Fome afeta 18 milhões de pessoas em países da África Ocidental e Central – Por Rebecca Blackwell/AP
A atual abundância de vegetação
na faixa saheliana (região da África situada entre o deserto do Saara e terras
mais férteis ao sul) engana.
Isso porque o encorajador início da estação
chuvosa não impediu os efeitos das precipitações erráticas de 2011, responsável
pelas colheitas medíocres, que se sentem hoje. Os países do Sahel estão
atravessando uma nova crise alimentar, depois das que ocorreram em 2005 e em
2010.
Segundo as Nações Unidas, esse
novo episódio atinge cerca de 18 milhões de pessoas, que em sua maior parte
vivem no Níger, em Mali, e na Mauritânia.
Em 2012, mais de um milhão de
crianças sahelianas com menos de 5 anos deverão ser tratadas por desnutrição
severa, o que constitui, segundo a Médicos Sem Fronteiras (MSF), um número
jamais atingido na história das intervenções humanitárias.
A frequência desses centros de
recuperação nutricional está atualmente em seu nível mais alto, avalia o Fundo
das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
“O número de novos casos de
desnutrição severa tratados no Níger é de mil por dia desde abril”, garante
Martin Dawes, seu diretor regional de comunicação.
A situação é particularmente
crítica no Chade, onde o índice de desnutrição aguda entre as crianças com
menos de 5 anos ultrapassa o limiar de emergência de 15% em nove das onze
regiões, segundo a Unicef.
O período de entressafra, que
corresponde ao esgotamento das reservas alimentares dos cidadãos, começou
especialmente cedo em 2012, já em fevereiro, em alguns casos.
Ele deve continuar até as
próximas colheitas, esperadas em outubro. Nesse meio tempo, as famílias
dependerão da disponibilidade de cereais nos mercados.
Só que o aumento dos preços dos
alimentos impede o acesso das populações mais vulneráveis a esses mercados.
Segundo a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), o preço
do painço era, em junho, de 10% a 80% superior à média sazonal.
Mas a preparação precoce – já no
final de 2011 – de uma resposta da maior parte dos Estados envolvidos, das
instituições internacionais e das organizações não governamentais (ONG)
permitiu, diferentemente de episódios anteriores, limitar a extensão da crise.
Distribuições de dinheiro e de alimentos às populações mais vulneráveis, bem
como vendas de cereais a preços subsidiados, foram efetuadas preventivamente.
Alimentos terapêuticos também
foram encaminhados para os centros de recuperação nutricional, para que estes
estejam preparados para atender ao afluxo de pacientes esperado na estação
chuvosa, quando a malária e as diarreias fragilizam as crianças. “A rapidez da
reação dos doadores permitiu evitar que a crise se transformasse em um
desastre”, afirma Martin Dawes.
A ONU calculou em US$ 1,6 bilhão
(cerca de R$ 3,2 bilhões) as necessidades de financiamentos, mas os
compromissos assumidos pelos doadores correspondem a somente pouco mais da
metade dessa soma.
O auxílio de emergência continua sendo amplamente
privilegiado em detrimento de ações que permitam atacar as causas estruturais
dessas repetidas crises. “Fala-se muito em resiliência e em uma necessária
mudança de paradigma, mas a atitude dos doadores não muda de fato”, observa
Gaëlle Bausson, porta-voz da ONG Oxfam no Níger.
A nova estação chuvosa teve
início bem cedo (a partir de maio, em certas regiões) e as precipitações se
mostraram contínuas e regulares, o que teve por efeito aliviar essas populações
pastorais e preencher os lagos, estimulando o crescimento dos pastos. Ainda que
elas também tenham provocado inundações em certas regiões.
“Os dados dos quais dispomos são,
com algumas exceções, animadores”, acredita Martin Morand, diretor regional da
Action Contre la Faim (ACF).
Apesar da perspectiva de boas
colheitas, ainda é cedo demais para comemorar. Os habitantes do Sahel na
verdade se encontram diante de quatro ameaças: o aumento do preço dos alimentos
no mundo, que pesa especialmente sobre países de baixa renda, a
instabilidade política no Mali, o recrudescimento da cólera e a presença de
gafanhotos-do-deserto no norte do Mali e do Níger.
Esses destruidores de plantações,
vindos dos confins da Argélia e da Líbia, encontraram no “Sahel dos pastos” um
quadro favorável à sua reprodução. Depois, tudo dependerá das chuvas. “Se as
regiões onde eles se encontram atualmente secarem, eles podem descer para o
Sahel das plantações em setembro,” afirma Annie Monard, da Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). “Estamos na
expectativa”.
Uma infestação de grande
amplitude poderia ameaçar a segurança alimentar de 50 milhões de pessoas, de
acordo com a ONU. Equipes de monitoramento foram enviadas ao Níger e à parte do
Mali que permanece sob controle do governo central. Uma reunião de
especialistas regionais está prevista para 3 a 5 de setembro em Nuakchott, na
Mauritânia. Mas a impossibilidade de intervir no norte do Mali, em razão da
rebelião em andamento, aumenta os riscos.
Da mesma forma, a presença de
mais de 260 mil refugiados malineses nos países limítrofes agravou a crise
alimentar, aumentando a pressão sobre os víveres disponíveis. Por fim, os
campos de refugiados são um local particularmente propício para a propagação da
cólera, que apareceu no início de 2012 na região.
Segundo a Unicef, 29 mil casos e
700 mortes foram registrados na África Ocidental e na África Central desde o
início do ano. Os países costeiros – entre eles Serra Leoa, onde 176 mortes
foram registradas – e a curva do Níger foram particularmente afetados. “É
preocupante demais,” alerta o coordenador regional da Action Contre la Faim,
“em um contexto de crise alimentar, sendo que as populações já estão
enfraquecidas”.
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