Sheryl Sandberg faz relato sobre amor, religião e morte
Quem já perdeu um ente querido
sabe: a dor da perda é algo indescritível, que muitos não conseguem transformar
em palavras.
Porém, Sheryl Sandberg, vice-presidente de operações do Facebook,
soube muito bem realizar esse feitio, escrevendo uma linda carta em
homenagem ao seu marido falecido, Dave Goldberg.
Goldberg, presidente-executivo da
SurveyMonkey, morreu inesperadamente no dia 2 de maio, durante férias com a
família no México. Segundo o The News York Times, a causa da morte foi um
acidente do executivo na academia em que se exercitava, o que resultou em um
traumatismo craniano.
Após um mês da morte do marido,
Sandberg escreveu as lições que aprendeu com seu falecimento tão repentino,
relacionando a sua religião com o amor e as riquezas da vida. É um relato muito
emocionante e serve de ajuda para aqueles que já passaram por tragédias como a
que ela passou.
Confira abaixo uma tradução da
carta:
"Hoje é o fim do
'Sheloshim', os primeiros trinta dias de luto, para meu amado marido. O
judaísmo denomina de 'Shiva' um período de intenso luto, que dura sete dias
após o enterro de alguém querido. Depois do Shiva, a rotina pode voltar ao
normal, mas é o fim do Sheloshim que marca a realização completa do luto por um
cônjuge.
Um amigo de infância, que agora é
um rabino, recentemente me disse que a oração mais poderosa que ele já leu foi:
'não me deixe morrer enquanto ainda estiver vivo'. Eu nunca teria entendido
essa oração antes de perder Dave. Agora eu entendo.
Penso que, quando uma tragédia
acontece, ela nos apresenta uma escolha. Você pode se render ao vazio que enche
seu coração, seus pulmões, tira sua capacidade de pensar ou até mesmo de
respirar. Ou você pode tentar encontrar o sentido de tudo isso. Nesses últimos
trinta dias, eu fiquei perdida no vazio por muitos momentos. E eu sei que
muitos momentos futuros serão consumidos do mesmo jeito por esse mesmo vazio.
Mas, quando eu posso, eu quero
escolher a vida e o significado.
E é por isso que eu estou
escrevendo: para marcar o fim do Sheloshim e dar de volta um pouco do que os
outros têm me dado. Enquanto a experiência de doar é profundamente pessoal, a
braveza daqueles que compartilharam suas próprias experiências tem me ajudado a
me recolocar nos eixos. Alguns dos que abriram seus corações foram os meus
amigos mais próximos. Outros foram totais desconhecidos que compartilharam
sabedoria e conselhos publicamente. Então, eu estou compartilhando o que eu
aprendi, na esperança de que isso ajude outro alguém. Na esperança de que
exista algum sentido para esta tragédia.
Eu envelheci trinta anos nestes
trinta dias. Eu estou trinta anos mais triste. Eu me sinto como se fosse trinta
anos mais sábia.
Eu ganhei um entendimento bem
mais profundo de o que é ser uma mãe, com a agonia que eu senti quando meus
filhos gritaram e choraram, e com a conexão que minha mãe teve ao sentir meu
sofrimento. Ela tem tentado preencher o vazio na minha cama, me abraçando firme
toda noite enquanto eu choro até dormir.
Ela tem lutado para segurar suas
próprias lágrimas para dar lugar às minhas. Ela tem me explicado que a angústia
que eu estou sentindo é ao mesmo tempo minha e dos meus filhos, e eu entendi
que ela estava certa quando eu vi a dor nos olhos dela.
Eu aprendi que eu nunca vou
realmente saber o que dizer para outros que precisam de conforto. Eu acho que
eu entendi tudo errado antes; eu tentei afirmar a todo mundo que eu estava bem,
pensando que a esperança era a coisa mais confortável que eu poderia oferecer.
