Oferendas religiosas tomam conta de estrada de serviço – Por Thiago Macedo
Serpenteando as escarpas da Serra
do Mar, a Estrada de Serviços das rodovias Anchieta e Imigrantes repousa quase
que tranquila. Ela é pouco usada.
Serve para os funcionários da Ecovias,
policiais militares e bombeiros transitarem entre as duas rodovias e também
funciona como rota de emergência em caso de problemas nessas vias tradicionais.
Isolada, a Estrada de Serviços é
rodeada pela Mata Atlântica e fica dentro do Parque Estadual da Serra do Mar,
uma área de preservação permanente. E é essa proximidade com a natureza e a sua
condição deserta que a transformam em ponto ideal para os adeptos das religiões
de origens africanas praticarem seus rituais e oferendas aos orixás.
Até aí tudo bem, se não fosse a
grande quantidade de objetos como garrafas de vidro, alguidares (espécie de
prato de barro), animais mortos, peças de roupas, velas, cestas e uma
infinidade de artigos largados em boa parte da extensão da mata, que fica às
margens da Estrada de Serviço.
Exageros
A Tribuna percorreu parte desse
caminho e viu o cenário descrito acima. Encontramos na parte inferior da mata,
próximo a uma cachoeira, até mesmo capacetes e escudos em tamanho real,
semelhantes aos que são estampados e esculpidos nas imagens que representam São
Jorge, o Santo Guerreiro (como é chamado na religião católica), ou Ogum (na
Umbanda). Também não foi difícil encontrar peças íntimas e outros vestuários largados
ao longo da vegetação.
Há cerca de dois meses, essa
imagem afastou uma equipe de filmagem que estava realizando um curta-metragem
em Cubatão. Os profissionais estavam em busca de paisagens com cachoeiras e
outras belezas naturais. Diante da poluição visual, decidiram filmar em outro
ponto.
José Luiz Aguiar, conhecido como
Babalorixá Badeh, preside a Associação Cultural Afrobrasileira Luz das Candeias
do Litoral da Costa da Mata Atlântica (Afroluz). Ele diz que essa prática é
condenada entre a maioria dos adeptos e líderes das religiões oriundas da
África. “Eu falo pelo Candomblé, e nós somos terminantemente contra garrafas,
resíduos animais, porque para nós, isso não é religião”, defende.
Ele ainda alerta para o risco de
se acender velas na natureza. “Nós somos contra acender velas em mata porque
você não tem controle. Bate um vento e pega fogo em tudo.” Ele destaca que quem
abandona detritos poluindo a natureza com o argumento de que está fazendo uma
oferenda em homenagem aos orixás está na contramão do seu credo.
“No Candomblé os orixás são a
natureza. Iansã é a dona do vento; Xangô, das pedras; Iemanjá, das águas do
mar; Oxum, das águas doces; Oxossi, das florestas. Esta ligação com a natureza
é muito grande, e forte. É um contra-senso (degradar o meio ambiente).”
Mais crítica
A mesma opinião tem Denise
Terezinha Ferreira Palhares, a Ya Denise T'soba, vice-coordenadora do Instituto
de Tradições das Religiões Afro-brasileiras (Intercab) – Núcleo Baixada
Santista. “A gente tem como orixá a natureza, então os maiores preocupados com
a natureza e em mantê-la como ela está somos nós mesmos. Se a gente maltratar
as cachoeiras, o rio, a mata, estaremos judiando dos próprios orixás que nós
louvamos.”
Ya Denise T'soba, que também é
presidente da Associação Espiritualista Jurema Preta na União das Crenças,
conta que há tempos um trabalho de conscientização vem sendo feitos com os
adeptos do Candomblé e da Umbanda, mas lamenta que “pessoas não esclarecidas
acabam fazendo essa porcaria. Infelizmente, toda religião tem seu lado ruim. E isso
só aumenta o preconceito.”
Conscientização
A responsabilidade pela área
cortada pela Estrada de Manutenção é da Fundação Florestal, que administra o
Parque Estadual da Serra do Mar. Durante quase três anos (entre abril de 2009 e
setembro de 2011), Lafaiete Alarcon foi o gestor do Núcleo Itutinga Pilões do
Parque Estadual, cuja sede é em Cubatão.
Ele conta que sua equipe abordou
várias pessoas fazendo os rituais religiosos e que as orientou que a prática
não é proibida no parque, mas deve ser feita com agendamento prévio e não
ocasionar qualquer dano ao ecossistema.
“Explicávamos que não é permitido
descartar objetos e alimentos; sacrificar animais é uma atividade que não
condiz com a unidade de conservação. Porém, se for agendada e a atividade não
causar qualquer dano ao meio ambiente (como descarte de objetos e de alimentos,
que interagem com a fauna), o local é público e a visitação também. Mas por ser
um lugar de proteção integral, existe a necessidade de atender o seu plano de
manejo e seguir o que determina a lei”, explica Lafaiete, que hoje é o gestor
do Núcleo Itariru do parque estadual.
Conforme a legislação, em áreas
de preservação permanente é admitido apenas o uso indireto dos seus recursos
naturais, como pesquisas, visitas recreativas e monitoradas, onde poderia se
encaixar os atos religiosos. Entretanto, desde que não causem nenhum dano à
natureza.
Fonte: http://www.atribuna.com.br
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