A PUC e Foucault – Por Marcelo Barros
Apesar de ter muitos amigos que
atuam na Academia e ter o maior respeito pelas grandes e veneráveis
Universidades brasileiras, estou mais inserido em movimentos populares,
comunidades eclesiais de base e pastorais sociais.
Entretanto, senti-me tocado
ao ler que os responsáveis maiores pela PUC de São Paulo teriam proibido que se
instaurasse no Curso de Filosofia da Universidade uma cadeira sobre Michel de
Foucault. Do modo como a notícia me chegou, a sentença contrária teria sido da
direção da arquidiocese, responsável maior pela Universidade Católica.
Tenho dificuldade de compreender o que está por trás de tal atitude. Antes de mais nada porque, independentemente da linha ideológica, teológica e social a qual o atual arcebispo e seus auxiliares diretos se sintam ligados, são responsáveis por uma Igreja Católica, isso é, por princípio universalista e capaz de conviver com a diversidade e o pluralismo de posições. Principalmente, em uma metrópole cosmopolita como São Paulo e com a história que essa Igreja local tem dos tempos de censura e ditadura política, por mais que se queira compreender, fica difícil assimilar uma atitude tão provinciana, obscurantista e além do mais contraproducente.
Obscurantista por não se
justificar com argumentos e sim com a força do poder eclesiástico, como
antigamente a Igreja se sentia com o direito de publicar lista de livros
proibidos para católicos. Agora, um representante da hierarquia ressuscita um
autor proibido. É difícil compreender quem ganha com isso.
Contraproducente porque, ao
contrário de impedir, divulga a ideia. Soube que, à medida que a notícia se
tornou conhecida, jovens que começam agora a universidade decidiram formar um
grupo de estudos sobre Foucault. Interrogados sobre a causa da decisão,
responderam:
"A censura da direção da PUC atiçou nossa curiosidade. Se ‘a
Igreja’ resolveu comprar uma briga desse tamanho com a intelectualidade do
nosso tempo, esse autor deve ser muito importante e devemos conhecê-lo”.
Além dos motivos humanitários,
intelectuais e metodológicos contrários a tal atitude, mesmo como atitude
pastoral, os responsáveis pela PUC dão uma imagem de Igreja que não se
esperaria na conjuntura atual. Afinal, o atual arcebispo de São Paulo, há
poucos anos, foi visto até como candidato ao papado. E ele, ao menos, assumiu
essa postura. Agora, uma atitude como essa com relação à PUC dá a impressão de
alguém que dá um tiro no próprio pé.
Será que não houve ninguém
suficientemente sensível entre os assessores mais diretos que lhe mostrasse o
desastre dessa orientação na linha da censura pura e
simples ao nome de um dos maiores filósofos e pensadores do século XX?
Por que
não abrir o debate sobre o ponto do ensinamento ou teoria sobre o qual a
direção da PUC não pode concordar ou pensa ser prejudicial à linha de uma
Universidade Católica? Afinal, a discordância é sobre alguma obra específica ou
sobre toda a produção intelectual de Foucault ou ainda sobre a própria pessoa
dele?
Nos anos 80, em uma diocese de
Minas Gerais, o bispo proibiu os padres da sua diocese de lerem as obras de um
determinado teólogo. Um dos padres ponderou:
"Mas, além dos livros de teologia
propriamente dita, esse teólogo tem livros sobre espiritualidade e oração,
sobre ecologia e até escreveu contos. É tudo proibido, ou o senhor acha
prejudicial tal livro, mas podemos ler outros? O bispo respondeu: "Se eu
proíbo vocês de lerem os livros dele, como eu daria o mau exemplo e leria
algum? Não li nenhum. Estão todos proibidos”!
Proibir uma Universidade de abrir
uma cadeira em homenagem a um filósofo parece com a posição de tal bispo,
santo, mas limitado. Diante de tal postura dos responsáveis por uma Igreja
local da importância da arquidiocese de São Paulo, como fica o Papa Francisco
que propõe celebrar 50 anos do Concílio Vaticano II através de um jubileu da
misericórdia e para retomar o diálogo amigo entre Igreja e a humanidade atual?
É certo que a maioria dos bispos
e padres da geração atual foram formados quando esse diálogo iniciado
amorosamente pelo papa João XXIII já tinha sido interrompido. É também verdade
que o modelo de Igreja dominante com o qual se comprometeram ao se tornar pastores
não foi esse de uma Igreja "em saída”, isso é, irmã e parceira de todos os
que querem construir um mundo novo possível.
Mas, seja como for, minha
esperança seria que quem afirma sempre acreditar tanto em uma Igreja
centralizada e institucionalmente organizada, fosse ao menos capaz de obedecer
quando o papa que eles consideram chefe supremo da Cristandade assume uma
posição clara e dá uma orientação diferente daquela a qual eles estavam
habituados.
Era de se esperar que, ao menos,
aqueles que sempre defendem a linha dura da disciplina, fossem mais
disciplinados e seguissem a linha do papa. Eu, e os que pensam como eu, o
seguimos não apenas por ele ser o bispo de Roma, e sim porque ele nos chama a
viver o evangelho de Jesus. Mas, como Paulo afirmou:
"Se o Cristo é
anunciado por alguns, movidos por amor e por outros, motivados por ciúme e
interesses menos nobres, contanto que ele seja anunciado, sempre me alegrarei.
O importante é que o Cristo e o reino de Deus sejam testemunhados” (Cf. Fl 1,
18).
Marcelo Barros - Monge
beneditino, escritor e teólogo brasileiro. Em 1969 foi ordenado padre por Dom
Helder Camara e, durante quase dez anos, de 1967 a 1976, trabalhou como
secretário e assessor de Dom Hélder para assuntos ecumênicos. É um dos três
latino-americanos membros da Comissão Teológica da Associação Ecumênica dos
Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT), que reúne teólogos da América Latina,
África, Ásia e ainda minorias negras e indígenas da América do Norte. Pernambuco,
Brasil.
Fonte: http://site.adital.com.br
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