Chega ao Brasil 'Submissão', romance polêmico sobre França dominada pelo Islã
Ficção política de Michel
Houellebecq retrata Europa sob as rígidas regras comportamentais que são comuns
em países nos quais líderes políticos se guiam por religião.
Romance de Houellebecq chegou às
lojas francesas no mesmo dia dos ataques de motivação religiosa à redação do
jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, que deixou 12 mortos e 5 feridos.
Um país pacífico, próspero e com
pleno emprego. Uma capital em que as mulheres não trabalham e onde as jovens
abandonam minissaias, adotando vestes "não desejáveis", como véus
islâmicos integrais. Uma Europa em que a poligamia é legalizada, minaretes são
construídos e até universidades públicas como a Sorbonne, privatizadas, acabam
nas mãos de investidores árabes. Depois de vencer em 2010 o Prêmio Goncourt, um
dos mais prestigiosos do mundo, o escritor francês Michel Houellebecq retoma no
polêmico 'Submissão' a crítica às transformações individuais e sociais, desta
vez imaginando uma França islamizada.
'Submissão' é uma farsa, um livro de ficção política que relata a história de François, um professor de literatura da Sorbonne reconhecido por uma tese de doutorado notável sobre J.K. Huysmans. Escritor e crítico de arte que viveu em Paris entre 1848 e 1907, Huysmans não foi escolhido por Houellebecq por acaso: o autor passou pelo naturalismo e pelo simbolismo e escreveu sobre tentações satânicas, mas seu maior ponto de virada talvez tenha sido converter-se, ou submeter-se, ao catolicismo, o que o levou a escrever 'En Route' (1895), 'La Cathédrale' (1898) e 'L’Oblat' (1903) no final de sua vida.
'Submissão' é uma farsa, um livro de ficção política que relata a história de François, um professor de literatura da Sorbonne reconhecido por uma tese de doutorado notável sobre J.K. Huysmans. Escritor e crítico de arte que viveu em Paris entre 1848 e 1907, Huysmans não foi escolhido por Houellebecq por acaso: o autor passou pelo naturalismo e pelo simbolismo e escreveu sobre tentações satânicas, mas seu maior ponto de virada talvez tenha sido converter-se, ou submeter-se, ao catolicismo, o que o levou a escrever 'En Route' (1895), 'La Cathédrale' (1898) e 'L’Oblat' (1903) no final de sua vida.
Houellebecq parte dessa alusão de
François a Huysmans para estruturar sua narrativa. A história se passa em um
futuro próximo, 2022, às vésperas das eleições presidenciais da França. O país
chega ao pleito aos destroços, após dez anos de governo socialista de François
Hollande, atual presidente na vida real.
Nas ruas de Paris, rajadas de
metralhadoras ressoam próximas aos bairros mais centrais. Jovens de movimentos
identitários, de extrema direita católica, e salafistas, ultraconservadores
muçulmanos, lançam-se a um conflito que põe o país à beira da guerra civil,
situação mascarada por uma imprensa manipuladora, que não veicula a gravidade
real dos fatos.
A disputa favorece os extremos e faz despontar uma terceira força política, liderada pelo fictício Mohammed Ben Abbes, candidato da Fraternidade Muçulmana, uma alusão ao grupo conservador Irmandade Muçulmana, que ascendeu ao poder em países como Tunísia e Egito durante a Primavera Árabe.
A disputa favorece os extremos e faz despontar uma terceira força política, liderada pelo fictício Mohammed Ben Abbes, candidato da Fraternidade Muçulmana, uma alusão ao grupo conservador Irmandade Muçulmana, que ascendeu ao poder em países como Tunísia e Egito durante a Primavera Árabe.
Político jovem, habilidoso e com
discurso republicano, Ben Abbes vai ao segundo turno das eleições com a
candidata (real) de extrema direita Marine Le Pen, líder da Frente Nacional
(FN), e acaba eleito graças à decisão do Partido Socialista (PS) de formar uma
coalizão com os muçulmanos.
A eleição é sucedida de uma mudança brutal na sociedade, que Houellebecq, no entanto, descreve como lenta. Em três meses, o país é pacificado, a economia avança.
Então, as transformações tocam a vida de François, o nome próprio serve como um jogo de palavras com "francês", ou o cidadão comum. Professor de literatura apático e alheio à busca pelo sucesso na carreira, o acadêmico vive entre as aulas que dá com indiferença, o deserto afetivo, a desagregação familiar absoluta, as estudantes com quem, às vezes, mantém relações, um envolvimento sem paixão com uma universitária judia que o troca por Israel e a vida sexual fracassada.
