(Tele)Jornalismo como crença - Por Iluska Coutinho
Personagem de destaque na
sociedade brasileira, a televisão pode ser motivo ou pretexto para o lazer,
para a informação, para os encontros, e ainda para as críticas, com maior ou
menor grau de precisão.
Apesar disso, ou talvez exatamente pela sua intensa presença
em nosso cotidiano, sua análise se constitua um desafio, que se renova junto ao
seu fluxo, e às mudanças tecnológicas e mesmo sociais.
Desde 1950, quando chega ao país
em emissões inicialmente restritas a São Paulo (TV Tupi), a TV acenava com a
perspectiva de reduzir as diferenças no acesso ao entretenimento, nos anúncios
que prometiam a chegada do cinema às casas de quem adquirisse um aparelho
receptor.
Ainda que presente desde o segundo dia de programação, o jornalismo
televisivo só veio a consolidar-se mais tarde, à medida que essa mídia se
popularizava, e os avanços tecnológicos permitiam o surgimento de práticas de
reportagem capazes de utilizar as potencialidades e mesmo a linguagem desse
meio.
Desde a década de 1970, contudo o
telejornalismo ocupa um lugar central como meio de informação de significativa
parcela da população brasileira. Marcada pelo predomínio da oralidade como
forma preferencial de expressão, a sociedade é narrada, editada, pelos jornais
televisivos, por meio dos quais deveria em tese se atualizar e (re)conhecer.
Mas seria essa promessa cumprida, em um país que também tem como uma de suas
características grandes diferenças ou variações de hábitos, costumes, origens,
sotaques, culturas e religiões, sem contar com a grande desigualdade social?
As respostas a essa questão
também podem ser diversas, conforme o grau de proximidade com a televisão, suas
práticas de produção e consumo.
De maneira geral, contudo, as queixas de que
haveria uma excessiva superficialidade costumam destacar-se, especialmente
entre aqueles que analisam a televisão a partir de sua inserção social, ou a
partir do que Wolton denomina ideologia política da TV.
Os mais envolvidos com
as práticas costumam responder a essas críticas ressaltando as características,
sobretudo técnicas, do veículo.
Percepção da imagem
Nos últimos anos, o
telejornalismo tem se constituído no Brasil também como objeto de estudo em
profundidade, e mobilizado pesquisadores que se reúnem sobretudo por meio de
sociedades científicas da área de Comunicação.
Desde 2009 a Intercom, Sociedade
Brasileira de Estudos em Telejornalismo, mantém um grupo de pesquisa voltado
especialmente para o jornalismo audiovisual, com a apresentação de cerca de 100
trabalhos nos últimos três anos.
Nos encontros anuais da Associação Brasileira
de Pesquisadores de Jornalismo (SBPJor), desde 2004 há sessões coordenadas
voltadas à apresentação de pesquisas sobre telejornalismo, além de uma rede que
reúne seus pesquisadores.
Grande parte dos textos
apresentados dedica-se a analisar os programas jornalísticos na televisão, ou
algumas coberturas em particular.
Outros trabalhos buscam discutir as
características da linguagem ou as especificidades da narrativa no
telejornalismo e sua qualidade, sendo menos numerosas as pesquisas que se
voltam à análise da recepção dos conteúdos noticiosos televisivos, ou de sua
eficácia informativa.
Dessa forma, a publicação desse livro: “Discurso,
identidade, representação – A presença evangélica no telejornalismo brasileiro”
constitui-se em uma importante contribuição para que possamos compreender
melhor os noticiários televisivos, e por meio deles, a própria sociedade
brasileira.
Resultado da dissertação de
mestrado da autora, o trabalho ainda representa a oportunidade de suprir uma
lacuna nos estudos que tratam da relação entre mídia e religião. Vista com
desconfiança ou restrição em algumas correntes religiosas, a televisão teria
ocupado um lugar próximo a um altar como apontam estudos que tratam dos
programas religiosos ou das estratégias de evangelização eletrônica.
A presença
da religião em telenovelas, ou mesmo a propriedade de emissoras de TV por
grupos religiosos é foco de outras pesquisas já publicadas no país.
Investigar a relação entre o
jornalismo e os evangélicos, grupo que tem se tornado a cada ano mais numeroso,
como apontam os levantamentos censitários, permanecia uma promessa, agora
cumprida com esta publicação.
Em seu estudo, Hideíde Brito Torres avalia a
forma de representação de dois grupos protestantes históricos – Batistas e
Metodistas – em dois telejornais veiculados em rede nacional de televisão: Jornal
Nacional (TV Globo) e Jornal da Record (TV Record).
O trabalho
apresenta uma análise atenta das estratégias narrativas e discursivas
utilizadas por uma emissora laica e outra ligada a uma denominação religiosa
para representar os evangélicos, buscando construir assim sentidos de
identidade e alteridade.
Mas se para os produtores dos
telejornais a audiência permanece presumida, como conceituou o pesquisador
Alfredo Vizeu (2005), as percepções dos evangélicos acerca de sua imagem,
narrada nos noticiários televisivos, também foram levantadas no trabalho da
autora.
Será que os batistas e metodistas se reconhecem nos discursos que os
telejornais ofertam aos seus telespectadores? Para responder a essa questão,
resta um convite-provocação: à leitura!
Resumo
A obra, fruto da dissertação de
mestrado da autora, aborda a construção identitária dos evangélicos no Jornal
Nacional e no Jornal da Record, pelos marcadores discursivos da
identidade e da alteridade.
Também contempla um estudo de recepção das notícias
analisadas junto a fiéis metodistas e batistas de uma cidade do interior de
Minas Gerais, indagando se o fato de uma emissora estar ligada a esse segmento
promove ou não uma identificação dos evangélicos com a mesma.
Os referenciais
teóricos envolvem as discussões promovidas pelos Estudos Culturais Britânicos e
o Interacionismo Simbólico e as metodologias incluem a análise de discurso com
base em Foucault, a dramaturgia do telejornalismo e grupos focais.
[Iluska Coutinho é jornalista formada pela
Universidade Federal do Espírito Santo, mestre em Comunicação e Cultura pela
Universidade de Brasília e doutora em Comunicação pela Universidade Metodista
de São Paulo. Professora adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora e
orientadora desta pesquisa]
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