras dos
recursos naturais vão marcar o século XXI. A procissão ainda vai no adro, mas
já se vislumbra um século tumultuoso.
O conflito que opõe Kiev aos
separatistas pró-russos do leste da Ucrânia é uma guerra pelos recursos
naturais. Putin, saudosista soviético, sonha com um novo império russo e não
admite que o travem na sua “gesta”.
Que o diga Boris Nemtsov, conhecido
opositor do presidente russo, assassinado na sexta-feira. Mas a UE e os EUA
também têm responsabilidades no conflito ucraniano. Podem até agitar-se
bandeiras anti-fascistas, pró-democráticas ou pró-europeias, mas são de facto
interesses políticos e económicos que germinaram este conflito, que se espera
não venha a degenerar em guerra civil ou pior, se propague à UE.
Um conflito no
qual não há heróis de um lado, Kiev, UE e EUA, e vilões do outro, Donetsk e
Moscovo. A UE apoia Kiev para garantir o futuro alargamento da sua influência
política a leste e a perenização do fornecimento de gás; Moscovo financia
Donetsk para manter o poderio na região e assegurar o acesso ao Mar Negro.
E face a estas novas invasões
bárbaras ante-portas, o que faz a União Europeia? Os Estados-membros, em vez de
falarem a uma só voz, de se apresentarem como um bloco unido e solidário, estão
cada vez mais divididos.
Em nome de regras económicas dogmáticas, inventadas à
pressa no início dos anos 1990, zangam-se por “tostões”, os “bons alunos”
apontam e punem os “maus alunos”, que ameaçam de exclusão do “clube”. Por outro
lado, intestinamente, outros questionam a própria União, exacerbando os
nacionalismos.
“Há o risco cada vez maior de ver
os guarda-fronteiras que devem defender a Europa contra a barbárie crescente se
tornarem eles próprios fascistas”, advertia em Janeiro, em entrevista ao Le
Monde, o Prémio Nobel da Literatura húngaro Imre Kertész.
Quo vadis Europa, quo vadis Orbi?
Que século XXI nos espera?
Fonte: http://www.wort.lu
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