"Com imigração, importamos conflitos religiosos"



Sociólogo Hans-Georg Soeffner diz que integrar imigrantes às sociedades alemã e europeia pode evitar graves desavenças culturais, como entre diferentes ramos do islã. Aguardado fluxo de refugiados pode agravar problema.

"O sistema de ensino alemão precisa oferecer as competências linguísticas adequadas aos imigrantes. Sem isso, eles não podem ser integrados", afirma o sociólogo alemão Hans-Georg Soeffner.

Em entrevista à DW, o ex-professor da Universidade de Konstanz e ex-presidente da Sociedade Alemã de Sociologia (DGS), fala sobre o atual fenômeno migratório na Europa, particularmente na Alemanha. Para ele, os países europeus demoraram a enfrentar a questão com seriedade.

Soeffner afirma que a Alemanha está relativamente mais bem preparada para lidar com a chegada massiva de refugiados, mas alerta que, diante do grande número esperado de imigrantes, conflitos culturais podem se intensificar.

DW: O Ministério do Interior da Alemanha prevê que o país receba até 800 mil requerentes de asilo em 2015. Este número lhe preocupa?

Hans Georg Soeffner: Sim, por um lado me preocupa. Isso porque, na verdade, teríamos como lidar comesse número, mas os governos federal e estaduais estão muito atrasados na questão. Nós sabíamos há muito tempo que esta onda de refugiados viria e também que ela aumentaria. A interminável lentidão com a qual a Alemanha se moveu até aqui me deixa desesperado. É preciso se deixar claro que, depois de 1945, a Alemanha é o país que mais recebeu migrantes. Mais do que os antigos Estados coloniais França e Reino Unido. A Alemanha teve que lidar com um grande fluxo de refugiados, grande emigração e imigração, incluindo as primeiras levas dos chamados Gastarbeiter ["trabalhadores convidados"]. Somente até o ano 2000, 23 milhões estrangeiros chegaram à Alemanha. Ao mesmo tempo, 17 milhões de pessoas emigraram. Tivemos, portanto, uma mistura contínua, e isso decorreu razoavelmente bem. Mas, neste momento, tenho a impressão de que ninguém sabe claramente o que isso significa em termos de planejamento.

DW: Qual seria uma política inteligente para enfrentar os desafios atuais?

Não se trata apenas de acomodação. O sistema de ensino alemão – tanto para crianças como para adultos – precisa ficar rapidamente em condições de oferecer as competências linguísticas adequadas aos imigrantes. Sem isso, os refugiados não podem ser integrados [à sociedade]. Além disso, é necessária a cooperação com a Agência Federal para Emprego.

DW: Como o senhor vê a dimensão cultural desta imigração?

Se não transmitirmos de maneira resoluta conhecimentos culturais e linguísticos, vamos ter muito rapidamente conflitos culturais – devido às religiões dos imigrantes. Já temos 4,5 milhões de muçulmanos na Alemanha. O número cresceu gradualmente, de modo que Alemanha ficou relativamente tranquila em relação a conflitos culturais. Mas a imigração atual tem uma dimensão completamente diferente. E vemos que, com ela, também importamos os conflitos religiosos existentes entre os próprios muçulmanos.

DW: O que você espera para o futuro desses conflitos?

Temos que partir do princípio de que esses conflitos irão aumentar. Porque, com os refugiados, também os conflitos religiosos e políticos de seus países de origem vêm para a Alemanha – os conflitos entre sunitas e xiitas, ou entre muçulmanos liberais e salafistas. Nós já conhecemos os conflitos entre turcos e curdos, assim como entre alevitas e o resto dos muçulmanos. A princípio já estamos familiarizados com esse tipo de conflito. Mas, diante do número esperado de imigrantes, os conflitos vão se intensificar. E, por isso, temos que começar a transmitir, o mais rápido possível, os valores alemães – em outras palavras, a Constituição. Só assim os imigrantes saberão quais regras valem aqui.

DW: Atualmente vemos casos isolados de ruptura da ordem pública – como em Calais, Lampedusa e na Macedônia. Observa-se nesses lugares uma espécie de anarquia. Os países europeus têm capacidade de dominar e evitar esse tipo de situação?

A difícil de lidar com a situação, porque durante anos os europeus deixaram o problema se agravar. O Reino Unido permitiu uma imigração relativamente descontrolada, a França também. O sistema de registros britânico é extremamente fraco, não é preciso nem apresentar uma identidade. Os britânicos agora têm que aprender, e é claro que vão aprender. Mas eles empurraram esses problemas durante anos. Dessa maneira, a Europa permitiu que o caos aumentasse. A Alemanha agiu um pouco melhor do ponto de vista organizacional – sem querer me gabar sobre isso. Percebemos de forma relativamente rápida que não poderíamos resolver esses problemas somente com a polícia, mas que era necessário trabalho social específico e órgãos competentes, capazes de distribuir postos de trabalho. Como resultado, temos até agora uma situação um pouco diferente. Portanto, temos potencial [para lidar bem com o fluxo migratório], mas não podemos empurrar os problemas, como fizemos até agora.

DW: Diante da questão dos refugiados, mais uma vez se questiona, o que a sociedade alemã tem como fator de coesão. Qual é a sua resposta?

Com certeza não é uma cultura dominante – há tempos nós não temos mais isto. A força da Alemanha está no fato de termos uma das melhores Constituições do mundo. E ela precisa ser ensinada e aplicada.

DW: Trata-se, então, de uma espécie de patriotismo constitucional...

Sim, é isso que se pretende. Isso inclui a questão da liberdade religiosa, como Ernst-Wolfgang Böckenförde já havia formulado nos anos 1970: o que constitui um Estado secular é determinado pelo quanto ele permite em termos de liberdade religiosa. Ou seja, sociedades com diferentes religiões e agrupamentos ideológicos são sempre frágeis. Precisamos conviver com isso. Elas têm, no entanto, a grande vantagem de se tratarem de sociedades abertas. Mas isso quando o Estado é muito claro e atenta, quase que implacavelmente, para que a Constituição realmente seja aplicada. Todo o resto é uma ilusão.






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