Ensino religioso nas escolas públicas: confessional ou não? - Por Walter Gustavo Lemos
Esta semana, o STF iniciou
uma série de audiências públicas com o objetivo de debater um tema com a
sociedade brasileira, se o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras
deve ser um ensino confessional ou não.
Tal discussão é fruto de uma
atuação democrática da interpretação constitucional, realizada pelo STF no
julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pelo
Ministério Público Federal (MPF), que está aguardando apreciação por aquela
corte, em que o tema central exatamente recai sobre esta questão.
O ensino religioso nas escolas
brasileiras se iniciou ainda no tempo do Brasil colônia, sendo que com a
Constituição de 1891 este ensino foi retirado das grades curriculares
brasileiras, para retornar no ano de 1930, quando Getúlio Vargas promoveu o
Decreto restabelecendo o ensino religioso nas escolas, mas descrevendo a sua
facultatividade.
Governo após governo, foram
surgindo normas que descreviam a disponibilidade desta matéria no currículo
escolar, sendo que a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação descreve que
este ensino deve se dar respeitando a diversidade cultural religiosa do Brasil
e sem proselitismo.
Assim, temos como imbróglio a
resolver como deve se dar este ensino. Três são as formas para ministrá-lo, por
via confessional, onde o ensino é promovido de forma a orientar o aluno ao
conhecimento de uma determinada religião, levando o estudante ao caminho da
profissão desta fé que lhe é apresentada.
O ensino interconfessional é
aquele que ocorre quando o ensino é promovido de forma a orientar o aluno à
adoção de posturas éticas, princípios doutrinários e litúrgicos de certas
religiões, em específico as denominações cristãs, abordando valores paritários
existentes dentro destas religiões, que são ministrados de tal forma
que se tornam compatíveis como confissões religiosas específicas e sem promover
doutrinações, nem exclusividades. (DANTAS, 2004).
Outro tipo de ensino religioso é
o ensino fenomenológico, também chamado de não-confessional, onde o
que se estuda são as manifestações culturais e religiosas
da sociedade, tendo como objeto
de análises as cultos, festas, rituais, feriados,
comportamentos, valores, princípios, etc., de cada religião, de
forma a permitir ao aluno o conhecimento das expressões da fé em suas mais
diferentes formas, a partir de uma abordagem histórico-antropológico das
religiões como um todo e não somente de uma parte e de uma só religião.
A discussão na qual se envereda a
Procuradoria-Geral da República é no sentido de que o ensino religioso nas
escolas públicas deve se dar por meio do tipo de ensino não-confessional, posto
que permitiria ao discente o conhecimento das religiões e a formulação de um
censo crítico sobre as religiões após a “exposição das doutrinas, das práticas,
da história e de dimensões sociais das diferentes religiões, bem como de
posições não-religiosas, como o ateísmo e o agnosticismo sem qualquer tomada de
partido por parte dos educadores.” (site do MPF).
Ou seja, o MPF propõe que o
ensino seja não-confessional, para que assim se atenda ao caráter laico do
Estado brasileiro descrito na Constituição Federal. O pensamento esposado pelo MPF
nesta ação merece ser devidamente aplicado ao presente caso, posto que ao se
permitir que o ensino religioso nas escolas públicas seja um ensino
confessional ou interconfessional, o Estado acabará por promover uma religião,
geralmente a cristã, em detrimento de todas as demais religiões que formam o
Estado brasileiro.
O ensino deve se dar de forma a
universalizar o pensamento do estudante, permitindo que forme um censo crítico
de análise e possa pensar de forma a construir uma consciência própria, o que
não é possível com a adoção dos ensinos confessional ou interconfessional nas
escolas.
Um ensino religioso que se baseie
na discussão com os alunos sobre as religiões e as expressões da fé, de forma
inclusiva, acabará também por cumprir a própria Constituição Federal no seu
art. 1º, que descreve a impossibilidade de promoção de qualquer ato de
discriminação religiosa ou de credo, acabando por ser a escola um agente de
disseminação de uma atuação de tolerância entre as religiões, enviando uma
mensagem à sociedade da necessidade de permissão da livre expressão e profissão
da fé.
Uma discussão desta, que num
primeiro momento pode parecer menos importante, pode trazer bons frutos sociais
num futuro próximo, por permitir a formulação de um censo respeitoso, de
congratulação e tolerância entre o alunato, o que pode levar à diminuição dos
discursos de ódio entre as religiões ou designações religiosas.
Ações educacionais como estas, da
formação de alunos com censo religioso não-confessional, acabarão por impedir
que, no futuro, ocorram eventos como o apedrejamento de uma criança por
expressar a sua fé numa religião afrodescendente, ou a morte de um menor de
idade por membros de uma igreja, pelo simples fato do menor aparentar ser
homossexual, ou, também, o vilipêndio de imagens de representação de uma certa
religião.
Somente uma educação religiosa
universalista, fenomenológica e não-confessional será capaz de criar alunos
tolerantes e que possam viver em harmonia com as diferenças religiosas
existentes numa sociedade plural como a nossa. Não é?
Fonte: http://www.cenariomt.com.br
Comentários