Religiões pedem "justiça climática" e multiplicam pressões sobre os participantes da cimeira - Por António Marujo
Um grupo de bispos e responsáveis católicos de 25 países (incluindo dos mais pobres), representando 180 grupos, irá a Copenhaga com a Cáritas Internacional, para pressionar a cimeira do clima no sentido da "justiça climática" - as políticas a adoptar devem dar prioridade aos pobres e cuidar da herança das gerações futuras.
A Cáritas e o Grupo Católico Internacional para a Cooperação, Desenvolvimento e Solidariedade (CIDSE, da sigla em inglês, a rede de 180 grupos) querem pelo menos mais 131 milhões de euros anuais, dos países desenvolvidos, para que os mais pobres se adaptem aos impactos das mudanças climáticas. E exigem compromissos claros: aquecimento global abaixo dos dois graus, nível estável de concentrações de CO2 na atmosfera de 350 ppm (partes por milhão).
"Os líderes mundiais têm que chegar a um acordo vinculador para a redução de emissões", disse a secretário-geral da Cáritas Internacional, Lesley-Anne Knight, citada pela agência Zenit. Num plano mais vasto, líderes de nove religiões diferentes apresentaram ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, um plano de 60 propostas para reduzir as emissões de dióxido de carbono. Ao receber a proposta, no início de Novembro, numa conferência em Londres, Ban Ki-Moon disse que as comunidades religiosas têm um papel decisivo na luta contra as mudanças climáticas. A escutá-lo, líderes cristãos, muçulmanos, judeus, baha"is, budistas, taoístas, hindus, xintoístas e sikhs.
O responsável do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o norueguês Olov Kjoerven, lamentou na mesma ocasião os poucos progressos feitos pelos políticos. E disse que essa foi uma das razões da aproximação do PNUD à Aliança das Religiões pela Conservação (ARC), rede dinamizada pelo príncipe Filipe de Inglaterra. Uma das iniciativas da ARC (www.arcworld.org) foi a sensibilização dos três milhões de pessoas que fizeram a peregrinação a Meca nas últimas duas semanas. Foi também consciente do papel das religiões - e do cristianismo, em concreto - que o inglês Peter Harris, 57 anos, fundou em 1983, em Portugal, A Rocha, uma organização dedicada a reflectir e promover a dimensão do cuidado presente na Bíblia (ver texto nesta página). "O consumo como "religião" é que está a dar cabo do planeta", diz ao PÚBLICO.
A "teologia da criação"
A relação da pobreza com as alterações climáticas é também um dos temas d"A Rocha. No Quénia, esta associação de cristãos pela biodiversidade tem um projecto de reflorestação e criação de meios de sustento para as comunidades locais. A floresta de arabuko-sokoke, que se estendia por 420 quilómetros quadrados, da Somália ao Norte de Moçambique, era a maior selva seca costeira da África Ocidental. Hoje, está reduzida a poucos quilómetros perto de Mombaça.
A Rocha apoiou a formação de guias turísticos e as verbas recolhidas garantem bolsas de estudo para as crianças. Em troca, as populações apenas se comprometem a não destruir árvores e a participar na reflorestação.
A "teologia da criação" aparece mais fortemente apenas no final da década de 90, no I Encontro Ecuménico Europeu de Basileia (Suíça), realizado em 1989, poucos meses antes da queda do Muro de Berlim. O tema - Justiça, paz, integridade da criação - indicava já a relação umbilical entre as questões do ambiente, da justiça social e da construção da paz.
Esta consciência alargou-se, entre as Igrejas. O patriarca ortodoxo Bartolomeu, de Constantinopla - "o patriarca verde" -, acabou de promover, no final de Outubro, o oitavo simpósio Religião, Ciência e Ambiente, dedicado a lugares ameaçados - desta vez, foi no Mississípi (www.rsesymposia.org). E existe já uma importante Rede Europeia de Cristãos pelo Ambiente (www.ecen.org/).
Nas vésperas da cimeira de Copenhaga, multiplicaram-se iniciativas: um dia de "oração pela mudança climática" em Melbourne (Austrália), onde está reunido desde quinta-feira o Parlamento das Religiões do Mundo e onde líderes de 29 credos diferentes irão dirigir um apelo à cimeira.
Um outro apelo conjunto dos bispos católicos europeus e da Conferência das Igrejas Europeias (protestantes e ortodoxas) aos cristãos do continente sintetiza: "Só uma ecologia humana autêntica, considerando não apenas os nossos direitos, mas também as responsabilidades de uns para com os outros e para com as gerações futuras nos dará os meios de cuidar melhor do ambiente."
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