A eleição é sucedida de uma mudança brutal na sociedade, que Houellebecq, no entanto, descreve como lenta. Em três meses, o país é pacificado, a economia avança.
Então, as transformações tocam a vida de François, o nome próprio serve como um jogo de palavras com "francês", ou o cidadão comum. Professor de literatura apático e alheio à busca pelo sucesso na carreira, o acadêmico vive entre as aulas que dá com indiferença, o deserto afetivo, a desagregação familiar absoluta, as estudantes com quem, às vezes, mantém relações, um envolvimento sem paixão com uma universitária judia que o troca por Israel e a vida sexual fracassada.
No que diz respeito ao
protagonista, ou seja, "Submissão" traz a típica existência
individual e social, vazia ao extremo, do personagem "houellebecquiano",
que permeia toda a obra do autor: 'A Extensão do Domínio da Luta' (1994),
'Partículas Elementares' (1998), 'Plataforma' (2001), 'A Possibilidade de Uma
Ilha' (2005) e 'A Carta e o Território' (2010).
Foi o fato de captar com
brilhantismo o imaginário e descrever de forma crua e sulfurosa esse perfil
pós-moderno de homem europeu comum, sem rumos, sem fé, esmagado pelas
implicações sociais do liberalismo político, econômico e sexual contemporâneo,
que fez de Houellebecq um sucesso internacional de público e crítica desde os
anos 1990. Não à toa o autor é descrito por muitos como um gênio à espera do
Nobel de Literatura.
Em 'Submissão', Houellebecq repete a narrativa do deprimido crônico, politicamente incorreto, misógino, fracassado na vida privada e em geral bem-sucedido na carreira, para a qual não dá a mínima. Mas, como em 'Plataforma', por exemplo, alia uma temática explosiva ao personagem controverso, a bem da verdade, cada vez menos surpreendente aos olhos dos círculos literários da França.
Em 'Submissão', Houellebecq repete a narrativa do deprimido crônico, politicamente incorreto, misógino, fracassado na vida privada e em geral bem-sucedido na carreira, para a qual não dá a mínima. Mas, como em 'Plataforma', por exemplo, alia uma temática explosiva ao personagem controverso, a bem da verdade, cada vez menos surpreendente aos olhos dos círculos literários da França.
Em lugar do turismo sexual, um
dos temas de seu terceiro livro, o autor põe em destaque uma suposta transição
política, social e religiosa da França. Daí resultam a repercussão
internacional, as discussões acaloradas entre críticos e, claro, suas vendas astronômicas.
"Submissão" tem os grandes méritos de Houellebecq, como a atualidade, a fluidez narrativa, a complexidade e o entrelaçamento de diferentes camadas temáticas e a precisão descritiva, o retrato do ambiente universitário decadente é magistral.
Mas, para detratores, o autor usou o recurso fácil da narrativa do medo que move a extrema direita na França. "Submissão" incorpora em sua história cenários da "grande substituição", uma pseudoteoria descrita em 2010 pelo escritor extremista Renaud Camus baseada na ideia de que, pela imigração e pela fecundidade "minorias visíveis", árabes e negros, se tornarão maioria na França, substituindo a população francesa "de origem", impondo costumes e religião e, em última análise, matando a herança greco-cristã que faz a essência da cultura europeia.
Esse argumento, em geral defendido por minorias fascistas ou de direita católica integrista, mal esconde sua islamofobia e, de tão radical e complotista, foi rejeitado até por Marine Le Pen, líder da extrema direita. Fragmentos esparsos desse pensamento, porém, têm sido incorporados por intelectuais como o historiador e romancista Max Gallo e sobretudo o ensaísta Eric Zemmour, autor de "Suicide Français" (2014), um best-seller no qual desfila clichês sobre a suposta islamização da França.
'Submissão' não faz a apologia aberta da extrema direita. É sutil até mesmo quando coloca a Frente Nacional, da família Le Pen, como último refúgio dos princípios republicanos e do Estado laico, e os socialistas como colaboradores da nova França muçulmana. Também é ambíguo, e pode até dar a impressão de ser um livro "islamófilo", favorável ao Islã, embora o autor tenha definido em 2001 a religião de Maomé como "a mais idiota", ele voltou atrás no que disse.
