Na globalização, o outro somos nós - Rysard Kapuscinski - Por Beja Santos
Ryszard Kapuscinski (1932 – 2007) é considerado uma das figuras monumentais do jornalismo moderno. Felizmente alguns dos seus relevantes trabalhos como: Andanças com Heródoto, O Império ou Ébano, Febre Africana, estão publicados entre nós pela Campo das Letras, editora que recentemente reuniu seis pequenas conferências sobre o Outro, e onde Kapuscinski analisa e interpreta o que é ser europeu ou não-europeu, colono ou colonizado, branco ou negro. É uma fascinante, se bem que meteórica, viagem pela filosofia, pela história e pela antropologia. A mensagem é de uma enorme riqueza: para o outro nós também somos outros (O Outro, por Ryszard Kapuscinski, Campo das Letras, 2009).
O outro ou os outros, tem múltiplas interpretações, podendo servir para distinguir sexos, gerações, nacionalidades ou religiões, entre outras. Enquanto jornalista, Kapuscinski recorda-nos que a reportagem é o género literário de escrita mais colectivo: ouvem-se ou relatam-se histórias de diferentes testemunhos, trabalham-se depoimentos de quem viu, sofreu ou até possui provas sobre a matéria do relato.
Essas pessoas encontradas são tão duais como nós, comportam o ser humano com alegrias e preocupações, mas também o ser humano portador de características raciais, de cultura, de crenças e de convicções. Para o repórter, a questão central que se põe é a relação que existe em cada um de nós, tal como aqueles que depõem nas reportagens. O aliciante é que cada encontro com o outro é sempre um mistério, independentemente da preparação do jornalista.
Kapuscinski recorda-nos que toda a literatura universal é dedicada aos outros, desde os grandes pilares da crença religiosa passando pelos clássicos como Homero ou Hesíodo. Nem sempre houve curiosidade em conhecer povos, usos e costumes, fora do nosso território, houve civilizações inteiras desinteressadas no mundo exterior e o autor refere mesmo que África nunca construiu nenhum barco para ver o que há além dos mares que a rodeiam.
A Europa foi o único continente que revelou interesse pelo mundo, não só de o conquistar e dominar como também de o conhecer. É uma longa história que nos pode ajudar a compreender a curiosidade de viajantes como Heródoto que acabaram por fazer historiografia. Perceber porque é que o nosso pensamento é eurocêntrico ajuda-nos a entender porque é que o choque das civilizações é um dos fenómenos mais antigos da humanidade.
No fim da Idade Média europeia começou a expedição da Europa à conquista do mundo, à subjugação do outro. O Século das Luzes apregoa a ideia da ciência universal e difunde o conceito do “cidadão do mundo”. Chegados ao fim do séc. XX aceitamos o mundo multicultural, enriquecidos pela experiência do renascimento e por toda uma rica aprendizagem de combate ao racismo, à intolerância e ao colonialismo.
A grande novidade é ver hoje o acatamento pela diversidade ao lado da percepção do direito à existência e a uma identidade própria. Como nos recorda Kapuscinski, tudo isto coincidiu com a grande revolução das tecnologias de comunicação que possibilitou o encontro multilateral das culturas.
Fonte: http://www.oribatejo.pt
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