Herdeiros do candomblé – Por Marcionila Teixeira


Crianças têm a missão de levar adiante a religião dos ancestrais em uma sociedade intolerante

As longas saias das crianças rodopiam no salão. São rosas, azuis, amarelas. Ao fundo, um som ritmado de meninos e meninas ao ngoma, um tipo de tambor, orienta a dança e o canto entoado aos orixás da casa. Em um terreiro cujas paredes são tomadas por quadros de santos católicos e imagens de candomblé, eles celebram a religião que abraçaram para as próprias vidas. 

Têm entre cinco e 14 anos, mas parecem conhecer a fundo a fé que herdaram dos ancestrais africanos. Sentem orgulho do que são, pois assumiram desde cedo responsabilidades dentro de seus terreiros. As crianças do candomblé e da jurema são o retrato de uma resistência praticamente invisível. Muitas vezes mantida sob segredo dos ouvidos menos tolerantes a religiões que não às suas.

“É a criança que herdará nossa beleza”, diz um velho provérbio em yorubá que originalmente é escrito “Omo ni yíò jogún ewa lódò wa”. A mensagem, no entanto, atravessou os anos incompreendida. Entre os anos 1920 e 1970, por exemplo, as crianças eram proibidas de entrar nos terreiros.

 “Cresci me escondendo embaixo da cama quando a polícia chegava no terreiro da minha mãe, onde eu morava. Se pegassem a gente, tinha multa e ela podia até perder a nossa guarda”, conta Adeíldo Paraíso, o pai Ivo de Oxum, que foi iniciado na religião aos 10 anos, no terreiro de Xambá, em São Benedito, Olinda, onde está até hoje.

Os resquícios daquela época ainda insistem em permear a vida dos que habitam os terreiros. Um tempo em que seus seguidores eram submetidos a exames de sanidade mental e tinham que apresentar atestados de antecedentes criminais para manter os salões e seus toques. 

“Até hoje, muitos dos seguidores da própria religião não querem iniciar seus filhos ainda crianças por preconceito. Eles acham que é cedo para envolver os filhos em algo tão sério. O problema é que isso não condiz com a religião. Tirando a criança, tiramos a raiz do terreiro”, raciocina Alexandre L’Omi L’Odò, do Centro Cultural Malunguinho.

Intolerância

Uma pesquisa de estudantes de psicologia da Fafire chamada A preparação e iniciação de crianças na comunidade Xambá, em Olinda revela que as crianças de terreiro são vítimas de intolerância religiosa na comunidade e na escola. 

“Elas demonstram maturidade para reagir às agressões e costumam não revidar com violência”, explica o estudante Ismael Holanda. Segundo ele, outra observação que chama a atenção é que em Pernambuco a iniciação acontece muito tarde, quando comparado com outros estados, como a Bahia, onde bebês passam pelo ritual.

Na opinião da professora Stela Caputo, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), muitos pais não querem iniciar os filhos cedo porque a religião exige muitas responsabilidades. “As tarefas são cotidianas”, explica a professora, que acompanhou por 20 anos o crescimento e os depoimentos de meninos e meninas de terreiro.




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