Ele quer a fé dentro dos hospitais
Claudio Lottenberg, presidente da rede
Albert Einstein e ex-secretário de saúde, já fez reuniões com o
Papa e o Dalai Lama sobre o assunto
Bocejos e olheiras acompanhavam o
médico oftalmologista Claudio Lottenberg, 51 anos, no encontro exclusivo dele
com o iG Saúde.
Reflexos da véspera mal dormida
enfrentada pelo e ex-secretário municipal de saúde de São Paulo (gestão 2006) e
atual presidente da rede Hospital Albert Einstein, uma das maiores na área da
saúde particular e filantrópica do País.
A justificativa, em meio aos pedidos de
desculpa, não tardou a vir: “Operei 12 pacientes na segunda-feira. Amanhã tenho
25 cirurgias agendadas”, dizendo ainda que a jornada tinha terminado a 1h e
começado, novamente, só quatro horas depois.
“Sem contar que tenho uma figura
muito conhecida hospitalizada aqui (unidade Morumbi do Einstein). Mas isso
ninguém sabe, nem você”, disse Lottenberg, apontando para a coordenadora de
marketing da rede hospitalar, que acompanhava a entrevista.
“Não faço promoção pessoal com os
pacientes atendidos. Não quero ser o médico dos famosos, nem dos poderosos,
apesar de ser o médico de alguns deles”, emendou a frase, que alfinetava alguns
colegas médicos de outras unidades hospitalares de renome que ganharam
repercussão nacional por atender políticos de todos os partidos, músicos de
todos os estilos e atores de todos os canais.
Não é a única afirmação dada por
Lottenberg que pode gerar polêmica. O médico é defensor de outras “duas
misturas” que já começaram a ser ensaiadas no setor da saúde do Brasil, mas ainda
não são unanimidades.
A primeira é colocar no mesmo
pacote de atendimento o Sistema Único de Saúde (SUS) e a rede privada. A
segunda é superar, de vez, o divórcio entre ciência e espiritualidade e fazer
da fé dos pacientes um procedimento padrão e essencial da medicina.
“Se não for uma questão
humanista, que seja por uma razão econômica. Já existem pesquisas que mostram
que os pacientes terminais com câncer que exercem a espiritualidade, por
exemplo, dão menos custos aos hospitais do que os com o mesmo perfil que não
têm fé.”
Leia trechos da entrevista com o
especialista que, além da grife Einstein, também é responsável pela
administração do M'Boi Mirim, hospital público da periferia da zona sul
paulistana e 14 Unidades Básicas de Saúdes. Lottemberg é professor da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do MBA em Saúde do IBMEC, além de
autor do livro: "A Saúde Brasileira pode dar Certo" (Ed. Atheneu).
SUS & Plano de Saúde
iG Saúde: Os hospitais
particulares estão com superlotação de pacientes e há demora de meses para a
marcação de consultas. O senhor avalia que os planos de saúde estão repetindo
os mesmos erros já cometidos pelo SUS?
Lottenberg: Tanto o SUS
quanto a saúde suplementar erram de forma muito parecida. Porque ambos centram
o debate para solucionar os problemas somente no dinheiro. Há anos a gestão
pública reclama que falta verba. Há anos também os médicos reclamam que os
profissionais e os procedimentos são mal remunerados pelos planos de saúde. Os
pacientes ficam perdidos nessa discussão e sempre discutimos as mesmas coisas.
Claro que o financiamento é importante e reconheço que é deficiente, mas não
acredito ser este o eixo da questão. A saúde do Brasil é fragmentada. Para o
paciente, pouco importa o local onde será atendido, desde que ele consiga o
atendimento. Minha visão é que SUS e saúde suplementar deveriam atuar
mutuamente, de forma conjunta. Daí os gargalos reais apareceriam e aí sim o
próximo passo seria discutir dinheiro.
iGSaúde: O que o senhor defende é
um modelo de gestão compartilhada entre SUS e saúde privada, como o das
Organizações Sociais de Saúde (OSS), em vigor hoje no M’Boi Mirim?
Lottenberg: As OSSs são um
caminho mas não há única possibilidade de integração entre as duas esferas. Sou
oftalmologista, tenho meu consultório particular e tenho muitas vagas ociosas
para a cirurgia de catarata, por exemplo. Não teria o menor problema em receber
os pacientes que estão na fila de espera do SUS em minha clínica, caso o
Ministério da Saúde distribuísse esta demanda reprimida e pagasse um certo
valor por isso. O SUS ganharia e os consultórios particulares – que estão
ociosos – também. É uma maneira mais real de saber quais são as
verdadeiras deficiências no atendimento. É quando a demanda é vista de forma
integral e não dividida entre público e privado, como se fossem coisas
independentes. Tudo é saúde. Esta parceria, além de não poder desvalorizar o
funcionalismo público, também tem que contribuir para redefinir o papel do
médico. Os médicos precisam olhar o paciente de forma mais integrada.
