Hildegarda de Bingen: doutora da Igreja – Por Maria Clara Bingemer*
No último dia 7 de outubro, o
papa Bento XVI proclamou doutora da Igreja uma extraordinária mulher:
Hildegarda de Bingen. Alemã, nasceu em 1089 e morreu em 1179.
Provinha de uma
família da pequena nobreza de Bermershein, que estava a serviço dos condes de Sponheim.
Desde muito pequena tinha visões extraordinárias, e este parece ter sido o
principal motivo pelo qual seus pais a encaminharam à vida religiosa.
Aos oito anos de idade entrou
como oblata na abadia beneditina de Disibodenberg, onde, em 1115, emitiu a
profissão religiosa. Com a morte de Jutta de Sponheim, então magistra (mestra)
do mosteiro, por volta de 1136, Hildegarda foi chamada a suceder-lhe. De saúde
frágil, mas vigorosa no espírito, comprometeu-se profundamente com uma
renovação adequada da vida religiosa. Era tal sua irradiação que trazia novas
vocações ao mosteiro.
Por volta de 1150, fundou outro mosteiro na colina
chamada Rupertsberg, nas proximidades de Bingen, para onde se transferiu
juntamente com vinte outras irmãs. Em 1165,
instituiu outro em Eibingen, na margem oposta do Reno, tendo sido abadessa de ambos.
Personalidade muito citada, mas
de fato pouco conhecida pelo grande público moderno, Hildegarda rompeu as
barreiras dos preconceitos contra as mulheres e tornou-se respeitada como
autoridade em assuntos teológicos, louvada por seus contemporâneos em altos
termos. Atuou dentro do mosteiro, zelando pelo progresso espiritual e a vida
comunitária de suas irmãs, mas igualmente fora dele.
Aí buscou fortalecer e propagar a
fé cristã, enfrentando a heresia cátara que crescia em sua época. Seus escritos foram de grande importância
para a disciplina e a vida do clero de sua época. Diferentemente das mulheres de então,
Hildegarda viajou para pregar em igrejas, catedrais e até mesmo em praças
públicas, primeiro autorizada pelo papa Adriano IV e, posteriormente, pelo papa
Alexandre III.
Nos seus numerosos escritos, dedicou-se exclusivamente a expor a
revelação divina e a fazer conhecer Deus na limpidez do seu amor. Esse
conhecimento que transmitia era fruto das numerosas visões e graças místicas
com que era dotada pelo próprio Deus.
A doutrina hildegardiana é
considerada eminente, tanto pela profundidade e retidão das suas interpretações
como pela originalidade das suas visões. Para ela, o universo era a resposta
para as dúvidas da humanidade, e a humanidade era a resposta para o enigma do
universo.
Mas, como ela escreveu, se a humanidade não fizesse a pergunta, o
Espírito Santo não poderia respondê-la.
Por isso, acreditava na ciência, e a praticava com rigor e desvelo. Além de
mística, teóloga e pregadora, foi poetisa e compositora talentosa, deixando
obra original de vulto.
Também fez muitas observações da
natureza com uma objetividade científica até então desconhecida, especialmente
sobre as plantas medicinais, compilando-as em tratados em que abordou ainda
vários temas ligados à medicina e ofereceu métodos de tratamento para várias
doenças. Foi também compositora de música sacra.
A partir de sua própria experiência de visões
e conhecimento infuso, Hildegarda transmite em sua doutrina a possibilidade
real e autêntica do conhecimento de Deus, considerando esta a tarefa
fundamental da teologia.
Embora Deus sempre permanecerá
mistério, pela fé o ser humano é capaz de aproximar-se dele e de seu
conhecimento. A criação desvela seu mistério, ao mesmo tempo em que não é
compreendida separadamente de Deus, já que a natureza só fornece informações
parciais, que devem ser plenificadas pela fé.
Em sua original antropologia, a monja, analisando o relato bíblico de
Adão e Eva, interpreta a causa do pecado original não na fraqueza e
volubilidade de Eva, como normalmente sói acontecer, mas na excessiva paixão de
Adão em relação à mulher que Deus lhe dera. E declara que a imitação de Cristo
é a condição dada a todo ser humano de viver uma vida plenamente virtuosa.
O Espírito Santo será a garantia
de que a existência humana pode e deve tornar-se cristiforme. Na carta apostólica em que a declara doutora
da Igreja, o papa Bento XVI exalta as virtudes e qualidades desta mulher que,
segundo ele, “tem um grande significado para o mundo de hoje e uma
extraordinária importância para as mulheres. Em Hildegarda resultam expressos
os valores mais nobres da feminilidade: por isso também a presença da mulher na
Igreja e na sociedade é iluminada pela sua figura, tanto na ótica da pesquisa
científica como na da ação pastoral. A sua capacidade de falar a quantos estão
distantes da fé e da Igreja faz de Hildegarda uma testemunha credível da nova
evangelização".
* Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da
PUC-Rio, é autora de 'A argila e o espírito - Ensaios sobre ética,
mística e poética' (Ed. Garamond), entre outros livros. -
agape.usuarios.rdc.puc-rio.br
Fonte: http://www.jb.com.br
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