Fundo ligado ao Ministério da Justiça libera R$ 522 mil para pesquisa sobre ayahuasca – Por Juca Guimarães
Estudo será feito pela USP.
Substância pode causar alucinação e delírios, diz especialista.
O Funad (Fundo Nacional
Antidrogas), ligado ao Ministério da Justiça, aprovou o convênio que libera R$
522 mil para o estudo dos efeitos da ayahuasca, produzida com as mesmas plantas
do chá ritualístico do Centro Beneficente Espírita União do Vegetal, no combate
ao vício em cocaína.
A União do Vegetal tem interesse
na realização de pesquisas que mostrem aspectos positivos da ayahuasca. O
ministro da Justiça Eugênio Aragão foi associado da União do Vegetal e é
simpatizante do chá.
A Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária), por outro lado, mantém a dimetiltriptamina - DMT na
lista de substâncias proibidas no país. A DMT está presente no chá da União do
Vegetal, assim como no Santo Daime e em outras bebidas de seitas ayahusqueiras.
A exceção para o uso da ayahuasca
em rituais, sem risco de prisão por porte de substância proscrita, no Brasil é
garantida por uma resolução do Conad (Conselho Nacional de Políticas Sobre
Drogas) de 2010. Ao consumir o chá, em doses de 50
ml, os associados entram em estado de transe que pode durar até três horas, com
letargia e alterações motoras.
Por isso, após consumir a bebida, os associados
se sentam em espreguiçadeiras durante o transe. As sessões duram a noite toda.
Por sessão, alguns associados tomam até quatro doses de chá. A bebida pode
provocar também vômitos e diarreia, que são interpretados como um processo de
purificação pelos religiosos.
O projeto de pesquisa
"Canabidiol e ayahuasca no tratamento da farmacodependência à cocaína:
possíveis intervenções terapêuticas?" é realizado pelo departamento de
neurociência e comportamento da USP (Universidade de São Paulo), em Ribeirão
Preto, sob o comando do professor Jaime Hallak.
Além da ayahuasca, a pesquisa
também vai analisar os efeitos da substância canabidiol (encontrada na maconha)
no tratamento da dependência em cocaína. A expectativa da União do Vegetal é
que o resultado da pesquisa, previsto para ser divulgado em 2019, confirme
algum efeito terapêutico do chá.
Restrições
O Conad proíbe a comercialização
do chá pelas seitas. Os membros podem fazer doações e pagar mensalidades para a
manutenção das seitas. Também é proibido o chamado "turismo religioso",
expedições organizadas para centros ou florestas com distribuição do chá para
não-membros. Outra determinação do conselho para evitar o uso do chá como
entorpecente é o cadastro das seitas e seus membros.
Em 1991, as religiões que fazem
uso do chá, publicaram uma carta de princípios definindo três diretrizes: não
fazer propaganda do chá, não adicionar álcool ou outras substâncias ao chá e
não comercializar a bebida.
A psiquiatra e presidente da
ABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas), Ana Cecília
Marquês, fez uma análise sobre o uso da ayahuasca em pesquisas
científicas.
R7: Os estudos sobre os
efeitos da ayahuasca no tratamento de dependentes de cocaína são promissores?
Ana Cecília Marquês: Todo
estudo com substâncias que podem causar consequências para o cérebro são
importantes e requerem uma metodologia rigorosa. Se o resultado pode ser
promissor, ainda não tenho uma opinião formada, pois a literatura mostra que o
modelo da terapia de substituição, isto é, administrar uma droga da mesma
classe farmacológica, com as mesmas propriedades, inclusive capazes de causar
dependência durante o tratamento, tem várias complicações e eficácia moderada
para alguns efeitos e baixa para outros. Um exemplo disso é a heroína sendo substituída
pela metadona.
R7: A DMT presente no chá
ritualístico é um entorpecente perigoso?
Ana Cecília Marquês: É
um estimulante do sistema nervoso central que pode causar alucinações,
delírios, despersonalização, desrealização, deterioração do pensamento, do
funcionamento social, laboral e etc. E causar uma psicose.
R7: A religiões que usam o
chá alertam para o perigo da mistura com entorpecentes e álcool. Eu queria
saber se o uso prolongado apenas do chá também não é arriscado?
Ana Cecília Marquês: Sim,
pode ser. Isto é, ainda não temos o acompanhamento do uso crônico para dizer
que não é arriscado. Não estamos avaliando alface, mas sim uma droga
psicotrópica.
R7: A União do Vegetal
diz que o chá é inofensivo e pode ser usado por crianças. A doutora acha
que o chá pode ser usado por crianças e mulheres grávidas?
Ana Cecília Marquês: Não.
Pois já temos conhecimento científico do impacto do uso de drogas psicotrópicas
durante a gravidez no feto. Tanto na formação do cérebro como no organismo como
um todo. Assim como no cérebro da criança, que também está em formação e pode
apresentar uma vulnerabilidade para tal comportamento ou hábito.
Fonte: http://noticias.r7.com
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