Páscoa até existe em outras religiões, mas com significados bem diversos – Por Guilherme Cavalcante
Liberdade religiosa tem promovido
visibilidade de outros credos, que fogem da ritualística cristã.
Em um país de tradição religiosa
cristã, sobretudo católica, o feriado da Páscoa, ou Semana Santa, como prega o
catolicismo, afeta a todos sem distinção, seja na fé ou no bolso.
Vai muito além dos costumes
ritualísticos que impregnam a rotina do brasileiro nos dias que antecedem a
celebração, até a economia é afetada pela data. A procura por ovos de
chocolate, peixes e frutos do mar, pão de coco e outros alimentos afins foi
naturalizada, ainda mais quando a sexta-feira de Páscoa é, inclusive, feriado
nacional, independente da religião professada.
Entretanto, por mais que o
período faça mais sentido no contexto do cristianismo, outras religiões também
celebram a data, mesmo que com diferentes significados. E embora seja certo que
as rotinas pascais cristãs influenciem muito as celebrações de outros credos,
cada religião tem seguido para um fortalecimento dos próprios rituais. Afinal,
para além da questão religiosa, há certamente elementos cultural e identitários
na composição de cada credo.
A liberdade religiosa, a
propósito, promove visibilidade da cultura de outros credos, a exemplo do
judaísmo, para a qual a páscoa tem significado bastante diferente. Conhecida
como pessach, a 'páscoa judaica' tem significado diverso das religiões
cristãs e marca a 'festa da libertação', ou seja, a comemoração de quando
hebreus foram libertados do Egito por Moisés, após atravessaram o
deserto e encontrarem a terra prometida, atual Israel.
"O que a gente faz
no pessach é justamente isso, celebrar essa vitória dos judeus guiados
por Deus, através de Moisés. Durante sete dias, a gente fica sem comer nenhum
alimento fermentado. O que a gente come é o matzá, um pão tradicional sem
fermento. Nessa época, nós fazemos muitas rezas e reflexões. Tudo tem uma
simbologia, representa algo do passado do nosso povo", conta a gastróloga
Daniela Feher.
Segundo ela, essas simbologias
são condensadas principalmente na 'keará de pessach', um prato onde
se põe cada componente simbólico do pessach, durante a seder (o
jantar cerimonia no qual culmina o pessach). "Cada elemento tem
um significado e nos ajuda e remeter à cultura judaica e à história
do nosso povo, os sacrifícios de Deus para conosco", afirma.
Rumos diferentes
Historicamente, para resistirem,
estes credos precisaram recorrer ao sincretismo com o catolicismo, um fenômeno
de ressignificação das entidades para um contexto cristão, que
marcou fortemente os rituais do candomblé.
"As casas tradicionais têm uma ligação sincrética muito forte. A
maioria até fecha e suspende todas as atividades durante a quaresma. Assim, a
sexta-feira Santa, para nós, é uma data de resignação perante Oxalá. Vestimos
branco, resguardamo-nos em casa. Não comemos carnes e nem frango, somente
peixe. Não saímos, não festejamos. A páscoa, por outro lado, marca essa
reabertura, o que não deixa de ser um renascimento. Nós nos recolhemos na
quinta-feira nos terreiros. Dormimos lá, acordamos na sexta em jejum pela manhã
para fazer ritos de proteção, acender velas e realizar nossas preces", relata
o Babalorixá Lucas de Odé, 28, dirigente do Axé Dambá Odé, terreiro
de candomblé em Campo Grande.
Um fenômeno diferente tem sido
observado na umbanda, uma religião brasileira, porém, oriunda do catolicismo,
espiritismo, cultos ameríndios e do africanismo. Por muitas décadas, a
aproximação com a páscoa católica no mesmo período, mas a situação mudou.
"Antigamente as pessoas não
tinha liberdade de ser umbandistas, devido ao domínio católico. Por isso as
pessoas antigas eram umbandistas, mas carregavam muitas tradições daquela
religião. Como as coisas evoluíram e houve mais liberdade religiosa nas últimas
décadas, a umbanda fortaleceu-se e, atualmente, não considera mais o calendário
católico", explica Elson Borges dos Santos, diretor espiritual
da Tenda de Umbanda Pai Joaquim de Angola.
Segundo ele, a maioria dos
umbandistas já não seguem os rituais antigos, que muitas vezes até copiavam a
igreja católica, como abstinência na sexta-feira Santa e rituais de lava-pés.
"O que a gente se vale desse
período é que devido ao feriado, a maioria dos terreiros acaba não trabalhando,
mas por questões de médiuns que viajam, a corrente fica pequena... Agora, a
questão de renovação na páscoa, que a igreja católica prega neste período, a
gente prega o tempo todo. Todos os dias, para nós, têm o sentimento de páscoa”.
Por fim, há religiões como o
islamismo, que já nem sequer veem na páscoa algum significado especial,
como explica Omar Ibrahim, coordenador do blog 'A Nova Cruzada', sobre
cultura e religião muçulmana.
"Para nós, muçulmanos, esta
semana não traz qualquer significado espiritual especial, pois não cremos na
morte de Cristo e por consequência, não cremos em Sua ressurreição, uma
vez que só ressuscita, ou volta a vida aquele que morreu", conclui.
Fonte: http://www.midiamax.com.br
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