Papel do médico
iG Saúde: Esse olhar mais
integrado significa que precisamos de mais médicos de família e menos
cirurgiões altamente especializados?
Lottenberg: Não é a formação
e, sim, o olhar do médico. Eu não fiz oftalmologia para só definir se a mulher
é míope ou não. Eu fiz medicina para saber quais são os impactos da miopia na
vida desta paciente e ajudá-la com isso. Ela precisará voltar ao hospital para
regular o grau dos óculos. E esta regulagem, um técnico bem treinado, pode
fazer, deixando a especificidade do tratamento para mim. O médico precisa
entender que ele é maestro de uma equipe de diversas especialidades e que é
preciso dar mais espaço para outros técnicos, sem só brigar por uma reserva de
mercado. Técnicos bem treinados podem medir a pressão e deixar o atendimento
amplo da hipertensão, por exemplo, para o cardiologista. Parteiras podem fazer
parto desde que saibam os limites. Integração da equipe, médicos, técnicos e
outros profissionais da saúde é o que garante o atendimento possível e de
qualidade.
iG Saúde: Mas os médicos estão
preparados e disponíveis para este novo papel e esta divisão com outros
profissionais? E os pacientes, estão preparados para nem sempre serem atendidos
por médicos?
Lottenberg: Ainda é preciso
um trabalho importante com os médicos e com os pacientes. Com os médicos para
que recebam melhor esta função de supervisor de equipe, sem o ranço da disputa
de mercado. Com os pacientes para que não anseiem somente pela figura do
médico. Em uma discussão sobre o que deveria ser atendido em um hospital de
emergência, se era parto, infarto, acidente, a definição é que no
pronto-socorro as pessoas querem que suas angústias sejam acolhidas. E associam
este atendimento ao médico. Por isso, definitivamente, este trabalho sobre o
papel do médico precisa ser feito com os médicos e com os pacientes.
Medicina e fé
iG Saúde: Outro assunto para o
qual talvez os médicos não estejam preparados, e tem sido uma de suas
bandeiras, é a fé na medicina. Por quais motivos os hospitais precisam acolher
a fé dos pacientes?
Lottenberg: Primeiro uma explicação. As pessoas usam a
religião para compreender a fé, porque é um mecanismo mais fácil de
entendimento. Mas a fé não precisa ser atrelada à religião. Na saúde, até os
ateus podem ter os benefícios do que as pessoas chamam de fé. É por meio da fé
que conseguimos gerenciar o estresse, que libera hormônios e neurotransmissores
tóxicos ao organismo. O nervosismo não causa asma em ninguém, mas
cientificamente sabemos que os asmáticos, quando nervosos, podem ter crises
agravadas e morrer por isso. Também é científico que as pessoas que exercem a
fé apresentam melhoras de saúde mais rápida, tempos mais reduzidos de
internação. Já existem pesquisas que mostram que os pacientes terminais com
câncer que exercem a espiritualidade, por exemplo, dão menos custos aos
hospitais do que os com o mesmo perfil que não têm fé. Os hospitais precisam
começar a dar espaço para a fé. Se não for uma questão humanista, que seja por
uma razão econômica.
iG Saúde: O senhor avalia que a
conciliação entre ciência e fé está próxima? Será possível as duas caminharem
juntas?
Lottenberg: Já demos alguns
passos, estamos engatinhando ainda. Só o número crescente de evidências
científicas que mostram os benefícios da espiritualidade nos tratamentos
clínicos já mostra que o divórcio entre fé e ciência está chegando ao fim. Eu
defendo que os médicos, ao menos, se mostrem disponíveis e dispostos em
perguntar se a fé é importante para o tratamento dos pacientes. E se a resposta
for sim que não impeçam o exercício dela. Isso, no Einstein, já é protocolo de
atendimento e uma das bases da nossa missão. Eu já conversei com o ministro da
saúde (Alexandre Padilha), que ouviu atentamente o meu posicionamento. Também
levei esta temática nos encontros que tive com líderes religiosos (mês passado
Lottenberg foi recebido pelo papa Bento XVI). Falei sobre o assunto também com
o Dalai Lama. Ele, acredite, tem um interesse muito grande em neurologia,
sabia?
iG Saúde: E os médicos, estão
preparados para abrir espaço à fé de seus pacientes?
Lottenberg: Einstein já
disse que é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito. Acredito que
começamos este processo. Os médicos precisam ocupar este espaço. Porque
deixá-los vazios é permitir a invasão de pessoas de má fé. Medicina tradicional
é complementada pela espiritualidade e vice-versa. Uma oração não vai
substituir uma droga anticâncer.
Fonte: http://www.midianews.com.br
Comentários