Igreja católica e sociedade brasileira – Por Frei Betto
Teve início, na quarta-feira de
cinzas, a Campanha da Fraternidade 2015, promovida pela CNBB. O tema é:
"Fraternidade: Igreja e Sociedade.”
O lema: "Eu vim para servir”
(
Marcos 10,45).
A campanha deste ano tem caráter
político, embora apartidário. Como frisa Dom Leonardo Steiner, secretário-geral
da CNBB, "os ensinamentos do Concílio Vaticano II nos levam a ser uma
Igreja atuante, participativa, consoladora, misericordiosa, samaritana. (...)
Os cristãos trabalham para que as estruturas, as normas, a organização da
sociedade estejam a serviço de todos” (Texto Base).
A relação da Igreja Católica com
a sociedade brasileira é historicamente contraditória. Aqui os missionários
desembarcaram trazidos pelos colonizadores. Se houve um padre Antônio Vieira
que se opôs à escravização dos indígenas, nenhum bispo ou sacerdote se destacou
contra a escravidão dos negros. Ao contrário, estes foram usados para erguer
templos e conventos.
Pela Constituição imperial de
1824, o catolicismo se tornou religião oficial do Estado. Embora a Igreja
abrisse escolas pelo país e acolhesse enfermos em Santas Casas de Misericórdia,
ela não implantou aqui, no período colonial, uma única universidade, ao
contrário do que ocorreu na América hispânica, onde os frades dominicanos
fundaram as universidades de Santo Domingo (1538), na República Dominicana; de
San Marcos (1551), no Peru; e de La Habana (1728), em Cuba.
Com a proclamação da República, a
Igreja ganhou autonomia em relação ao Estado. Na primeira metade do século XX,
mirou com simpatia o integralismo, promoveu acirrada campanha anticomunista,
praticou ferrenho antiecumenismo, atacando protestantes e espíritas e
favorecendo o antissemitismo.
Ensaiou ainda uma
confessionalização da política através da Liga Eleitoral Católica, cujos
candidatos deveriam, primeiro, prestar obediência à autoridade eclesiástica,
prática que se repete, hoje, no âmbito de Igrejas evangélicas.
As relações entre Igreja Católica
e sociedade adquiriram caráter progressista a partir da década de 1940, com a
fundação da Ação Católica e de intelectuais que, no Rio de janeiro, se agruparam em torno
do cardeal Leme, do padre Leonel Franca e do Centro Dom Vital. Na década
seguinte, nasceria a CNBB (1952) e, logo, o MEB (Movimento de Educação de Base)
e os sindicatos rurais propostos por bispos.
Embora a CNBB tenha apoiado
oficialmente o golpe de 1964, em reunião no Rio de Janeiro, em abril daquele ano (à qual
estive presente, como membro da direção nacional da Ação Católica), após o AI-5
cresceu a tensão entre Igreja e ditadura. Leigos, religiosas, padres foram
presos, torturados (inclusive Dom Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu) e
assassinados.
A CNBB se tornou a voz dos que
não tinham voz. Assumiu a defesa dos perseguidos políticos, denunciou
reiteradas vezes a ditadura, criou um leque de Pastorais Sociais, fez o papa
João Paulo II, em sua primeira visita ao Brasil (1980), dar as costas aos
militares.
Com o fim da ditadura, a Igreja
prosseguiu sua missão profética na defesa dos direitos humanos e na exigência
de reformas estruturais, como a agrária. Essa atuação se arrefeceu nos
pontificados de João Paulo II e Bento XVI. As Comunidades Eclesiais de Base
perderam apoio episcopal, a Teologia da Libertação sofreu censuras, os bispos
progressistas foram desprestigiados.
No entanto, a CNBB exerceu papel
preponderante na aprovação da lei da Ficha Limpa e, hoje, apoia a reforma
política e o fim do financiamento de campanhas eleitorais por pessoas
jurídicas. Em tempos de papa Francisco, ressurge o profetismo da conferência
episcopal.
Falta à Igreja Católica estreitar
seus vínculos com o mundo da ciência, da cultura e, sobretudo, da juventude,
tornando suas escolas núcleos de evangelização. Como se explica que os
economistas brasileiros mais indiferentes aos direitos dos pobres tenham sido
formados em colégios e universidades católicas?
Frei Betto - Escritor e assessor
de movimentos sociais
Fonte: http://site.adital.com.br
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