Dá para ser budista e terrorista ao mesmo tempo? – Por Eduardo (Duda) Teixeira
Para justificar a violência,
alguns já usaram o argumento da legítima defesa ou desumanizaram suas vítimas,
comparando-as com animais.
O primeiro e mais importante
princípio de todo budista é abster-me de matar seres vivos. Muitos levam
esse mandamento tão a sério que se tornam vegetarianos. Mas, em
Mianmar, antiga Birmânia, o monge Ashin Wirathu, do grupo 969, prega
abertamente a violência contra muçulmanos.
Duas centenas de pessoas já morreram
nos conflitos desde 2013. Como explicar que uma religião que prega a
não-violência estimule a morte de indivíduos de outras crenças?
Ao longo dos séculos, pensadores
budistas fizeram vários malabarismos intelectuais para justificar as
agressões de seus colegas. Um dos mais recorrentes é usar o argumento
da legítima defesa. Wirathu nunca manda seus seguidores atacarem
muçulmanos. O que ele pede é para eles defenderem a raça, as pessoas e o país (Wirathu
é um lesado. Segundo ele, uma maioria muçulmana quer destruir Mianmar com
a ajuda dos países árabes. Na realidade, os muçulmanos são apenas 4%
da população).
Outra prática comum é a
de desumanizar os inimigos. Na crônica Mahavamsa, do século II,
o rei budista Dutthagamani fez uma guerra santa contra invasores estrangeiros
liderados pelo rei tamil Eara, atual Índia. Um monge o consolou dizendo que a
morte de infiéis do mal não constituiria assassinato, uma vez que os guerreiros
tamis não eram nem meritórios, nem budistas. A morte deles então não
deveria carregar mais peso que a de animais.
Na definição mais básica,
terrorismo é quando um grupo mata inocentes e espalha o medo em
uma sociedade com o objetivo de alcançar um fim político. Os budistas
radicais de Mianmar encaixam-se nessa categoria, embora não tenham algumas
características normalmente ligadas ao terrorismo. Eles não
fazem parte de uma minoria e contam com a proteção das
autoridades locais.
“Muitas pessoas no Ocidente
também têm dificuldade de pensar que budistas podem ser terroristas porque
associam o budismo com meditação, tranquilidade e paz. Essas ideias estão em
desacordo com o conceito ocidental de terrorismo”, diz o
filósofo americano Michael Jerryson, autor dos livros: Buddhist
Fury e Buddhist Warfare (sem tradução para o português).
A disparidade de visões
dentro do budismo é uma consequência de sua evolução histórica. As
vertentes praticadas no Sudeste Asiático são formadas principalmente
por homens que nasceram budistas e que valorizam principalmente os rituais,
a disciplina e a vida monástica. Na escola Theravada, a mais antiga,
divagações metafísicas, filosóficas e éticas são menos relevantes. Já
o budismo ocidental, que chegou à Europa e aos Estados Unidos no final do
século XIX, é quase todo o oposto.
Seus fiéis são, em sua maioria,
pessoas que se converteram, incluindo muitas mulheres, que interpretaram
as escolas budistas segundo valores próprios, como democracia, igualdade e
justiça. Essa turma afastou o budismo das circunstâncias em que esse
se desenvolveu e limpou todo o sangue de sua história.
Eduardo (Duda) Teixeira é
jornalista e editor de internacional da revista Veja. É autor dos livros: O
Calcanhar do Aquiles (Arquipélago), sobre a Grécia Antiga, e Guia Secreto de
Buenos Aires (Record). Em 2011, publicou com Leandro Narloch o Guia Politicamente
Incorreto da América Latina (Leya).
Fonte: http://veja.abril.com.br
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