Sobre crenças e polêmicas - lançamento da biografia Padre Cícero pelo escritor Lira Neto - Por Marcos Sampaio

Passados 75 anos desde sua morte, Padre Cícero Romão Batista ainda é o maior ícone religioso do Nordeste.



Desde o dia em que uma hóstia, entregue por ele, supostamente virou sangue na boca da beata Maria de Araújo, são milhares os devotos que anualmente seguem em romaria para Juazeiro do Norte em busca das bênçãos do Padre Milagreiro. São homens e mulheres de todas as cores e classes sociais que nutrem pelo santo padre um misto de carinho, confiança e devoção. Ainda assim, as opiniões em torno do seu nome não são uma unanimidade, o que torna qualquer estudo ou comentário sobre algo passivo de mexer com os ânimos de muita gente. E foi dentro desse clima que o cearense Lira Neto apresentou na última quarta-feira em Juazeiro o livro Padre Cícero, poder, fé e guerra no sertão, extensa biografia resultado de mais de dez anos de pesquisa.

"Confesso que eu estava um pouco apreensivo. Diria que -apreensivo- é uma palavra até um pouco imprecisa. Eu estava tenso. Um homem que desperta tanta paixão exacerbada, tanto amor e tanto ódio... E eu estava na Meca sertaneja``, relembra o autor. Mais calmo após a prova de fogo, o autor agora chega a Fortaleza onde faz o lançamento no Centro Dragão do Mar. Muito dessa calmaria vem das respostas que tem ouvido sobre sua biografia.

Entre elas está a de Dom Fernando Panico, um dos líderes da campanha pela reabilitação de Padre Cícero que incluiu um exemplar de Padre Cícero, poder, fé e guerra no sertão entre os documentos que serão entregues para a avaliação do Papa. ``Pelo que li até agora, o compromisso e a responsabilidade do autor são confiáveis. Mais do que isso, como jornalista sério, me parece que procura mostrar os dois lados da moeda. Não esconde o que, mesmo com o perigo de sermos anacrônicos, aos nossos olhos hoje poderia ser avaliado como um comportamento desabonador e, na mesma pessoa, mesmo que seja ou Padre Cícero ou Dom Joaquim, o lado bom do personagem``, avaliou o bispo do Crato no lançamento em Juazeiro.

Para Lira Neto, esses dois lados da moeda é o que se mostra mais desafiador na personalidade de Padre Cícero. ``Era um homem dividido entre dois mundos: o da fé, da crença institucionalizada, da hierarquia, da disciplina eclesiástica aprendida no seminário, e, ao mesmo tempo, era essencialmente um sertanejo. Portanto, tem uma visão de mundo muito calcada no pensamento mágico, do maravilhoso em que todo e qualquer manifestação da natureza aparecem como uma manifestação de deus ou do diabo``.

O autor também mostra como uma das suas contradições a habilidade política de Padre Cícero, que com a mesma facilidade que falava ao povo, ou aos ``náufragos da vida`` como chamava, costurava alianças com os donos do poder do sertão. ``Poucas vezes você vê um líder religioso com tamanha inserção no mundo político e com tamanha habilidade. Ele foi um líder político tão polêmico quanto foi como religioso. Um homem muito conservador, que, ao mesmo tempo, conseguiu introduzir na vida política e social do Juazeiro um processo civilizatório de modernização, conservadora, mas modernização``.

Para decifrar essas ambivalências e contradições da personalidade de Cícero Romão Batista, Lira Neto recorreu a uma série de documentos inéditos do Vaticano (``alguns com o carimbo de -secreto-``) e outros cedidos pelo Departamento de História Diocesana do Crato. ``No dia que botei a mão nas 900 cartas trocadas entre os personagens, eu disse -agora eu tenho um livro de fato consistente-``. Essas cartas, escaneadas dos originais, reservam um sabor especial à biografia quando sugerem a circunstância em que foram escritas. "Pude desvendar olhando a forma como aqueles textos eram escritos. A letra garranchuda ou quando aparece a tinta com mais força no papel, talvez num sentimento de uma intensidade na mão que tava escrevendo aquilo".

Agnóstico assumido, Lira Neto lamenta que muitas perguntas a respeito de Padre Cícero e dos seus supostos milagres vão permanecer sem respostas. Isso, muito por conta de dificuldades impostas pela própria Igreja na época que, por exemplo, mandou queimar os paninhos machados com o sangue da beata Maria de Araújo. O próprio corpo da beata sumiu durante uma reforma da Capela de Nossa Senhora do Socorro, onde estava enterrado. ``É isso que é fascinante, porque cada um vai atribuir a essa história os significados que a sua leitura do conjunto de fatos determinar. Se você me perguntar quem é Padre Cícero, eu não saberia te responder numa palavra, nem mesmo num parágrafo e nem mesmo numa lauda. Ele continua, para mim, sendo um enigma``.


SERVIÇO

PADRE CÍCERO, PODER, FÉ E GUERRA NO SERTÃO - Lançamento da mais recente biografia assinada pelo jornalista Lira Neto. Outras informações: 3491 7868.

Fonte: http://www.noolhar.com

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