Engajamento eleitoral da Igreja Católica é inédito, diz dom Fernando Figueiredo
Bispo responsável por uma das
igrejas mais assediadas por políticos em São Paulo, o Santuário do Terço
Bizantino, do padre Marcelo Rossi, dom Fernando Figueiredo admite nunca ter
visto a Igreja Católica se envolver tão fortemente numa eleição municipal quanto
neste ano.
Dom Fernando Figueiredo concede
entrevista na sede da Diocese de Santo Amaro, em São Paulo:
"Já vi uma manifestaçãozinha
aqui e acolá, mas jamais um pronunciamento oficial", afirma, ao comentar a
ação do arcebispo dom Odilo Scherer, que no primeiro turno determinou que
padres lessem comunicado com críticas à campanha de Celso Russomanno (PRB).
À reportagem, o bispo de Santo
Amaro diz que abre as portas de seu Santuário para que os fiéis possam
"conhecer melhor" os candidatos.
Rechaça, no entanto, que líderes
religiosos indiquem nomes aos eleitores. Apesar disso, direcionou os maiores
elogios a José Serra (PSDB), que concorre com Fernando Haddad (PT).
O Santuário acabou se tornando
alvo do périplo de políticos. Como vê isso?
Vejo o santuário como local de
congregação do nosso povo. Isso não só chama a atenção da imprensa, como também
dos políticos, que têm ali acesso a um grupo bastante grande para se
apresentar. Muitos deles vão movidos também pela fé. Gostaria que todos fossem
assim.
O objetivo político incomoda?
Eu não pergunto a ninguém se foi
lá por razão política ou religiosa. Cabe à pessoa.
É positiva essa aproximação dos
políticos com as igrejas?
É um modo de eles se apresentarem
e também de nós os conhecermos. Para votar, creio que uma das leis máximas é
justamente conhecer e conhecer bem o candidato. É verdade que eles vão lá e as
pessoas os veem naquele instante. Mas talvez essa primeira impressão já traga
uma alegria de saber que conhece aquele candidato.
Não há risco de a igreja ser
instrumentalizada?
Se eles [os políticos]
instrumentalizam, o problema é deles. Nós fazemos com a consciência reta,
desejando apresentá-los e levá-los a um encontro com o Senhor.
Na última semana, os materiais
anti-homofobia que Haddad e Serra produziram viraram tema na campanha. Como vê
isso?
Não vou entrar na questão do kit.
A igreja sempre propugnou contra todo tipo de discriminação. Todos são chamados
à salvação.
*Mas elaborar esse material pode
ser considerado algo que desabone um candidato?
Creio que essa questão é muito
delicada. Delicada demais para, numa pincelada, tratarmos sobre ela.*
Delicado para tratar em uma
pincelada. E para tratar em ano eleitoral?
Muitas vezes os debates se tornam
não muito elucidativos e, às vezes, distorcidos. Não colocaria essas questões
num período eleitoral.
O pastor Silas Malafaia pediu
voto para Serra dizendo que Haddad queria ensinar a homossexualidade. Ele está
pregando o preconceito?
Eu não gostaria de julgar.
Mas o que acha de um líder
religioso indicar candidato?
Ninguém deveria dizer quem é o
candidato. É um abuso do contato e da credibilidade que os fiéis nos dão.
Então qual é o limite para a
participação dos religiosos?
Eu diria que devemos apresentar,
sim. Mas dar conhecimento não é indicar.
O sr. disse que é preciso
conhecer bem os candidatos. Pode falar um pouco o que conhece de Haddad e
Serra?
O Haddad me foi apresentado pela
família Tatto [dez irmãos filiados ao PT-SP]. Eu já o vi em outra ocasião, mas
não tenho contato. Vejo que é muito inteligente, tem capacidade intelectual e
também flexibilidade quando discursa. O Serra eu conheço há tempos. Pediram-me
para dar a unção dos enfermos a uma senhora. Na saída, vi um porta-retratos com
foto dele e perguntei de onde o conheciam. Era a mãe dele. Difícil encontrar
alguém que conheça mais a cidade do que ele.
O sr. foi a muitas inaugurações
desta gestão. Se Haddad for eleito, continuará indo?
Eu não sou ligado a este ou
aquele partido. Sabia que quando os cristãos eram martirizados, eles rezavam
pelo imperador, que os estava levando à morte? É uma responsabilidade da
autoridade estar sempre sintonizado com o Senhor.
No primeiro turno, dom Odilo
Scherer pediu para que padres lessem nas missas texto contra a campanha de
Celso Russomanno. Como viu isso?
Eu não tinha claro até aquele
momento que o Russomanno estivesse ligado à Igreja Universal. Até hoje não
tenho. Como o conhecia há muito tempo, o que eu via era ligação com a Igreja
Católica.
O sr. declarou publicamente que
ele era católico.
Você sempre deve fazer o que é
melhor para a pessoa. Se nada me dizia que ele não era católico, como poderia
não defendê-lo?
É inédito o engajamento eleitoral
da igreja em São Paulo?
Essa pergunta é para ele [dom
Odilo], não para mim. Cheguei aqui como bispo em 1989. Sempre houve uma
manifestaçãozinha aqui e acolá, mas não um pronunciamento oficial. Isso jamais.
Qual é o limite desse engajamento
religioso?
Você apresenta [candidatos],
simplesmente. Mas a igreja deve iluminar a mente do eleitor para que ele possa
considerar os candidatos não só no momento presente, mas também no passado.
Senão, aparece alguém da Lua com um belo discurso, e as pessoas são levadas. O
conhecimento que temos, por exemplo, do Serra. Ele é mais conhecido. É mais
fácil termos julgamento.
Ele tem alta rejeição, em parte
por ter saído da prefeitura.
Mas isso é tão secundário. Ele
saiu por quê? Porque não queria servir o povo? Ou quis servir o povo ainda
mais, como governador? Perdemos essa referência.
O sr. falou do Serra, poderia
destacar méritos das gestões que viu desde 1989?
A Erundina teve muita preocupação
social, pela realidade sofrida do povo. O Maluf é um homem de decisão. Quando
tivemos problemas na região sul, agiu imediatamente. O Pitta bem menos...
E a Marta Suplicy?
Marta, Marta, Marta.... O que eu
poderia falar da Marta? Aqui na região sul... Ela tinha uma preocupação pela
saúde. Vemos postos de saúde que ela incentivou. Isso foi importante. A atuação
do Kassab também tem sido marcante aqui na região.
A maioria da população reprova a
gestão dele.
Eu fico sempre me perguntando: de
onde que vem isso? Acho injusto. Acho não, creio. Vocês que estão na imprensa,
o que me dizem? Não é um pouco pegar os aspectos que não são positivos e
alardear, e isso faz com que a imagem da pessoa seja denegrida?
O senhor se refere ao Kassab?
Pode ser qualquer pessoa, até um
santo. Pegue irmã Dulce. Pega um aspecto que não era muito positivo e começa a
divulgar. Cria-se uma ideia contrária à pessoa.
O sr. recebe crítica por receber
os políticos?
Às vezes recebo críticas:
"Você recebeu Fulano, ele nem é católico e o senhor o deixou
comungar". Há uma lei na igreja que, se a pessoa se aproxima para a
comunhão, você não pode negá-la.
Antes do primeiro turno, o
candidato Gabriel Chalita veio a uma missa na qual estava o Serra. Ele reclamou
que precisou "se convidar" para o evento. Na ocasião, o sr. não quis
comentar.
Continuo sendo elegante com ele.
Ele se queixou com o senhor?
Continuo sendo elegante com ele.
Estou começando a ser político! [risos]
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