Devotos lotam igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem/BA em comemoração aos três séculos – Por Laura Fernandes


Aparência de uma senhora experiente. Marcas na estrutura revelam uma trajetória de 300 anos: azulejos portugueses deteriorados, grades enferrujadas nas janelas e tábuas de madeira frágeis e interditadas, no andar de cima. 

Os sinais de desgaste, no entanto, só aumentam o carinho e a admiração pela história da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, na Cidade Baixa, onde devotos celebraram ontem pela manhã os três séculos de existência do patrimônio histórico e religioso.

Os festejos começaram às 7h30, com missa realizada pelo bispo auxiliar de Salvador, Dom Giovanni Crippa, que também inaugurou e abençoou a placa de pedra dos 300 anos da igreja. 

Mensagens enviadas pelo Papa Bento XVI e pelo arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, foram lidas durante a cerimônia. A programação incluiu homenagem aos devotos que passaram pela paróquia, como Irmã Dulce (1914-1992) e Irmã Lindalva Justo de Oliveira (1953-1993), e uma bênção à Galeota Gratidão do Povo – embarcação símbolo de devoção a Bom Jesus dos Navegantes.

Cada um dos cerca de 300 devotos presentes na comemoração guardava uma história especial de ligação com Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem. A atendente Rita Almeida, 42 anos, por exemplo, contou que tentou engravidar por oito anos seguidos sem sucesso. 

“Fiz tratamento e passei por várias clínicas. Até que um dia bordei uma flor no manto de Nossa Senhora e hoje Luiza está aqui”, disse orgulhosa referindo-se à filha mais velha, Maria Luiza, 9, que a acompanhava com o irmão Miguel, de 7 anos. 

Nascida e criada no bairro, a aposentada e uma das organizadoras do evento Maria Helena Nascimento, 78, disse com muita segurança: “aqui é a extensão da minha família, da minha casa. O mesmo desejo que tenho para elas, tenho para a igreja”.

O mesmo querer bem é compartilhado pelo encanador hidráulico Anilton Leal, 61, que trabalha na igreja há 15 anos. Devoto desde criança, ele queixa-se do abandono em que se encontra a igreja, que já passou por pequenos restauros mas tem a necessidade de profundas reformas. 

“O sacrifício é porque ela é tombada pelo Iphan. A comunidade não pode fazer nada. Os órgãos do estado não querem ajudar. Eles não fazem nada e não deixam a comunidade fazer”, criticou.

Projetos de reforma já existem, segundo o diretor náutico da Devoção do Senhor Bom Jesus dos Navegantes, Expedito Sacramento, 67. “Já temos projetos, mas faltam recursos. Precisamos do apoio do Iphan”, reforçou o diretor com mais de 50 anos de trabalho. Expedito destacou que há muitos anos a igreja não passa por uma grande reforma: “eu era menino quando teve, mas nem me lembro quando”.

O superintendente do Iphan, Bruno Tavares, explicou que o órgão não é responsável pela preservação da igreja. “Quem responde (pela preservação) é o proprietário. O Iphan fiscaliza o estado de conservação pelo fato de o bem ser tombado, notificando o responsável a efetuar os serviços necessários para conservação do monumento”, afirmou.

Cuidar “do templo de Deus” foi um dos desafios apontados por Dom Giovanni na manhã de ontem. “Estamos diante de um templo histórico e bonito e a reestruturação dele faz-se necessária. A palavra de Deus diz que tudo passa, tudo aquilo que é material. Porém é importante conservar essa memória, as raízes”, disse o bispo auxiliar, ressaltando que esse processo é criterioso, delicado e exige cuidados especiais. “Vim para celebrar uma história de 300 anos e não fazer reivindicação. Mas é um templo tão bonito e que está pedindo socorro. Eu só emprestei minha voz a ele”.

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