A barbárie e a indiferença – Por Anselmo Borgeso
O direito à liberdade religiosa é
um direito fundamental garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos
de 1948. Mas acaba por ser um dos menos respeitados.
De facto, o cristianismo
já esteve do lado dos perseguidores, hoje é a religião mais perseguida. Os
dados são verdadeiramente trágicos, a ponto de o Papa Francisco ter feito um
apelo à comunidade internacional para que não permaneça "silenciosa e
inerte".
Na via-sacra de Sexta-Feira Santa foram lembrados todos os que
presentemente são perseguidos, nomeadamente na Síria, no Iraque, no Egipto, na
Nigéria, no Quénia, na Coreia do Norte: "Os nossos irmãos são perseguidos,
decapitados, crucificados por causa da sua fé, sob o nosso silêncio
cúmplice."
O secretário de Estado dos
Negócios Estrangeiros espanhol, Ignacio Ybáñez, também reconheceu nesta semana
que "presentemente a situação é dramática", atingindo o seu auge com
o Estado Islâmico: "Em cada hora que passa um cristão é morto."
Nos finais do ano passado, foi
publicada uma obra importante: Le Livre Noir de la Condition des Chrétiens dans
le Monde, com 811 páginas. Dirigida pelo francês J.-M. di Falco, o britânico T.
Radcliffe e o italiano A. Riccardi, contém mais de 70 testemunhos, reportagens
e análises de peritos de 17 nacionalidades.
A religião cristã é hoje
realmente a mais ameaçada e perseguida: entre 150 e 200 milhões de cristãos
encontram-se na situação de discriminação ou perseguição. Concretamente no
Médio Oriente, na África subsariana, na Ásia, são alvo de grupos armados e
organizações terroristas ou sofrem pressão social e repressão do Estado.
A violência sobre a população
cristã no Médio Oriente leva à sua redução constante, por causa do aumento dos
deslocados e da emigração, que podem conduzir ao desaparecimento da presença
cristã na região. Neste sentido, o secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros espanhol lembrou que, embora o cristianismo "mergulhe as suas
raízes no mundo árabe e semita", os números atestam que os cristãos têm aí
uma presença cada vez mais diminuta, representando na actualidade apenas 2% da
população de Israel, Palestina e Jordânia, 4% no Iraque, 8% na Síria, 10% no
Egipto.
Javier Elzo pergunta: Porquê
precisamente os cristãos? E tenta responder. Em primeiro lugar, representam a
religião com maior número de fiéis e mais espalhada: 2300 milhões, dos quais
1200 milhões católicos. São um terço da humanidade, seguindo-se os muçulmanos,
com 1700 milhões.
Depois, num século, entre 1910 e
2010, a distribuição dos cristãos no mundo transformou-se radicalmente. Assim,
na Europa: passou-se de 66,3% para 25,9%, respectivamente; nas Américas: 22,1%
e 36,8%; Médio Oriente e Norte de África: 0,7% e 0,6%; Ásia: 4,5% e 13,1%;
África subsariana: 1,4% e 23,6%.
Este aumento de cristãos fora do
Ocidente é visto em alguns países como constituindo uma ameaça. São
considerados por vezes como pontas avançadas de interesses ocidentais. Por outro lado, há quem os
considere também como adversários na ascensão social. E têm um modo diferente
de viver e de interagir com os outros, considerado inaceitável nomeadamente
para o fanatismo.
E como explicar o silêncio do
Ocidente? O historiador Andrea Riccardi, fundador da comunidade de Santo Egídio
e um dos directores do livro, nota que em grande medida poderá ser esta a
explicação:
"Na realidade, a cultura ocidental alimentou um autêntico
sentimento de culpa por causa das responsabilidades dos cristãos pelas
violências que cometeram ao longo da sua longa história", lembrando a
conquista da América, o colonialismo, as cruzadas, a Inquisição...
O agnóstico Régis Debray aponta
realisticamente para o politicamente correcto, interesses políticos e
económicos e a indiferença religiosa do Ocidente. Afinal, as vítimas são
"demasiado cristãs" para poderem interessar a esquerda e
"demasiado estrangeiras" para poderem interessar a direita.
Mas o filósofo André
Comte-Sponville, que professa um ateísmo com espiritualidade, chama justamente
a atenção para o facto de ninguém poder ignorar as perseguições operadas pela
Igreja, "mas isso não é razão para fazer recair sobre os cristãos de hoje
as faltas e os crimes dos seus predecessores. Ninguém é culpável pelos pecados
dos seus pais. Os direitos dos seres humanos transmitem-se pelo nascimento; a
culpabilidade não. Os cristãos são, antes de mais, seres humanos. O que é
suficiente para outorgar-lhes direitos e, por conseguinte, para obrigar-nos a
deveres para com eles".
Neste sentido, voltarei, no
próximo sábado, à saudação pascal do primeiro, ministro britânico, David
Cameron, reivindicando as raízes cristãs do Reino Unido, que "é um país
cristão", e assegurando aos cristãos perseguidos: "Estamos
convosco." Ignacio Ybáñez também declarou ser um "imperativo
moral" e uma "responsabilidade política" a implicação da Espanha
face à perseguição dos cristãos no Próximo Oriente.
Fonte: http://www.dn.pt
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