Um amigo meu com câncer avançado me disse que a pior coisa que as pessoas podem
dizer a ele é: "tudo vai ficar bem". Aquela voz na cabeça dele ficava
gritando: "como você sabe que tudo vai ficar bem? Você não entende que
posso morrer?". Eu aprendi nesse último mês que ele estava tentando me
aconselhar. A real empatia é, às vezes, não insistir que tudo vai ficar bem,
mas saber que provavelmente não vai.
Quando as pessoas dizem para mim
"você e seus filhos irão encontrar a felicidade de novo", meu coração
me diz: "sim, eu acredito nisso, mas eu sei que eu nunca mais vou sentir o
prazer puro novamente". Aqueles que têm dito "você irá encontrar um
'novo normal', mas nunca será tão bom quanto antes" me confortam mais
porque eu sei que eles estão falando a verdade.
Até um simples "como você
está?" - na maioria das vezes, perguntado na melhor das intenções - seria
melhor substituído por um "como você está hoje?". Quando me perguntam
"como você está?", eu me esforço e me impeço de gritar: "meu
marido morreu há um mês, como você acha que eu estou?". Quando eu escuto
"como você está hoje?", eu percebo que essa pessoa sabe que o máximo
que consigo fazer agora é viver cada dia.
Eu tenho aprendido sobre algumas
coisas práticas que importam. Sabemos agora que o Dave morreu imediatamente,
mas eu não sabia disso na ambulância. A ida até o hospital foi completamente
lenta. Eu ainda odeio cada carro que não deu passagem, cada pessoa que se
importava mais em chegar ao seu destino alguns minutos antes do que dar
passagem para nós passarmos. Eu notei isso enquanto eu dirigia em diversas
cidades e diversos países. Vamos todos sair do caminho! O pai, parceiro ou
filho de alguém talvez dependa disso.
Eu tenho aprendido o quão efêmera
cada coisa pode ser sentida, e talvez isso seja tudo. Que qualquer que seja o
"tapete" em que você esteja, ele pode ser puxado de você sem nenhum
aviso. Nos últimos trinta dias eu ouvi de várias mulheres que perderam os
maridos que vários tapetes foram puxados. Algumas suportaram e lutaram sozinhas
com o sofrimento emocional e a insegurança financeira. Me parece tão errado que
nós abandonemos essas mulheres e suas famílias quando elas mais precisam.
Eu tenho aprendido a pedir ajuda,
e tenho percebido o quanto de ajuda eu preciso. Até agora, eu tenho sido a irmã
mais velha, a diretora de operações, a doadora e a organizadora. Eu não
planejei isso, e quando aconteceu, eu não era capaz de fazer a maioria das
coisas. Os mais próximos a mim foram os que comandaram tudo. Eles planejaram.
Eles arrumaram. Eles me disseram para sentar e me lembrar de comer. E ainda
fizeram muito para apoiar a mim e aos meus filhos!
Eu tenho aprendido que a
resiliência pode ser aprendida. Adam Grant me ensinou três coisas que são
essenciais para a resiliência e que eu posso aprender todas elas.
Personalização: admitir que não é minha culpa. Ele me disse para banir a
palavra "desculpa". Para dizer a mim mesma várias e várias vezes que
não é minha culpa. Permanência: lembrar que eu não vou me sentir assim para
sempre. Que vai ficar melhor. Infiltração: isso não vai afetar cada parte de
mim. É a habilidade de permanecer saudável.
Para mim, começar essa transição
de voltar para o trabalho tem sido salvadora, a chance de me sentir útil e
conectada. Mas eu descobri que mesmo essas conexões mudaram. Muitos dos meus
colegas de trabalho têm um olhar de medo quando se aproximam de mim. Eu
descobri que eles queriam me ajudar mas não tinham certeza de como fazer isso.
