Pastor surfista faz culto ao som de Coldplay e diz: "Não podemos ser esquisitos" - Por Carolina Garcia
Igreja Onda Dura de Santa
Catarina atrai três mil jovens ao quebrar tradição evangélica e aceitar gays e
usuários de drogas.
"Tão igreja que nem parece
uma."
Esse é o lema do grupo evangélico Onda Dura, com sede em Joinville
(SC). Com sete horários de culto ao som de Coldplay, Chico Buarque e Jota
Quest, o pastor Filipe Falcão, o Lipão, de 26 anos, encontrou uma forma de
conquistar três mil jovens na casa dos 20 anos e mantê-los dentro da igreja.
“Não queremos ser mais uma igreja, o segredo é ser uma igreja diferente. Não
podemos ser esquisitos no mundo real.”
Aos 18 anos, pouco após sua
conversão na Comunidade Cristã Siloé, fundada pelo seu pai e pastor Evaldo
Estrada, Falcão decidiu criar uma nova igreja, que alcançasse o jovem
contemporâneo. As tatuagens, alargadores e o amor pelo surfe contrastam com a
figura conhecida de um pastor evangélico, mas ele garante não há nada anormal.
“Não tenho essa imagem para
tentar alcançar o jovem. Tenho essa imagem porque sou jovem”, explica, recusando
comparação com a igreja Bola de Neve, que também rompeu os laços com o
evangelismo tradicional. A informalidade, segundo o líder, vai além das
tatuagens e músicas “do mundo real” que são colocadas nos púlpitos da Onda
Dura.
Em cultos na sede e nas outras 12
cidades, pastores da Onda desafiam o conceito de santidade, normalmente tratado
no meio gospel como exclusão do mundo. "Jesus não ouvia música cristã, não
ia às festas cristãs, tampouco só conversava com cristãos. Reavalie o que
é santidade", disse Falcão durante uma pregação em Joinville.
Ao abandonar o tradicionalismo, a
Onda ganhou muitos fiéis gays e usuários de drogas. O segredo, segundo ele,
está em ensinar as palavras de Deus, e não empurrá-las “goela abaixo”, ferindo
os princípios da igreja primitiva.
“Apenas pregamos o que está na Bíblia.
Ela reprova essas atitudes, sim, mas ninguém aqui vai falar ‘você é pior do que
eu’. Se alguém chegar para mim e falar ‘sou gay, fumo maconha e não quero
mudar’, respondo: ‘Beleza, pode continuar’. Não é uma pegada de
imposição”.
“Tome a sua cruz e siga-me”
Uma cena chamou a atenção nas
ruas de Joinville em fevereiro. Milhares de jovens foram vistos carregando uma
cruz de madeira, com meio metro de comprimento, por todos os lugares. Cruzes
estavam presentes em ônibus, salas de aula, banheiros e até na praia. A missão
de 21 dias, praticada no período da quaresma, era parte de uma ação simbólica
da igreja, inspirada nos evangelhos dos apóstolos Marcos, Mateus e Lucas.
“Jesus disse ‘quem vier após mim,
negue a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e me siga’. Ele estava querendo
dizer que para ser um seguidor, a gente teria que morrer para nós mesmos, matar
nosso orgulho, vaidade, pecado”, conta Falcão sobre a ação, garantindo que não
se tratava de um período de penitência, mas de ensino. A ação contou com a participação
de 2,5 mil pessoas.
A cena de ver uma amiga jovem
carregando uma cruz em uma aula de dança assustou Kauane Linassi Leite, de 21
anos. No seu primeiro ano como bailarina da Escola do Teatro Bolshoi, em 2010,
ela foi convidada para visitar a sede da Onda Dura.
“Achei muito estranho ver
aquilo. Fiz catequese e crisma quando era mais nova, mas acabei de afastando da
religião com o tempo. Acreditava em Deus e mais nada”, diz. Após várias
investidas da amiga, resolveu visitar a igreja.
Com um bloco e um lápis, Kauane
ouviu a pregação do pastor Lipão e anotou os pontos que discordava.
“No final do culto, o chamei para conversar. Ele foi tão receptivo com as
minhas dúvidas e críticas, com o tempo fui me envolvendo.”
No ano seguinte, com
19 anos, ela se batizou na Onda, liderou a equipe de dança contemporânea de
balé clássico e jazz e virou pastora. “Eu tinha nojo da palavra. Não sei
explicar como tudo aconteceu.”
Aluna de psicologia, a jovem
enfrentou na faculdade os mesmos olhares estranhos que destinou à amiga que
carregou a cruz na Bolshoi.
“Levei a minha cruz para as aulas. Ela ficava
embaixo da minha mesa, mas levava ao banheiro e intervalos. Recebi olhares
tortos e falas de que era besteira. Mas foi engraçado.” Tudo valeu a pena,
segundo ela. “Precisa compartilhar o que eu vivia. Jesus não é esse cara chato
que muitos pregam."
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