“Ir para a universidade deu cabo da minha vida”
Nos Estados
Unidos, um estudante universitário acaba o curso a dever, em média, vinte e
cinco mil dólares. E depois grande parte não arranja sequer emprego.
Numa
altura de grandes dificuldades económicas, os créditos estudantis serão o novo
capítulo da crise? O Reporter foi à procura da geração endividada.
Amanda
Sisenstein ganha nove dólares por hora como empregada de mesa, num café no
norte do Estado de Nova Iorque. Há sete anos, Amanda concluía os estudos
universitários em Psicologia e Música. Tal como milhões de americanos, contraiu
um empréstimo para financiar a sua formação:
“É uma burla; neste momento, não
passa de um jogo. Uma pessoa vai para a universidade, paga todo este dinheiro,
compra livros, garante os custos de vida, e depois acaba com esta dívida toda e
com uma possibilidade remota de encontrar um emprego que permita pagar de volta
os empréstimos. Estive a trabalhar durante três anos. Podia ter feito um Plano
Poupança Reforma. Só que saí antes da economia colapsar. Agora trabalho aqui e
ali. Tenho dois bacharelatos, anos de experiência profissional, e nem sequer
consigo um trabalho num supermercado.”
Amanda vive em
New Paltz, onde também frequentou a universidade que, apesar de ser pública,
está longe da gratuitidade. Nos últimos quinze anos, as propinas dispararam. As
dívidas dos estudantes atingiram valores recorde, ultrapassando um bilhão de
dólares.
Rachel Braun
formou-se em Gestão e História de Arte em 2011. Agora, organiza-se para manter
três trabalhos em tempo parcial, ganhando pouco mais do que o salário mínimo.
Rachel deve mais de 80 mil dólares ao banco e desabafa:
“A minha mãe sempre me
disse que eu tinha de ir para a universidade, porque ela, no seu tempo, acabou
por desistir, porque teve o meu irmão e depois casou. Nem sequer havia escolha.
Ela, o meu irmão e eu vivemos durante muito tempo com apenas 50 dólares por
mês. Era horrível ver a minha mãe lutar para sobreviver. Portanto, para mim,
como ela me ensinou, eu tinha de ir para a universidade, para poder vir a
ganhar dinheiro, para sustentar a família. Eu fiquei obcecada com essa ideia:
estudar, arranjar um bom emprego, ganhar muito dinheiro e, depois, pagar todos
os empréstimos. Nada disto aconteceu. Ninguém contrata ninguém para nada.”
Estima-se que
mais de metade dos jovens licenciados americanos esteja ou no desemprego ou a
trabalhar precariamente. E, sobretudo, muito endividados. O empréstimo médio
ronda os 25 mil dólares, mas pode alcançar os 150 mil. A educação tornou-se num
negócio lucrativo.
Desde 1985, o custo de um diploma aumentou em 600 por cento.
Em comparação, as despesas com os cuidados de saúde subiram perto de metade. As
universidades públicas culpam os cortes de financiamento. Mas há quem afirme
que as propinas sobem porque há garantias de crédito aos alunos, muitas vezes
com taxas de juro particularmente elevadas.
Andrew Ross,
professor na Universidade de Nova Iorque, lançou o ano passado uma campanha de
denúncia chamada Occupy Student Debt. É uma forma de chamar a atenção para a
situação de mais de seis milhões de pessoas que, mesmo que declarem
insolvência, não obtêm qualquer perdão de dívida.
“Uma das coisas mais imorais
na educação é que os estudantes têm de contrair dívidas para poder trabalhar, é
a base do contrato. Endividam-se para trabalhar. E se tiver a sorte de arranjar
um emprego, uma grande fatia dos rendimentos é para pagar as dívidas contraídas
para que, à partida, pudesse trabalhar. Basicamente, a indústria financeira
está a roubar uma parte do seu futuro”, considera Ross.
O alerta está
dado: o crédito estudantil pode tornar-se na próxima crise a rebentar, depois
do subprime. Como na bolha especulativa imobiliária, os bancos estão a conceder
empréstimos a pessoas que, provavelmente, nunca os conseguirão devolver.
Peter Schiff é
diretor-executivo. Nas suas palavras, a culpa não pertence a Wall Street, mas
ao governo federal. Nos anos 90, o Congresso aprovou a legislação sobre os
empréstimos para permitir o acesso de todos à educação.
Mas, para Schiff, o
plano surtiu um efeito perverso: “Ao garantirem empréstimos que permitem aos
estudantes obter muito mais dinheiro do que aquele que, à partida, teriam,
anulam esse princípio. O que acontece é que as universidades inflacionam os
preços, os estudantes pedem ao governo empréstimos maiores e as universidades
voltam a subir os valores. Por isso, é um círculo interminável, perpetuado pelo
governo. A solução passa por uma educação universitária acessível, sem o
governo na equação. Sempre que há subsídios públicos, os preços disparam. Seja
no alojamento, no sistema de saúde ou na educação. Se quisermos baixar os
preços, o governo tem de sair e deixar entrar o livre mercado.”
Mas será que o
mercado é livre? Não, para Larry Doyle. Durante 25 anos, trabalhou em Wall
Street que, segundo ele, mantém uma relação incestuosa com o governo, que
resultou na crise do subprime e, agora, na crise da dívida estudantil.
Doyle
acredita que nem Obama, nem Romney querem ouvir falar noutro eventual resgate:
“Tendo em conta que temos um défice de 16 biliões de dólares, a ideia de
resgatar a população estudantil não seria bem recebida. (…) Se alguém pede
dinheiro emprestado, corre riscos. Se depois não consegue lidar com isso, devia
ter pensado melhor antes. Dito isto, há aqui espécie de fraude. Aproveitaram-se
de miúdos de 18 anos? Sem dúvida alguma que o fizeram. Não foram confirmar para
trás, não foram procurar outros créditos. Apenas ‘peguem no dinheiro’. Porquê?
É um empréstimo que está ser vendido. Não ficam com ele. Vendem-no a Wall
Street, assim como os riscos inerentes.”
O sentimento de
injustiça é crescente. Mais uma vez, os bancos… O peso sobre as novas gerações
não pára de aumentar. Num movimento inverso, dissipam-se as expetativas de uma
melhoria nos próximos anos. O dinheiro das gorjetas, mesmo não sendo muito,
Amanda pretende utilizá-lo a ajudar outros jovens a quebrar o grilhão da
dívida.
“O Homem tornou-se uma metáfora, num sistema construído de forma
patriarcal (…). Há que denunciar as coisas e afirmar: a educação pública deve
ser gratuita. Antes de mais, nunca me deviam ter cobrado este dinheiro.
Devem-nos ainda mais a nós, por isso não vou pagar os meus empréstimos.
Primeiro, porque acho que não devo; segundo, porque não posso. Nem sequer se
trata de uma escolha. É por impossibilidade e por princípio que não vou pagar
os meus empréstimos enquanto estudante”, garante Amanda.
Já Rachel, sublinha o
arrependimento: “Se vir bem as coisas, e sei que é horrível dizer isto, mas eu
dei cabo da minha vida quando fui para a universidade. Mesmo. É uma questão de
inteligência, arrependo-me todos os dias. Bom, se não tivesse ido, também não
tinha conhecido o meu namorado, nem teria um trabalho como assistente, que
adoro, mas que não vale 80 mil dólares. Se calhar, acabava por conhecer o meu
namorado noutro sítio. Não vale simplesmente a pena.”
Fonte: http://pt.euronews.com
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