"Devo mencionar isso? Não devo falar disso? Se eu falar, o que diabos vou
dizer?". Eu percebi que, para restabelecer a proximidade com meus colegas
que sempre foram importantes para mim, eu precisava deixar eles entrarem. E
isso significava ser o mais aberta e vulnerável que eu podia.
Eu disse para aqueles com quem
trabalho mais que eles poderiam me fazer perguntas honestas, e eu iria
responder. Também disse que tudo bem se eles quisessem falar de como eles se
sentiam. Uma colega admitiu que estava dirigindo até minha casa frequentemente,
em dúvida se entrava ou não. Outro disse que ficava paralisado quando eu estava
por perto, preocupado que talvez dissesse a coisa errada. Falando abertamente
do medo de dizer e fazer alguma coisa errada. Um dos meus desenhos favoritos de
todos os tempos é um elefante na sala do telefone, escrito "isso é o
elefante". Uma vez que enfrentei o elefante, nós pudemos tirar ele da
sala. (Nota da tradução: a expressão em inglês "elefante na sala"
significa quando uma verdade é tão óbvia que não dá para ser ignorada).
Ao mesmo tempo, há momentos em
que eu não consigo deixar as pessoas entrarem. Eu fui a uma noite na escola
quando as crianças mostram aos pais os desenhos nas paredes das salas de aula.
Muitos dos pais, os quais também têm sido muito gentis, tentaram fazer contato
ou falar algo que eles pensavam ser confortável. Eu olhava para baixo o tempo
todo, para que nenhum deles me olhasse nos olhos, com medo que isso me deixasse
pior. Eu espero que eles tenham entendido.
Eu tenho aprendido sobre
gratidão. A verdadeira gratidão pelas coisas que eu tomava como garantidas
antes, como a vida. Como alguém de coração partido, eu olhava para meus filhos
todos os dias e agradecia por eles estarem vivos. Eu aprecio cada sorriso, cada
abraço. Eu não vejo mais cada dia como garantido. Quando um amigo me disse que
ele odiava aniversários e, por isso, não os celebrava, eu olhei para ele em
meio a lágrimas: "Celebre seu aniversário, caramba! Você tem sorte de ter
cada um deles". Meu próximo aniversário vai ser muito deprimente, mas estou
determinada a celebrá-lo no meu coração mais do que eu jamais celebrei um
aniversário antes.
Eu sou realmente agradecida aos
muitos que ofereceram sua simpatia. Um colega me disse que sua esposa, quem eu
nunca conheci, decidiu mostrar seu apoio indo de volta à escola para obter seu
diploma, coisa que ela estava enrolando por anos para fazer. Sim! Quando as
circunstâncias permitem, eu acredito, mais do que nunca, em aprender. E muitos
homens, alguns que eu conheço e outros que eu sei que nunca irei conhecer,
estão honrando a vida de Dave passando mais tempo com suas famílias.
Eu não consigo expressar a
gratidão que eu senti à minha família e aos meus amigos que têm feito tanto
para me ajudar, e continuam fazendo. Nos momentos brutais quando eu sou preenchida
pelo vazio, quando os meses e anos me parecem vazios e intermináveis, só as
faces deles me colocam de volta nos eixos. Minha gratidão por eles não tem fim.
Eu estava falando para um desses
amigos sobre as atividades de pais e filhos que Dave não está aqui para fazer.
Nós pensamos num plano para colocar ele nisso. Eu chorei para ele e disse
"mas eu quero o Dave, eu quero a primeira opção". Ele colocou o braço
em volta de mim e disse "a primeira opção não está disponível, então fique
satisfeita com a opção B".
Dave, para honrar sua memória e
colocar pra cima seus filhos como eles merecem, eu prometo fazer tudo que eu
posso para me satisfazer com a opção B. E mesmo quando o 'Sheloshim' acabe, eu
ainda estarei em luto pela opção A. Como Bono cantou "there is no end to
grief... And there is no end
to love". Eu te amo, Dave."
Fonte: http://exame.abril.com.br
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