Houellebecq faz ficção e, portanto, seus personagens são livres para expressar ideias e defender bandeiras, mesmo extremistas. Mas, diante de críticas duras a Submissão, o autor reiterou que não apoia nenhum partido ou nenhuma ideologia. "Eu não sou um intelectual. Eu não tomo partido, não defendo nenhum regime. Eu renego toda responsabilidade, e reivindico a irresponsabilidade" ressaltou em uma entrevista ao jornalista Sylvain Bourmeau, publicada pela revista "The Paris Review".
"Submissão" tem os grandes méritos de Houellebecq, como a atualidade, a fluidez narrativa, a complexidade e o entrelaçamento de diferentes camadas temáticas e a precisão descritiva, o retrato do ambiente universitário decadente é magistral.
Mas, para detratores, o autor usou o recurso fácil da narrativa do medo que move a extrema direita na França. "Submissão" incorpora em sua história cenários da "grande substituição", uma pseudoteoria descrita em 2010 pelo escritor extremista Renaud Camus baseada na ideia de que, pela imigração e pela fecundidade "minorias visíveis", árabes e negros, se tornarão maioria na França, substituindo a população francesa "de origem", impondo costumes e religião e, em última análise, matando a herança greco-cristã que faz a essência da cultura europeia.
Esse argumento, em geral defendido por minorias fascistas ou de direita católica integrista, mal esconde sua islamofobia e, de tão radical e complotista, foi rejeitado até por Marine Le Pen, líder da extrema direita. Fragmentos esparsos desse pensamento, porém, têm sido incorporados por intelectuais como o historiador e romancista Max Gallo e sobretudo o ensaísta Eric Zemmour, autor de "Suicide Français" (2014), um best-seller no qual desfila clichês sobre a suposta islamização da França.
'Submissão' não faz a apologia aberta da extrema direita. É sutil até mesmo quando coloca a Frente Nacional, da família Le Pen, como último refúgio dos princípios republicanos e do Estado laico, e os socialistas como colaboradores da nova França muçulmana. Também é ambíguo, e pode até dar a impressão de ser um livro "islamófilo", favorável ao Islã, embora o autor tenha definido em 2001 a religião de Maomé como "a mais idiota", ele voltou atrás no que disse.
Houellebecq faz ficção e, portanto, seus personagens são livres para expressar ideias e defender bandeiras, mesmo extremistas. Mas, diante de críticas duras a Submissão, o autor reiterou que não apoia nenhum partido ou nenhuma ideologia. "Eu não sou um intelectual. Eu não tomo partido, não defendo nenhum regime. Eu renego toda responsabilidade, e reivindico a irresponsabilidade" ressaltou em uma entrevista ao jornalista Sylvain Bourmeau, publicada pela revista "The Paris Review".
Independentemente de Houellebecq
acreditar nos cenários que descreve ou não, o fato é que, antes mesmo de ser
lançado, "Submissão" e sua fórmula de polêmica viva deu certo. Com a
ofensiva de mídia de sua editora, Flammarion, o livro tomou as discussões
literárias e políticas na França.
Não bastasse, no dia exato de seu lançamento, 7 de janeiro, Paris viveu o trauma do atentado ao jornal satírico "Charlie Hebdo", que resultou em 12 mortos por dois radicais islâmicos. Chocado pelo assassinato de um amigo e por motivos de segurança, Houllebecq suspendeu entrevistas e se retirou, enquanto seu livro seguia sua senda: 120 mil exemplares vendidos em cinco dias, 345 mil em um mês e topo das vendas na França, na Alemanha e na Itália. Na atmosfera de maniqueísmos do Brasil atual, não é difícil prever o futuro próximo.
Não bastasse, no dia exato de seu lançamento, 7 de janeiro, Paris viveu o trauma do atentado ao jornal satírico "Charlie Hebdo", que resultou em 12 mortos por dois radicais islâmicos. Chocado pelo assassinato de um amigo e por motivos de segurança, Houllebecq suspendeu entrevistas e se retirou, enquanto seu livro seguia sua senda: 120 mil exemplares vendidos em cinco dias, 345 mil em um mês e topo das vendas na França, na Alemanha e na Itália. Na atmosfera de maniqueísmos do Brasil atual, não é difícil prever o futuro próximo.
Fonte: http://divirta-se.uai.com.br
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