Ensino religioso na escola pública: afinal, que 'religião' é essa? – Por Guilherme Perez Cabral
Na semana passada, ganhou
destaque a discussão do ensino religioso na escola pública.
A matéria está
sendo discutida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em ação direta de
inconstitucionalidade (ADIN), movida pela Procuradoria-Geral da República,
órgão máximo do Ministério Público da União. Em audiência pública, promovida
pelo Ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo, diversas entidades da
sociedade civil defenderam seus pontos de vista, promovendo um diálogo sobre o
tema.
Foi a mesma semana em que fomos
surpreendidos com uma notícia triste e absurda. Uma criança de 11 anos,
praticante do candomblé, foi apedrejada por causa da sua religião. Aqui,
prevaleceu outra linguagem. A absoluta intolerância religiosa.
Falemos do debate. Na ação
judicial, o Ministério Público pede que o STF, responsável pela
"guarda" da nossa Constituição, dê ao tema do ensino religioso em
escola pública, uma "interpretação conforme" o texto constitucional.
De acordo com o Art. 33 da lei de
Diretrizes e Bases – LDB (no 9.394/1996), o "ensino religioso, de
matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e
constitui disciplina de horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil,
vedadas quaisquer formas de proselitismo".
O texto legal acompanha, assim, o
que está escrito no Art. 210, § 1º, da Constituição. Ocorre que a mesma
Constituição estabelece o princípio da laicidade (Art. 19). O Estado brasileiro
é laico. Deve se manter neutro em relação às questões da fé. Deve respeitar
todas as religiões, sem tomar partido de nenhuma delas.
Nesse cenário, a tese defendida,
na ADIN, é a seguinte: a única forma de harmonizar o caráter laico do Estado
com o ensino religioso na escola pública é a adoção do que se denomina
"modelo não confessional". A escola pública não deve ser espaço para
o ensino de uma confissão específica. Nem interconfessional, ecumênica. O
ensino religioso tem um lugar reconhecido e respeitado pelo Estado: a escola
privada confessional.
Desse modo, a interpretação
conforme a Constituição, para o Ministério Público, remete, no caso, a um
ensino ministrado por professor da rede pública e não por um orientador
religioso ou por um representante dessa ou daquela igreja. Deve se voltar à
exposição e reflexão sobre as doutrinas, a história e as práticas das
diferentes religiões, confrontando-as, inclusive, com visões não-religiosas.
Deve, enfim, seguir uma perspectiva antropológica, filosófica e histórica. Sem
imposição de dogmas. Sem evangelização. Sem catequese.
A tese defendida é bastante
adequada. Mesmo quem discorde, não pode deixar de aplaudir a coerência e
profundidade dos argumentos. Há posições divergentes, é claro. É muito
importante que haja argumentos e entendimentos em outros sentidos. E é
fundamental que haja respeito com todos eles.
Falo do respeito, da tolerância
que, diga-se a propósito, a educação religiosa (não confessional ou
confessional), interpretada conforme a Constituição, precisa ter como seu
objetivo, em assuntos de religião.
A semana, na qual se debateu o
ensino religioso na escola pública, trouxe um estudo de caso trágico sobre a
violência e a intolerância religiosa que a educação tem de combater.
Democracia, Estado laico e liberdade religiosa não combinam com apedrejamentos.
Desses caminhos opostos para o
encaminhamento de assuntos de religião, que a questão do ensino religioso na
escola pública siga o diálogo. Que o debate se efetive de forma republicana, no
espaço público, para o bem do ensino público. Acalmemos, então, nossos dogmas,
religiosos ou antirreligiosos, anteriores e imunes ao debate. Deixemos a
intolerância de lado. Superemos o proselitismo, como pede a lei.
Guilherme Perez Cabral - advogado
especialista em direito educacional, doutor em Filosofia e Teoria Geral do
Direito.
Fonte: http://educacao.uol.com.br
Comentários