'O quebra se repete depois de 100 anos em Maceió', diz religiosa – Por Olívia de Cássia
Decepcionada com a falta de
humanidade, de caridade e humanismo, proporcionada pela ação dos funcionários
da Prefeitura de Maceió, no ato da desocupação dos moradores da Vila dos
Pescadores, em Jaraguá, a sacerdotisa Maria Vitória de Lima Oliveira, a Mãe
Vitória, que residia e mantinha um terreiro de candomblé no local, há 35
anos, em depoimento emocionante em vídeo que viralizou na internet, denunciou a ação truculenta para reintegração de posse do local,
acontecida na manhã da última quarta-feira (17/06).
O vídeo com o depoimento da
religiosa falando da demolição do terreiro de candomblé e do ponto de cultura
foi compartilhado na internet por lideranças de cultura, religiosos e
simpatizantes da causa de várias partes do país, que já se manifestaram
indignados com a ação da Justiça alagoana.
A operação foi realizada pela
Polícia Militar, em parceria com a Secretaria de Estado da Defesa Social e
Ressocialização (Sedres), o apoio do Corpo de Bombeiros, Polícia Federal,
Guarda Municipal e outros órgãos municipais.
A reportagem foi ouvir no sábado, 20/06, moradores da Vila dos Pescadores, lideranças de movimentos
culturais e apoiadores que estão mobilizados para buscarem alternativas e
cobrar um posicionamento a quem de direito.
Segundo a religiosa, muita gente
não tem para onde ir e foram para abrigos que a Prefeitura determinou, sem a
mínima estrutura para abrigar seres humanos, principalmente crianças. Mãe
Vitória comentou emocionada que seu terreiro foi demolido, ‘sem dó nem
piedade’, juntamente às casas e barracos do local.
Tudo foi ao chão e quem passou
pelo local neste sábado viu que foram colocados tapumes ao redor, onde antes
eram as casas. A religiosa lembrou que a liberdade de crença é um direito
assegurado na Constituição Federal e que esse direito foi violado barbaramente
em Alagoas.
“Eu não ia construir no local sem
autorização. O oficial de Justiça não teve o mínimo respeito e disse: ‘quem é
Oxalá?’ Por que não pode derrubar o santo?’ Isso me deixou muito
constrangida”, pontuou.
Para construir o templo, a
religiosa conta que pediu autorização à União, meio ambiente, a ocupação.
“São 35 anos que eu morava lá, no templo tinha mais quatro famílias, um total
de quinze pessoas, nós sempre ajudamos as pessoas necessitadas; eles não têm
para onde ir”, desabafa.
Segundo a religiosa, a demolição
das casas, do terreiro e do ponto de cultura foi uma violência inesperada: “A
intolerância e a discriminação que há séculos perseguem as religiões de matriz
africana representam uma das faces mais perversas do racismo brasileiro”,
avalia.
Mãe Vitória comenta ainda que os
oficiais de Justiça do Estado estão despreparados, pois não têm traquejo para
lidar com o ser humano. “Eu estou em choque e decepcionada com o prefeito Rui
Palmeira, em quem eu e meu povo votamos. Prefeito, muito obrigada pelo o que o
senhor fez conosco, esse foi o agradecimento que tivemos pelos votos que demos
ao senhor”, disse ela.
Segundo a mãe de santo, nesse
momento os povos da religião de matriz africana estão vivendo um novo Quebra de
terreiro. “Isso não pode ficar assim. O Estado publicamente reconheceu e pediu
perdão pelo que aconteceu em 1912 e agora acontece outra vez”, pontua a Mãe
Vitória, mostrando a documentação que tem em mãos, com a autorização da União
de funcionamento do terreiro.
A religiosa lembra ainda que o
que aconteceu foi uma violação dos direitos humanos. “Foi uma violação dos
nossos direitos; estou muito constrangida com a forma que eles chegaram; a
abordagem; a crítica à religião; falta de respeito e de consideração. Eles não
quiseram acordo, pedi que me dessem três dias, 24 horas para a gente
organizar as coisas, mas eles não quiseram acordo”, explica.
Mãe Vitória disse que está
morando de favor na casa de amigos e que os pertences do terreiro foram
divididos em outros locais, porque não caberiam na casa onde está alojada.
“Não
posso pagar aluguel, porque uma casa para caber todas as minhas coisas, as panelas
de barros, os santos, tem que ter espaço e o aluguel é alto. Eles estão pagando
um aluguel social de R$ 200 e não dá. Sou viúva e não tenho como pagar”,
observa.
A religiosa destaca que os
oficias disseram que ela tinha que tirar as coisas, urgente, dentro de duas
horas: “Queriam que eu colocasse os móveis e pertences fora, o negócio era
derrubar imediatamente, derrubar logo o terreiro. É tanto que quando deram
início à demolição, foi antes de eu retirar as coisas. Estou me sentindo
constrangida”, reforça.
Segundo a mãe Vitória, se a ação
tivesse sido com outras religiões os oficiais não teriam agido dessa forma: “Eu
queria ver se fosse uma igreja evangélica, ou católica ou outro local. Eu não
vou ficar de braços cruzados e vou procurar autoridades que se comprometeram em
dar apoio e não o fizeram: eles podem ter demolido a construção, mas a nossa
história não vai morrer”, reforça.
A mãe de santo finaliza
observando que ela e todos os demais moradores da Vila dos Pescadores de
Jaraguá estão sofrendo: “Eu não posso ir para os albergues que não tenho saúde.
Eu quero justiça, confio na justiça divina. Ali tem pescador, tem marisqueira,
pessoas dignas, trabalhadores, que convivi muitos anos. É preciso que alguém
ajude esse povo que foi escorraçado de sua moradia”, ressalta.
Fonte: http://www.tribunahoje.com
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